O Mapa do Amor Vandalizado nas Parafilias: Dentro do Modelo de John Money – Parte II

O termo “parafilia” é derivado do grego (para = alterado; philia = amor além do normal). Parafílias são fantasias, pensamentos e/ou comportamentos/práticas sexuais intensos e recorrentes que envolvem:

    1. Menores de idade e/ou pessoas incapazes de prover consentimento para a prática do sexo;
    2. Objetos inanimados ou parte do corpo;
    3. Humilhação/degradação do parceiro sexual e/ou ser humilhado/degradado pelo parceiro sexual.

Os Transtornos Parafílicos têm duração mínima de seis meses e podem causar danos e/ou prejuízos clínicos significativos para aqueles que sofrem com eles.

A condição parafílica pode ser encontrada em homens e mulheres, com uma grande predominância entre os homens. Em geral, sentem-se dependentes de um estímulo incomum que, pessoalmente ou socialmente, é inaceitável, mas que, na imaginação e no imaginário da fantasia, é indispensável para a iniciação e manutenção da excitação sexual/erótica e para a facilitação ou obtenção do orgasmo. É crucial salientar que as imagens parafílicas não se limitam apenas à masturbação, mas também durante a relação sexual com um parceiro.

Algumas, mas não todas, parafilias são criminalizadas quando as práticas sexuais são levadas a cabo (por exemplo, Pedofilia, Frotteurismo e Exibicionismo).

Evidências têm demonstrado que os Transtornos Parafílicos são Transtornos do Neurodesenvolvimento. Apesar de serem muito comumente considerados problemas de adultos, as manifestações dos desejos sexuais parafílicos são percebidas bem mais cedo, o que mostra a natureza neurodesenvolvimental do problema.

Como já foi mencionado em um artigo anterior neste site, o mapa do amor é uma representação ou modelo de desenvolvimento sincronizado no cérebro que representa o amante ideal, o caso de amor idealizado, e o programa ideal de atividade sexuoerótica projetada em imagens ou efetivamente engajada com o parceiro.

O mapa do amor é sempre codificado por gênero como masculino, feminino ou, até certo ponto, andrógino. O mapa amoroso, no princípio, pode ser heterofílico, homofílico ou bissexual.  Geralmente, é bastante específico quanto a detalhes da fisionomia, construção, raça, cor e comportamento do amante ideal. Como a língua nativa, o mapa amoroso de uma pessoa, como o rosto, as impressões digitais ou o sotaque, traz a marca de sua individualidade única.

A diversidade sexuoerótica humana codificada no mapa do amor é comparável, por analogia, às variedades da língua nativa. Ambos exigem o desenvolvimento preparatório na vida embrionária e fetal de um cérebro saudável.  A codificação e configuração minuciosas de um mapa da língua nativa, um mapa de gênero e um mapa do amor são mediadas e contingentes pela entrada informacional no ambiente social por meio dos sentidos, em geral os auditivos e visuais.

A entrada no desenvolvimento do mapa amoroso ocorre desde o primeiro pareamento com a mãe ou cuidador, possivelmente sob a governança do hormônio ocitocina. Na idade adulta, a codificação do mapa do amor no cérebro é completa e relativamente imutável.  Um mapa do amor, uma vez que se formou, é extremamente resistente à mudança.

O desenvolvimento do mapa do amor é multivariado e sequencial desde a concepção, quando o código genético é estabelecido, passando pela infância, pré-puberdade e adolescência até a idade adulta.  O desenvolvimento começa com a diferenciação do que se tornará o mapa de gênero, que eventualmente incluirá o mapa do amor como um de seus componentes.  A gênese do mapa de amor é atualmente entendida apenas em termos de sequências temporais, não sequências causais.  O desenvolvimento do mapa de amor como normofílico, hipofílico, hiperfílico ou parafílico, é concomitante com o desenvolvimento do mapa de gênero como masculino ou feminino.  Hipofilia significa insuficiência problemática ou incompletude da excitação sexuoerótica e da função genital, até o orgasmo, inclusive. A hiperfilia significa um excesso de excitação sexuoerótica e função genital em duração ou frequência.  A hiperfilia também é uma característica secundária de muitas das síndromes parafílicas.

Não há evidências de que a parafilia seja pré-formada ou pronta no cérebro mental ao nascer, exceto talvez como uma predisposição.  Quando o mapa amoroso se desenvolve para não ser normofílico, ele pode então ser considerado como tendo sido manchado, falho ou danificado.  Foi então chamado de mapa do amor vandalizado.  Uma parafilia é a expressão de um mapa do amor vandalizado, cujos detalhes são o resultado de deslocamentos, exclusões ou inclusões de elementos sexuoeróticos na codificação do desenvolvimento do mapa do amor desde a infância até a pré-puberdade e mais tarde.  A má codificação, também conhecida como vandalização do mapa do amor, é um meio de obter o “triunfo da tragédia”, ou seja, a salvação do prazer carnal da tragédia da extinção ou ameaça de extinção causada pelo trauma sexuoerótico. O estratagema infelizmente funciona desassociando a luxúria carnal do amor afetivo.

Por exemplo, no desenvolvimento sexual da infância, experiências sexuais precoces podem gerar monstros indizíveis que, sendo indizíveis, são extremamente traumatizantes, em muitos casos mais do que a ocorrência real que “deve” ser mantida em silêncio. Quanto mais severas forem as punições sociais contra o que uma criança sabe sexuoeroticamente, maior o poder do monstro indizível, como no caso do incesto, por exemplo. Para uma menina de onze anos que se torna amante do pai, os dilemas monstruosos podem ser:

    1. Contar para a mãe, a qual poderá chamar a filha de mentirosa, ou
    2. Contar às autoridades e ter a família dilacerada, ou
    3. Não contar para qualquer pessoa e suportar o incesto, dentro de uma “síndrome do silêncio”.

As penas e penitências que o mundo adulto impõe às crianças por estarem presas em um contexto sexual indesejável são a manifestação mais perversa do abuso e da negligência sexual infantil, e a principal fonte de vilipêndio no mapa amoroso.

Não se sabe o suficiente sobre a concatenação de fatores que entram no desenvolvimento de um mapa do amor parafilicamente vandalizado para fazer previsões diagnósticas sobre qual menino ou menina, se exposto às experiências de vandalismo semelhantes, emergirá ou não com uma parafilia.  Não existem testes diagnósticos eficazes.  Dessa forma, deve-se sempre considerar como um fator de vulnerabilidade e de risco.

A teoria do processo adversário sustenta que, quando se revela uma situação sexual inadequada, o resultado é que o que era negativo se transforma em positivo e apetitivo. Em outras palavras, a aversão se transforma em vício, uma vez que se repete de forma contínua aquilo que antes era proibido e punido, por mais perigoso ou sabotador que seja.O desenvolvimento de um mapa do amor parafílico revela que, antes, o que era horripilante e impensável, agora é estimulante.

A parafilia é a fixação na ritualização para atingir o prazer sexual. A persistência é uma característica essencial da fórmula que transforma um mapa amoroso normofílico em um parafílico: o triunfo é removido da garganta da tragédia e o prazer sexual é mantido, mas com a perda do afeto.

Outro exemplo: por mais paradoxal que pareça, o castigo corporal pode afetar os genitais e suas sensações. Nos meninos a evidência é visível, pois eles têm uma ereção de pânico. A melhor explicação para essa reação é em termos de uma excitação do sistema nervoso autônomo que generaliza a resposta à lesão corporal de nociva para sexuoerótica.

A dor aversiva torna-se o prazer viciante. O prazer sexual reconcilia-se com a mágoa e a humilhação pela paradoxal erotização do sofrimento no êxtase do masoquismo orgástico. É característico da parafilia que o parceiro amoroso afetivo e o parceiro do prazer carnal não sejam os mesmos indivíduos.

Como acontece com qualquer lesão, um mapa de amor vandalizado tenta se curar e se manter sexuoeroticamente.  No entanto, no processo, torna-se enviesado e disforme. Algumas das características sexuoeróticas do mapa do amor tornam-se omitidas, algumas se deslocam e outras são substituídas por substitutos que de outra forma não seriam incluídos. Considerando estes mecanismos, teríamos o seguinte esquema:

    1. A omissão de características sexuoeróticas mais provavelmente transformaria um mapa amoroso comum em um mapa de amor hipofílico
    2. Os Deslocamentos e as Inclusões de características sexuoeróticas mais frequentemente o transformam em um mapa amoroso parafílico ou hiperfílico, às vezes concomitantemente.

A transformação parafílica parece, no momento, ser uma saída satisfatória.  Ela desloca o prazer de seu lugar ao lado do afeto no mapa amoroso e a realoca.  No entanto, a longo prazo, esta deslocalização revela-se um compromisso demasiado custoso. Em um mapa amoroso parafílico, o prazer sexual está ligado às fantasias e práticas que são proibidas, reprovadas, ridicularizadas ou penalizadas, no caso extremo com a pena de prisão.

Todos esses processos de deslocamento do prazer carnal e realocação são denominados de “estratagemas” por John Money. Isso significa que as mais de quarenta parafilias nomeadas são categorizadas sob sete grandes estratagemas.  O termo estratagema é usado, em vez de estratégia, porque um estratagema tem a qualidade de um ardil ou artimanha. “Engana e contorna os inimigos do prazer carnal, independentemente dos custos”. A taxonomia dos estratagemas delineia o que pode acontecer com os seres humanos como espécie, de modo que o resultado é um mapa do amor parafílico.  A taxonomia, no entanto, não delineia a ontogênese pessoal da formação do mapa do amor parafílico. A questão não é de natureza versus criação, mas de natureza e nutrição convergindo e interagindo em um período crítico de desenvolvimento e deixando sequelas persistentes ou imutáveis no mapa amoroso.

Como mencionado algumas vezes nos artigos sobre sexualidade parafílica neste site, é importante o conhecimento de várias teorias a respeito de uma das minhas áreas de atuação: as Parafilias. Nenhuma teoria consegue, sozinha, explicar completa e fielmente a gênese e o desenvolvimento de tão complexas e muitas vezes lesivas condições médicas. Diante disso, é importante destacar que as teorias podem se complementar e, com certeza, a partir do conhecimento das principais, podemos oferecer uma proposta terapêutica mais abrangente e consistente para cada uma delas.

A esse texto, seguirá outro a respeito de quais são esses “estratagemas” então cunhados por John Money. Devemos repisar aqui que tais “estratagemas” ou artimanhas tentariam driblar o vilipêndio no desenvolvimento saudável do mapa do amor.

Referência

Money, J.; Pranzarone, G.F. (1993). Development of Paraphilia in Childhood and Adolescence. Child and Adolescent Psychiatric Clinics of North America: Sexual and Gender Identity Disorders, 2 (3): 463-475.

 

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