Perfilagem Clínico-Forense – Parte I

A Necessidade de Investigações Detalhadas e Livres de Preconceitos

 

“A imagem de um criador de perfis criminais classificando as evidências da cena do crime e identificando definitivamente um suspeito culpado é popular em romances, programas de televisão e filmes. Apesar disso, o principal objetivo do perfil em investigações reais é restringir o escopo de um grupo de suspeitos, em vez de identificar um único criminoso culpado”

(Douglas & Olshaker, 1995)

Excerto – Clichês Abatidos

O texto é uma construção narrativa que contrasta a representação midiática da profissão de criador de perfis criminais com a realidade prática dessa atividade. O discurso inicia-se com uma descrição vívida da imagem popularizada pelo entretenimento — romances, programas de televisão e filmes —, na qual o perfilador criminal surge como uma figura quase infalível, capaz de classificar evidências e apontar um culpado com precisão definitiva. Essa representação, carregada de dramaticidade e certeza, alimenta um imaginário coletivo que simplifica e glamouriza o trabalho investigativo.

Em contraponto, o texto desloca-se para a realidade das investigações criminais, introduzindo um propósito mais modesto e pragmático: o perfil criminológico não visa a identificar um único culpado de maneira inequívoca, mas sim reduzir o universo de suspeitos, delimitando um grupo com características compatíveis com o crime em questão. Essa nuance desmistifica a figura do perfilador, mostrando-o como um profissional cujo trabalho é mais sobre probabilidades e eliminação de alternativas do que sobre conclusões absolutas. O uso do advérbio “definitivamente” na primeira frase, associado à imagem midiática, contrasta fortemente com a expressão “restringir o escopo” na segunda parte, evidenciando uma oposição entre a fantasia e a prática.

O discurso também reflete uma crítica implícita à cultura pop, que frequentemente distorce profissões complexas para atender a narrativas espetaculares. Ao destacar essa discrepância, o texto convida o leitor a refletir sobre como a mídia molda percepções equivocadas de certas atividades, especialmente aquelas ligadas à justiça e à segurança pública. A linguagem é direta e acessível, mas carrega um tom de autoridade, sugerindo que a voz que fala tem familiaridade com o tema — seja como especialista, seja como observador crítico dos fenômenos sociais.

Em suma, o discurso opera em dois níveis: primeiro, descreve um estereótipo culturalmente enraizado; depois, desmonta-o com uma explicação sóbria da realidade. Essa estrutura não apenas informa, mas também desafia o leitor a questionar representações midiáticas e a valorizar a complexidade de profissões muitas vezes reduzidas a clichês. A ausência de termos técnicos excessivos ou de rodeios retóricos reforça a clareza da mensagem, tornando-a eficaz tanto para um público leigo quanto para profissionais da área.

Introdução

Em vários artigos anteriormente publicados aqui, a inclusão das chamadas tipologias criminais foi pauta de discussões para o melhor entendimento de temas específicos. Essas tipologias muitas vezes são baseadas em métodos intuitivos ao invés de métodos estatísticos. De qualquer forma, as técnicas de perfilagem têm sido aprimoradas nas últimas duas décadas, o que merece maior atenção dos profissionais que lidam com a área forense de forma direta ou mesmo indireta. A intenção deste e do próximo capítulo não é apenas comentar sobre a definição e a adequabilidade científica da chamada perfilagem criminal, mas também estabelecer uma diferenciação entre a elaboração de um perfil criminal versus a realização de avaliações psiquiátrico-forenses propriamente ditas.

As avaliações psiquiátrico-forenses e a perfilagem criminal representam abordagens complementares, mas distintas, para a compreensão do comportamento humano no contexto da lei específica e em vigor. Enquanto a avaliação psiquiátrico-forense se concentra no exame individual do acusado, buscando determinar sua sanidade mental e capacidade de imputação penal, a perfilagem criminal busca identificar características de um criminoso desconhecido, com base na análise do local do crime, no modus operandi e em outros elementos forenses provenientes da investigação policial rigorosa. Ambas as abordagens devem ser utilizadas com cautela e responsabilidade, com o objetivo de promover a justiça e a segurança da sociedade.

As Avaliações Psiquiátrico-Forenses

A Psicologia e a Psiquiatria Forense desempenham um papel crucial no sistema de justiça criminal, especialmente no que tange à avaliação bem como à perfilagem de criminosos. Essas áreas especializadas da psicologia e da medicina aplicam princípios e métodos específicos ao contexto legal, auxiliando na compreensão do comportamento criminoso e na tomada de decisões judiciais mais informadas (Bartol & Bartol, 2017).

Uma das principais contribuições da Psiquiatria Forense é a realização de avaliações médicas abrangentes dos criminosos. Essas avaliações visam a identificar características de personalidade, transtornos mentais, fatores de risco e necessidades de tratamento que possam estar relacionados ao comportamento criminoso (Melton, Petrila, Poythress, & Slobogin, 2007). Os psiquiatras forenses utilizam uma variedade de instrumentos e técnicas, como entrevistas, testes e análise de documentos, para coletar informações relevantes sobre o indivíduo avaliado.

As avaliações médico forenses podem ser utilizadas em diferentes etapas do processo judicial. Por exemplo, podem auxiliar na determinação da capacidade do acusado de compreender as acusações e participar da sua própria defesa (competência para ser julgado) (McGrath & Torres, 2012), bem como na avaliação da sanidade mental no momento do crime (capacidade de culpa, consciência do ilícito) (Gudjonsson & Haward, 1998; Roesch et al., 1999). Além disso, as avaliações podem fornecer informações relevantes para a sentença, auxiliando o juiz na determinação da sanção mais apropriada e na identificação das necessidades de tratamento ou intervenção (Andrews & Bonta, 2010).

A Psiquiatria Forense também contribui para a compreensão dos fatores de risco e das necessidades de tratamento dos criminosos. Ao identificar os fatores que podem aumentar a probabilidade de reincidência, os psiquiatras e clínicos forenses podem auxiliar no desenvolvimento de estratégias de intervenção mais eficazes (Wong & Hare, 2005). Além disso, as avaliações podem identificar necessidades de tratamento específicas, como terapia para transtornos mentais, programas de manejo da raiva ou intervenções para o abuso de substâncias, que podem ser abordadas durante o período de encarceramento e/ou mesmo em programas de liberdade condicional.

É importante ressaltar que a atuação do psiquiatra forense deve ser pautada por princípios éticos e legais, garantindo a honestidade, a veracidade, o respeito à dignidade e os direitos dos indivíduos avaliados (American Psychological Association, 2017). Além disso, é fundamental que os psiquiatras e clínicos forenses possuam conhecimento especializado em psicopatologia, avaliação psicológica, exames de imagem, genética forense, sistemas de avaliação de risco de reincidência criminal e sistema de justiça criminal, a fim de realizar avaliações precisas e relevantes para o contexto legal.

As Avaliações Psiquiátrico-Forenses versus A Perfilagem Criminal

As avaliações psiquiátrico-forenses e a perfilagem criminal, embora ambas busquem compreender o comportamento humano no contexto criminoso, representam, como mencionado, abordagens distintas com objetivos e metodologias específicas. As avaliações psiquiátrico-forenses, ancoradas na medicina e na psicologia, concentram-se no exame individual do acusado, buscando determinar sua sanidade mental, capacidade de compreender a natureza dos seus atos e sua capacidade de culpa no momento do crime (Melton, Petrila, Poythress, & Slobogin, 2018). Este processo envolve entrevistas clínicas, análise do histórico médico e social, aplicação de testes psicológicos e, em alguns casos, exames neurológicos, visando a estabelecer um diagnóstico psiquiátrico e avaliar a influência real de transtornos mentais na conduta criminosa.

Em contrapartida, a perfilagem criminal, frequentemente associada à criminologia e à investigação policial, busca identificar características comportamentais, demográficas e psicológicas de um criminoso ainda não identificado, com base na análise do local do crime, das vítimas e de outros elementos forenses (Turvey, 2012). O objetivo principal é auxiliar na identificação de suspeitos, restringir o campo de investigação e fornecer pistas sobre a motivação e o modus operandi do autor do crime. A perfilagem criminal pode empregar métodos indutivos, baseados em padrões estatísticos e experiências passadas, ou métodos dedutivos, que inferem características do criminoso a partir da análise lógica das evidências disponíveis.

Uma diferença crucial reside no foco da análise: a avaliação psiquiátrico-forense volta-se para o indivíduo já identificado como suspeito ou acusado, enquanto a perfilagem criminal direciona-se a um criminoso ainda desconhecido, antes mesmo da sua identificação. Além disso, a avaliação psiquiátrico-forense busca determinar a capacidade de imputação penal do indivíduo, um aspecto que não é diretamente abordado na perfilagem criminal.

Outra distinção importante reside na metodologia empregada. A avaliação psiquiátrico-forense segue um rigoroso protocolo clínico, com base em critérios diagnósticos estabelecidos e instrumentos de avaliação padronizados (American Psychiatric Association, 2013). A perfilagem criminal, por sua vez, pode envolver uma variedade de técnicas, desde a análise estatística de dados criminais até a interpretação subjetiva de elementos forenses, o que pode gerar questionamentos sobre sua validade e confiabilidade (Snook, Cullen, Bennell, & Hiscock, 2008).

É fundamental ressaltar que a perfilagem criminal não deve ser utilizada como prova definitiva de acusação, mas sim como uma ferramenta auxiliar de investigação policial. A utilização inadequada da perfilagem criminal pode levar a erros judiciais e à estigmatização de indivíduos inocentes. Da mesma forma, a avaliação psiquiátrico-forense deve ser realizada por profissionais qualificados e experientes, com o objetivo de fornecer informações relevantes para o processo legal, sem substituir o julgamento do juiz e/ou do júri.

Aspectos Históricos da Perfilagem de Criminosos

A perfilagem criminal, entendida como a inferência de características de indivíduos putativamente responsáveis por atos criminosos, possui raízes históricas que remontam práticas antigas de demonização e estigmatização. Um dos exemplos mais antigos e notórios é o libelo de sangue, que se manifestou na demonização de judeus através de acusações de assassinatos rituais, com origens encontradas em relatos antissemitas e disseminação durante a Idade Média (Levinson, 2004).

As Inquisições Medievais também representam um período marcante na história da perfilagem criminal, com a publicação do Malleus Maleficarum (Kramer & Sprenger, 1971), um guia para identificação, acusação e punição de bruxas. As características atribuídas às bruxas, muito amiúde baseadas em crenças religiosas e preconceitos, serviram como um perfil criminal que legitimava a perseguição e execução de certos indivíduos (Burr, 1896).

No século XIX, Cesare Lombroso (1876) buscou classificar criminosos com base em características físicas, propondo a existência de “criminosos natos” com traços atávicos. Embora suas teorias tenham sido amplamente criticadas, Lombroso é considerado um dos pioneiros da criminologia e influenciou o estudo das características físicas e comportamentais de criminosos (Bernard & Vold, 1986).

No início do século XX, Hans Gross (1906) enfatizou a importância da ciência e da sistematicidade na investigação criminal, defendendo uma abordagem mais rigorosa que considerasse tanto o comportamento do criminoso quanto as evidências físicas. Gross é considerado um dos fundadores da perfilagem criminal moderna, influenciando o desenvolvimento de técnicas de análise da cena do crime e reconstrução do crime (Thorwald, 1966).

Arthur Conan Doyle, criador do personagem Sherlock Holmes, contribuiu para a popularização da perfilagem criminal através de suas histórias, que enfatizavam a observação, a lógica e a dedução na resolução de crimes. Doyle também se envolveu em casos reais, utilizando suas habilidades investigativas para contestar condenações tortuosas (Gildart & Howell, 2004).

Nos Estados Unidos, James Brussel (1968) aplicou a psiquiatria à perfilagem criminal, diagnosticando transtornos mentais de criminosos desconhecidos a partir dos seus comportamentos na cena do crime. Brussel ficou conhecido por sua precisão na identificação do “Mad Bomber” de Nova York, embora nem todos os seus perfis tenham sido validados.

A partir da década de 1970, o FBI desenvolveu um programa de perfilagem criminal, com agentes como Howard Teten e Pat Mullany aplicando conhecimentos de criminologia, medicina legal e psiquiatria à investigação de crimes violentos (Hazelwood & Michaud, 1998). O FBI criou o National Center for the Analysis of Violent Crime (NCAVC) em 1985, formalizando seus esforços na área (McNamara & Morton, 2007).

Atualmente, a perfilagem criminal é uma área multidisciplinar que envolve profissionais de diversas áreas, como criminologia, psicologia, psiquiatria, medicina legal e investigação policial. A Academy of Behavioral Profiling (ABP) foi fundada em 1999 como a primeira organização profissional independente para aqueles que atuam ou estudam perfilagem, buscando estabelecer padrões de prática e diretrizes éticas (Turvey, 2000).

A história da perfilagem criminal é marcada por avanços científicos, mas também por preconceitos e erros. É fundamental que os profissionais da área estejam cientes dos aspectos históricos da perfilagem, a fim de evitar a repetição de práticas discriminatórias e garantir a aplicação ética e eficaz das técnicas baseadas em ciência.

O Libelo de Sangue: Uma História de Ódio e Perseguição

O libelo de sangue, também conhecido como acusação de assassinato ritual, é uma das mais antigas e persistentes formas de antissemitismo. Trata-se de uma falsa acusação que imputava aos judeus o sequestro, tortura e assassinato de crianças não-judias, especialmente cristãs, para utilizar seu sangue em rituais religiosos, como a preparação do pão ázimo para a Páscoa judaica (Pessach). Essa acusação, desprovida de qualquer fundamento fatual, serviu como pretexto para perseguições, pogroms e violência contra comunidades judaicas ao longo da história.

As origens do libelo de sangue remontam ao século XII, na Inglaterra. Em 1144, o corpo de um aprendiz de curtidor chamado William foi encontrado em Norwich, e monges locais alegaram que sua cabeça havia sido perfurada por uma coroa de espinhos, associando o crime aos judeus da cidade. Embora não houvesse evidências que corroborassem essa acusação, ela se espalhou rapidamente pela Europa, alimentada por um crescente sentimento antijudaico e pela busca por um bode expiatório para as dificuldades da época (Levinson, 2004).

A acusação de libelo de sangue se tornou um tema recorrente na iconografia medieval, com representações gráficas de judeus torturando e assassinando crianças cristãs. Essas imagens, amplamente divulgadas, contribuíram para a disseminação do ódio e da desconfiança em relação aos judeus, reforçando estereótipos negativos e justificando a violência.

Ao longo da história, inúmeros casos de libelo de sangue foram registrados em diferentes países. Alguns dos mais notórios incluem:

  • William de Norwich (1144): Considerado o primeiro caso documentado de libelo de sangue na Europa.

  • Harold de Gloucester (1168): Um menino de oito anos cujo corpo foi encontrado em Gloucester, Inglaterra, com acusações similares às de William de Norwich.

  • Simon de Trento (1475): Um menino de dois anos cujo desaparecimento e morte em Trento, Itália, foram atribuídos aos judeus locais, resultando em um julgamento e execução de membros da comunidade judaica.

  • Mendel Beilis (1911): Um judeu russo acusado do assassinato ritual de um menino em Kiev. O caso Beilis se tornou um símbolo da injustiça e do antissemitismo, com o réu sendo absolvido após um julgamento amplamente divulgado (Murav, 2000).

Embora o libelo de sangue seja uma acusação medieval, ele persiste até os dias atuais, especialmente em contextos de extremismo religioso e conflitos políticos. A acusação tem sido utilizada para justificar a violência contra judeus e para promover teorias da conspiração antissemitas.

Na era da internet, o libelo de sangue se dissemina rapidamente através de redes sociais e sites extremistas, alcançando um público global e perpetuando o ódio e a desinformação. É fundamental combater a disseminação do libelo de sangue e outras formas de antissemitismo através da educação, da conscientização e da promoção do diálogo intercultural.

Consequências e Impacto

O libelo de sangue teve consequências devastadoras para as comunidades judaicas ao longo da história. A acusação resultou em:

  • Perseguições e pogroms: Ataques violentos contra comunidades judaicas, com destruição de propriedades, agressões físicas e assassinatos.

  • Expulsões: Expulsão de judeus de cidades e países, forçando-os a abandonar seus lares e bens.

  • Julgamentos injustos e execuções: Condenação e execução de judeus com base em acusações falsas e sem provas.

  • Discriminação e marginalização: Reforço de estereótipos negativos e perpetuação da discriminação contra judeus em diferentes esferas da vida social.

O libelo de sangue é um exemplo trágico de como o ódio e a desinformação podem ser utilizados para justificar a violência e a perseguição contra grupos minoritários. É fundamental conhecer a história do libelo de sangue e outras formas de antissemitismo para combater o preconceito e promover a tolerância e o respeito à diversidade.

A Perfilagem das Bruxas no Malleus Maleficarum: Um Manual de Perseguição

O Malleus Maleficarum (“O Martelo das Bruxas”), publicado em 1486 pelos inquisidores dominicanos Heinrich Kramer e Jacob Sprenger, é um dos documentos mais infames da história da caça às bruxas. Mais do que um simples tratado teológico, o Malleus Maleficarum funcionava como um manual prático para identificar, acusar, julgar e punir mulheres (e, em menor grau, homens) acusadas de bruxaria. A obra detalha uma série de características, comportamentos e circunstâncias que, segundo seus autores, indicavam a presença de uma bruxa, servindo como um verdadeiro perfil criminal da época.

A Construção do Perfil da Bruxa:

O Malleus Maleficarum constrói um perfil da bruxa baseado em uma combinação de misoginia, superstição, interpretações distorcidas da Bíblia e relatos de casos (muitas vezes inventados ou exagerados). As bruxas são retratadas como seres essencialmente malignos, servis ao diabo e empenhadas em causar danos à sociedade.

Algumas das características e comportamentos que, segundo o Malleus Maleficarum, indicavam a presença de uma bruxa incluem:

    • Sexo Feminino: A obra associa a bruxaria à natureza feminina, argumentando que as mulheres são mais suscetíveis à tentação do diabo devido à sua suposta fraqueza moral e intelectual.

    • Idade Avançada: Mulheres idosas, especialmente viúvas, eram frequentemente consideradas suspeitas, pois sua solidão e vulnerabilidade as tornavam alvos fáceis para o diabo.

    • Marcas do Diabo: Acreditava-se que o diabo marcava suas servas com uma marca invisível, que podia ser encontrada em qualquer parte do corpo. A busca por essas marcas era uma prática comum durante os julgamentos de bruxaria.

    • Comportamento Incomum: Mulheres que exibiam comportamentos considerados desviantes ou desafiadores, como questionar a autoridade religiosa, praticar curas com ervas ou ter uma personalidade forte e independente, eram frequentemente acusadas de bruxaria.

    • Relação com Animais: A posse de animais de estimação, especialmente gatos, era vista como um sinal de pacto com o diabo, pois acreditava-se que as bruxas podiam se transformar em animais ou utilizar animais como familiares.

    • Problemas de Saúde: Doenças inexplicáveis, tanto em humanos quanto em animais, eram frequentemente atribuídas à bruxaria. Acreditava-se que as bruxas podiam causar doenças, pragas e outros males através de feitiços e maldições.

    • Confissões: A obtenção de confissões, muitas vezes através de tortura, era considerada a prova definitiva de bruxaria. As confissões eram frequentemente detalhadas e fantasiosas, descrevendo encontros com o diabo, voos em vassouras e participação em orgias satânicas.

A Utilização do Perfil na Perseguição:

O perfil da bruxa delineado no Malleus Maleficarum serviu como um guia para os inquisidores e juízes, auxiliando-os na identificação de suspeitas e na condução dos julgamentos. A obra legitimava a utilização de métodos questionáveis, como a tortura, para obter confissões e condenar as acusadas.

A simples presença de algumas das características descritas no Malleus Maleficarum era suficiente para levantar suspeitas e iniciar um processo de acusação. A obra criava um ciclo vicioso, em que a suspeita gerava a investigação, a investigação gerava a tortura e a tortura gerava a confissão, culminando na condenação e execução da acusada.

Críticas e Legado:

O Malleus Maleficarum é amplamente criticado por sua misoginia, superstição e apologia à violência. A obra contribuiu para a perseguição e morte de milhares de pessoas, principalmente mulheres, durante a caça às bruxas na Europa.

Apesar de sua natureza nefasta, o Malleus Maleficarum é um documento importante para a compreensão da história da caça às bruxas e da construção de estereótipos negativos sobre as mulheres. A obra revela os mecanismos de poder e controle social que foram utilizados para oprimir e marginalizar grupos minoritários, e serve como um alerta sobre os perigos do preconceito e da intolerância.

Perfil Criminal e Avaliações Forenses: Quando Ambos os Procedimentos se Mesclam?

O perfil criminal e as avaliações forenses são disciplinas distintas, mas complementares, dentro do sistema de justiça criminal. Enquanto o perfil criminal visa a inferir as características de um criminoso desconhecido com base em evidências da cena do crime e de outros achados investigatórios, as avaliações forenses geralmente envolvem a avaliação de indivíduos conhecidos para fins legais, como competência para ser julgado ou capacidade de culpa. No entanto, existem cenários em que esses procedimentos se cruzam, criando uma sobreposição sutil que aprimora os processos investigativos e adjudicativos. Aqui, exploramos a convergência de perfis criminais e avaliações forenses, destacando suas sinergias e considerações éticas.

O perfil criminal, conforme definido por McGrath (2000), é um serviço consultivo projetado para auxiliar as investigações policiais, deduzindo traços do infrator a partir do comportamento na cena do crime, vitimologia e demais evidências forenses. Ele opera principalmente na fase investigativa, oferecendo informações sobre os prováveis dados demográficos, traços psicológicos ou padrões comportamentais de um perpetrador não identificado. Em contraste, as avaliações forenses, conduzidas por psiquiatras e psicólogos, concentram-se no diagnóstico de condições de saúde mental, avaliação de risco e determinação da sanidade mental em indivíduos conhecidos (American Psychiatric Association, 2013). Apesar dos seus escopos diferentes, ambas as disciplinas compartilham uma base na ciência comportamental e muitas vezes dependem de metodologias semelhantes, como a análise de padrões de comportamento ou a interpretação de motivações criminais.

A interseção desses campos torna-se evidente em casos envolvendo infratores em série ou comportamentos criminosos complexos. Por exemplo, um psiquiatra forense pode ser chamado para revisar um perfil criminal para avaliar seu alinhamento com distúrbios psicológicos conhecidos, refinando assim as estratégias de investigação (Douglas et al., 1986). Por outro lado, as técnicas de criação de perfis podem informar as avaliações forenses, fornecendo contexto sobre o modus operandi ou os comportamentos característicos de um infrator, o que pode ser relevante para a compreensão do seu estado mental ou intenção (Turvey, 1999). Essa troca bidirecional ressalta o potencial de colaboração entre os criadores de perfis e os especialistas forenses.

Uma área em que ambos os procedimentos se fundem é na avaliação de “comportamentos de assinatura” – ações repetitivas e ritualísticas que vão além das necessidades de cometer um crime (Keppel, 1995). Um psiquiatra forense pode analisar esses comportamentos para diagnosticar parafilias ou outras psicopatologias, enquanto um criador de perfis pode usar os mesmos dados para vincular crimes ou prever ações futuras. Por exemplo, o caso do “Mad Bomber” (Bruxelas, 1968) demonstrou como os insights psiquiátricos sobre traços obsessivo-compulsivos poderiam refinar um perfil, levando à apreensão do infrator. Essas colaborações destacam o valor de integrar a experiência clínica com técnicas investigativas.

Considerações éticas, no entanto, surgem quando esses papéis se confundem. McGrath (2000) adverte que os psiquiatras forenses envolvidos na criação de perfis devem evitar participar posteriormente da avaliação do mesmo caso para manter a objetividade. Da mesma forma, a confiabilidade dos métodos indutivos de perfil – que generalizam a partir de dados estatísticos – tem sido questionada (Homant & Kennedy, 1998), enfatizando a necessidade de abordagens dedutivas e baseadas em evidências que se alinhem com os padrões forenses. A falta de validação empírica para algumas técnicas de criação de perfis complica ainda mais seu uso em tribunal, onde as avaliações forenses devem atender a critérios rigorosos de admissibilidade (Daubert v. Merrell Dow Pharmaceuticals, 1993).

De fato, o perfil criminal e as avaliações forenses se cruzam de forma mais significativa nos casos que requerem uma síntese de análise comportamental e avaliação clínica. Sua colaboração pode aprimorar as investigações e informar as decisões legais, desde que os limites sejam mantidos para manter o rigor ético e científico. Pesquisas futuras devem se concentrar na validação de metodologias de criação de perfis e no estabelecimento de diretrizes claras para a cooperação interdisciplinar, garantindo que ambos os campos contribuam efetivamente para a justiça.

Palavras Finais

De fato, as disciplinas da psiquiatria e da psicologia forense são indispensáveis para a elaboração de perfis criminais precisos e cientificamente embasados. A abordagem integrada, combinando conhecimentos clínicos e legais, permite uma análise mais profunda dos fatores psicológicos envolvidos em crimes, contribuindo para investigações mais eficazes e justiça mais equitativa. No entanto, é essencial que os profissionais dessa área mantenham um pensamento crítico, independência analítica, respeito ao papel investido e adesão rigorosa a padrões éticos para evitar conclusões enviesadas ou infundadas.

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