“C. tinha 45 anos quando foi encaminhado para uma consulta psiquiátrica em liberdade condicional, após a sua segunda prisão por se esfregar em mulheres no metrô. De acordo com C., ele tinha um “bom” relacionamento sexual com a sua esposa, quando ele começou a tocar em mulheres no metrô há aproximadamente 10 anos. Um episódio típico começaria com a sua decisão de entrar no metrô para se esfregar em uma mulher, geralmente na casa dos vinte anos. Ele selecionaria a mulher ao entrar na estação de metrô, mudar-se-ia atrás dela e esperaria o trem chegar à estação. Ele sempre usava um preservativo no seu pênis com o objetivo de não manchar as suas calças depois de ejacular enquanto se esfregava contra a sua vítima eleita. À medida que os passageiros entravam no vagão, ele seguia a mulher que havia selecionado. Quando as portas se fechavam, ele começava a empurrar o pênis contra as nádegas dela, fantasiando que estavam tendo relações sexuais de maneira normal e não coercitiva. Em cerca de metade dos episódios, ele ejaculava e depois dirigia-se ao seu trabalho. Se ele não conseguisse ejacular quando estava se esfregando, ele desistiria naquele dia ou mudaria de estação para selecionar uma outra vítima. De acordo com C., ele se sentia culpado imediatamente após cada episódio, mas logo ficava ruminando sobre isso e antecipando um próximo encontro. Ele estimou que ele tinha feito isso cerca de duas vezes por semana durante os últimos 10 anos e, portanto, provavelmente se esfregou contra aproximadamente mil mulheres. Durante a entrevista médica, C. expressou extrema culpa pelo seu comportamento e, muitas vezes, chorava ao falar sobre o medo de que sua esposa ou empregador descobrisse sobre a razão da sua segunda prisão. No entanto, ele aparentemente nunca havia pensado sobre como as suas vítimas se sentiam em relação ao que ele fez com elas. Sua história pessoal não indicava nenhum problema mental óbvio, além de ser bastante inapto socialmente e pouco assertivo, especialmente com mulheres” (Spitzer et al., 2002).
O termo “Frotteurismo” deriva do francês “frotteurisme“, que se refere a uma parafilia na qual uma pessoa obtém prazer sexual ao esfregar-se contra uma outra pessoa, geralmente em locais públicos e lotados, sem o consentimento da outra parte.
A palavra “frotteur” significa “esfregador” ou “aquele que esfrega” e tem a sua origem etimológica do latim “frictare” que significa friccionar ou esfregar. O “eur” é um sufixo francês usado para indicar uma pessoa que realiza a ação.
O Frotteurismo foi reconhecido pela primeira vez como um transtorno mental específico pelo Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais, Terceira Edição, Revisada (DSM-III-R), em 1987. Atualmente, a Quinta Edição (DSM-5-TR) define o Transtorno Frotteurístico como estando presente se ambas as seguintes condições são atendidas (APA, 2022):
- Durante um período de pelo menos 6 meses, sintomas recorrentes e intensos de excitação sexual por tocar ou esfregar-se contra uma pessoa sem consentimento, conforme manifestado por fantasias, impulsos ou comportamentos, e
- O indivíduo agiu de acordo com esses impulsos sexuais com uma pessoa que não consentiu, ou os impulsos, fantasias e/ou comportamentos sexuais causam sofrimento ou prejuízo clinicamente significativo nas áreas social, ocupacional ou outras áreas importantes de funcionamento.
Alguns pesquisadores distinguem Frotteurismo de Toucherismo. No Frotteurismo, o portador esfrega os seus órgãos genitais contra uma pessoa que não consente; já no Toucherismo, o portador acaricia uma pessoa desconhecida, sem o seu consentimento e geralmente por trás (McAnulty, Adams e Dillon, 2001). Os atuais sistemas de diagnósticos (Classificação Internacional de Doenças – CID e Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais – DSM) não fazem tal distinção nem tampouco parecem apoiá-la.
Dar mais atenção ao problema do Frotteurismo é essencial, levando em consideração as possíveis consequências legais do ato bem como o teor francamente desviado do comportamento sexual (Johnson, Ostermeyer, Sikes, Nelsen, & Coverdale, 2014).
Apesar da gravidade dessa parafilia, os atos frotteurísticos foram histórica e inicialmente considerados apenas como “comportamentos incômodos” em oposição às ofensas sexuais severas (por exemplo, ofensas sexuais contra crianças, intercurso sexual coercivo contra adultos etc) e, consequentemente, receberam relativamente pouca atenção empírica.
TAXAS DE PREVALÊNCIA: 7% DOS HOMENS E 1.000 VÍTIMAS POR FROTTEUR?
O Frotteurismo, como uma parafilia, não é amplamente estudado em comparação com outras condições médico-psiquiátricas, mas algumas pesquisas e literatura estabelecem sua prevalência. Embora os dados alterem bastante, algumas estimativas apontam que o Frotteurismo pode afetar cerca de 3-10% dos homens na população geral. Além disso, muitos relatos de Frotteurismo ocorrem em contextos de multidão, como no transporte público.
De fato, a maior parte do que nós sabemos sobre o Frotteurismo é baseada em pesquisas de autorrelato daqueles que se envolvem nestes atos, particularmente com base em estudos de casos únicos de amostras clínicas ou forenses. No entanto, existem algumas pesquisas comunitárias que revelam taxa de prevalência de cerca de 7,8% entre homens (Dominguez, Jeglic, Calkins, & Kaylor, 2024; Joyal & Carpentier, 2017). Seto et al. (2021) relataram taxas de pessoas envolvidas em comportamentos frotteurísticos ao redor de 8,2%. Contudo, é importante notar que o uso de diferentes definições pelos pesquisadores pode explicar parcialmente essa variabilidade nas taxas de prevalência. Por exemplo, Seto et al. (2021) usaram uma definição de “tocar ou esfregar-se contra uma pessoa que não consentiu”, enquanto outros, como Joyal e Carpentier (2017), usaram uma definição mais ampla que pode ser aplicada a mais cenários e comportamentos mais frequentes: “ficar excitado sexualmente ao tocar ou esfregar-se contra um estranho”.
Um outro desafio em estimar as taxas de prevalência dos comportamentos frotteurísticos é saber ao certo qual é o número de vítimas de cada indivíduo com Frotteurismo (Bhugra, Popelyuk, & McMullen, 2010). Os perpetradores individualmente podem ter múltiplas vítimas ao longo da vida; por exemplo, em um estudo de indivíduos não encarcerados condenados por crimes sexuais, Abel et al. (1988) descobriram que aqueles que relataram envolvimento em atos frotteurísticos confirmaram uma média de 901 vítimas ao longo da vida. Dado o elevado número de vítimas por perpetrador e a baixa incidência de denúncias oficiais, talvez uma outra forma de investigação de prevalência possa ser angariada por meio da avaliação da frequência da ocorrência de tais atos criminosos através do autorrelato das vítimas.
Em uma pesquisa envolvendo estudantes universitários (N = 459), cerca de 24% das mulheres e 7% dos homens tinham já sido vítimas de um ato de Frotteurismo. Apesar disso, menos do que 5% dos casos foram reportados à polícia especializada (Clark, Jeglic, Calkins, & Tatar, 2016). Aquelas que relatam a vitimização são geralmente jovens, com idade média de 18 anos.
FROTTEURISMO: UM COMPORTAMENTO ESCONDIDO NA MULTIDÃO
Os atos frotteurísticos também geralmente envolvem uma vítima inocente que é desconhecida do perpetrador. Como os atos frotteurísticos exigem contato físico, eles normalmente ocorrem em áreas lotadas, como shopping centers, eventos públicos, casas noturnas, elevadores ou no transporte público. Esses locais geralmente envolvem contato próximo com outras pessoas, reduzindo assim as chances de detecção e apreensão pois os atos podem facilmente passar despercebidos. Da mesma forma, os perpetradores podem ser capazes de “esconder” o comportamento afirmando que o contato foi acidental ou mesmo não intencional (Patra et al., 2013).
FROTTEURS: RACIONALIZANDO OU DANDO DESCULPAS?
Como outros homens com outras parafilias, os frotteurs tendem a racionalizar (ou dar desculpas por) seu comportamento. Como dizem alguns infratores: “Mulheres atraentes deveriam esperar ser apalpadas nos trens” ou “Quando há tantas mulheres atraentes na cidade e no metrô, elas não sabem que isso vai acontecer?” Muitos homens com Frotteurismo aparentemente insistem que eles nunca fariam mal a uma mulher e não são violentos, minimizando assim o impacto sobre as suas vítimas.
Na minha prática clínica diuturna, é comum ouvir “Ela queria, ela aceitou”, ou “Elas gostam de ser admiradas e acariciadas. Não reagiram. Isso significa que elas gostaram.”
DIMENSÕES A SER AVALIADAS A PARTIR DA HISTÓRIA DE C
(CASO SUPRACITADO)
O caso de C. permite explorar a complexidade das suas ações e os conflitos internos que ele enfrenta, examinando não apenas o seu comportamento, mas também as suas motivações, sentimentos e interações sociais.
A escolha das vítimas, mulheres jovens, e a maneira como ele se aproveita da situação no metrô revelam uma dinâmica de poder brutal. O ato de “se esfregar” é desumanizador, transformando mulheres em objetos para a satisfação de sua concupiscência. Outrossim, o texto indica que C. não se importa com as experiências e as perspectivas das suas vítimas, o que poderia traduzir a violência de gênero presente na narrativa. A omissão dessas perspectivas faz com que a história de C. seja um reflexo da masculinidade tóxica e das consequências de um comportamento sexual predatório.
Na análise dramática das atividades desse indivíduo, promove-se a compreensão através da representação e da interação, e podem ser vistas de várias maneiras neste caso.
1. Personagens e Relacionamentos
C. é o protagonista desta história, cujas ações impactam várias “personagens” em sua narrativa, incluindo suas vítimas, sua esposa e o próprio C. Ele estabelece um relacionamento duplo: ao mesmo tempo em que se sente conectado à sua esposa, ele busca gratificação sexual de formas que são prejudiciais e não consensuais. Sua incapacidade de se conectar de forma saudável com mulheres reflete uma falta de habilidades sociais e uma dificuldade em estabelecer intimidade.
2. Culpa e Fantasia
C. expressa uma intensa culpa após cada ato, mas essa culpa parece ser mais ligada ao medo da descoberta das suas ações do que uma verdadeira consideração pelo sofrimento que inflige às suas vítimas. A entrevista especializada poderia explorar essa dualidade entre a culpa e a autojustificação, revelando como ele transforma sua experiência sexual em uma fantasia que o distancia da realidade do consentimento e da empatia.
3. O Ciclo de Comportamento
A repetição dos episódios de esfregar-se no metrô ilustra um padrão compulsivo. A entrevista pode focar em como esse comportamento serve como uma tentativa de resolver conflitos internos ou necessidades não atendidas, como a busca por domínio, controle, ou validação sexual. A mudança de estação de metrô e a escolha por novas vítimas podem representar uma busca por renovação e excitação, mas também indicam sua incapacidade de romper com esse ciclo vicioso.
4. Problemas de Empatia
Embora C. demonstre culpa em relação às suas consequências sociais, demonstrando preocupação com sua esposa e seu emprego, ele carece de empatia em relação às suas vítimas. Isso sugere uma desconexão emocional que poderia ser explorada no tratamento, permitindo a C. vivenciar não apenas seus próprios sentimentos, mas também imaginar e sentir a dor e o desconforto das mulheres que ele agrediu.
5. A Busca por Intimidade
Sua história pode apontar para uma necessidade de intimidade e conexão que nunca foi plenamente atendida, levando-o a buscar formas distorcidas de expressar a sua sexualidade. Uma representação dramatizada poderia ajudá-lo a entender como suas ações estão longe de proporcionar a intimidade que ele busca e a necessidade de explorar outras formas de conexão que sejam saudáveis e consensuais.
6. Resolução e Transformação
Finalmente, a entrevista poderia focar na possibilidade de mudança e na construção de um novo sentido de identidade para C. Através da dramatização de seus desejos, angústias e conflitos, C. poderia encontrar formas de expressar sua sexualidade que sejam respeitosas e consensuais, promovendo um entendimento mais profundo de si mesmo e das relações interpessoais saudáveis.
7. Objetivos
Através de uma boa entrevista médica e do tratamento, é possível explorar a complexidade emocional e comportamental de C., ajudando-o a confrontar suas ações, seus sentimentos de culpa, sua falta de empatia e sua busca por conexão. Esse processo de dramatização e reflexão pode ser fundamental para uma eventual mudança e para o desenvolvimento de habilidades sociais mais saudáveis.
Referências Abel, G. G., Becker, J. V., Cunningham-Rathner, J., Mittelman, M., & Rouleau, J. L. (1988). Multiple paraphilic diagnoses among sex offenders. Bull Am Acad Psychiatry Law, 16(2), 153-168. American Psychiatric Association (APA). (2022). DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS- FIFTH EDITION (DSM-5-TR). Washington: American Psychiatric Association Publishing. Bhugra, D., Popelyuk, D., & McMullen, I. (2010). Paraphilias across cultures: contexts and controversies. J Sex Res, 47(2), 242-256. Clark, S. K., Jeglic, E. L., Calkins, C., & Tatar, J. R. (2016). More Than a Nuisance: The Prevalence and Consequences of Frotteurism and Exhibitionism. Sex Abuse, 28(1), 3-19. Dominguez, S. F., Jeglic, E. L., Calkins, C., & Kaylor, L. (2024). Frotteurism and exhibitionism: an updated examination of their prevalence, impact on victims, and frequency of reporting. J Sex Aggression, 10.1080/13552600.2024.2352403. Johnson, R. S., Ostermeyer, B., Sikes, K. A., Nelsen, A. J., & Coverdale, J. H. (2014). Prevalence and treatment of frotteurism in the community: a systematic review. J Am Acad Psychiatry Law, 42(4), 478-483. Joyal, C. C., & Carpentier, J. (2017). The Prevalence of Paraphilic Interests and Behaviors in the General Population: A Provincial Survey. J Sex Res, 54(2), 161-171. McAnulty, R.D., Adams, H.E., Dillon, J. (2001). Sexual deviation: Paraphilias. In P.B. Sutker & H.E. Adams (Eds.), Comprehensive handbook of psychopathology (3rd ed.,pp. 749– 773). New York: Kuwer Academic/ Plenum. Patra, A. P., Bharadwaj, B., Shaha, K. K., Das, S., Rayamane, A. P., & Tripathi, C. S. (2013). Impulsive frotteurism: a case report. Med Sci Law, 53(4), 235-238. Seto, M. C., Curry, S., Dawson, S. J., Bradford, J. M. W., & Chivers, M. L. (2021). Concordance of Paraphilic Interests and Behaviors. J Sex Res, 58(4), 424-437. Spitzer, R.L., Gibbon, M., Skodol, A.E., Williams, J.B.W., First, M.B. (Eds.) (2002). DSM- IV- TR casebook: A learning companion to the diagnostic and statistical manual of mental disorders (4th ed. text rev.). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.