“Estrangulava-me na frente de um espelho inclinado, usando uma meia-calça de náilon. Eu costumava usar um par apertado de biquíni masculino 100% náilon ou uma calcinha transparente e o tempo todo eu fantasiava que um assassino me estrangulava. Algumas das vezes em que eu me estrangulava com aquelas meias, lutei como um louco diante de um espelho apontado para minhas nádegas e minhas coxas. Depois que eu engasgava a ponto da tontura ser demais para mim, rasgava a meia-calça, caía no chão como se eu estivesse morto, e, imediatamente, masturbava-me até chegar ao clímax em um inimaginável orgasmo” (Money, Wainwright, & Hingsburger, 1991)
O relato confessional acima é habilmente construído para oferecer ao leitor um vislumbre do que a Medicina denomina como Autoasfixiofilia. Nesse trecho, o protagonista descreve como ele começou o auto estrangulamento desde os seus dezesseis anos, acompanhado por diferentes fantasias de morte, consideradas excitantes sexualmente para ele.
A Asfixiofilia ou também conhecida como Asfixia Erótica consiste na diminuição intencionalmente provocada na oxigenação cerebral com o objetivo da indução da excitação sexual e/ou do recrudescimento da sensação de orgasmo. Esse comportamento sexual pode ser praticado de forma solitária, durante as masturbações e/ou mesmo durante alguma relação sexual com parceiros. O termo Asfixia Autoerótica é usado quando o ato é praticado por uma pessoa consigo mesma, ou seja, sozinha (Aggrawal, 2009).
Quando se provoca a redução voluntária da oxigenação cerebral, notadamente com a intenção de atingir um clímax sexual, deve-se levar em consideração pelo menos duas ocorrências:
- Uma diminuição da oxigenação e um aumento da retenção de dióxido de carbono produzindo sensações de tontura e de inquietação, as quais podem aumentar a resposta sexual (semelhantes condições foram já reportadas por mergulhadores de águas profundas que relataram tonturas e sensação de “euforia” devido ao aumento da retenção de dióxido de carbono)
- Asfixia parcial, possivelmente provocando aumento da excitação do sistema nervoso simpático (noradrenérgico) que, por sua vez, aumenta o prazer orgástico. Embora a ereção masculina esteja associada com a excitação do sistema nervoso parassimpático (colinérgico), acredita-se que o orgasmo esteja sob o controle simpático. Tanto entre homens quanto entre mulheres, a ereção e o orgasmo são mediados de forma semelhante pelo Sistema Nervoso Autônomo.
A hipóxia cerebral é mais comumente produzida por engenhocas complexas que levam ao “enforcamento parcial” (que pode ser uma variante da ‘ligação por suspensão’), mas também pode ser produzida de outras maneiras, como colocar sacolas plásticas ou máscaras no rosto, compressão torácica, submersão em água, inalação de produtos químicos como nitrito volátil, óxido nitroso, cocaína, cetamina, clorofórmio, propano ou uma combinação destes métodos. A morte não é pretendida pela vítima, mas pode ocorrer acidentalmente quando os mecanismos de segurança falham ou quando há uma intoxicação pelas substâncias putativamente inaladas. Às vezes, o sujeito vai a extremos na escolha das engenhocas usadas.
A Asfixiofilia enquanto uma atividade sexual na qual a excitação sexual erótica e a facilitação ou obtenção do orgasmo respondem e dependem do estrangulamento, da sufocação, do enforcamento, de substâncias psicoativas, dentre outras parafernálias, não inclui a perda da consciência. Quando o ritual é autoerótico, ou seja, desempenhado pela pessoa sem a presença de terceiros (parceiros sexuais), a falha em uma fração de segundo ao soltar o nó do laço ou a mordaça na deflagração do orgasmo pode resultar no desenlace trágico. Eventualmente, as atividades autoasfixiofílicas são realizadas como rituais. Seja na frente de um espelho, puxando a corda em volta do pescoço, o asfixiofílico metamorfoseia-se elaborando diferentes fantasias sexualmente excitantes e assumindo papeis imaginários pouco convencionais, porém extremamente instigantes (Money et al., 1991).
Autores têm considerado que a Asfixiofilia é uma forma de Masoquismo Sexual, tanto que a Asfixia Autoerótica no DSM-5-TR (Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais – Associação Psiquiátrica Americana) (APA, 2022), é incluída como um especificador do “Masoquismo Sexual”. Em linha com esse manual diagnóstico, “os indivíduos reportando interesse sexual em Asfixiofilia parecem experimentar mais sofrimento sexual e desajustamento psicossocial do que a população geral. Indivíduos envolvidos em comportamentos masoquistas estão em risco de morte acidental durante a prática de Asfixiofilia ou de outros procedimentos autoeróticos”.
No entanto, alguns praticantes da Asfixia Autoerótica podem não consistir em um exemplo verdadeiro de masoquismo sexual. Muitos não pedem para ser humilhados ou desdenhados durante os atos asfixiofílicos; outrossim, não é incomum que essas pessoas procurem de forma ativa evitar a dor e o sofrimento (por exemplo, inserindo um almofadado entre o laço/corda e o pescoço) (Aggrawal, 2009). De qualquer maneira, durante as práticas autoasfixiofílicas, muitas das fantasias sexuais e do imaginário erótico resvalam para o terreno da submissão, da coerção e da intoxicação.
Dentre todas os construtos de comportamentos sexuais erigidos pelas disciplinas médicas, a Asfixiofilia parece ser a mais extrema em termos de rejeição da sexualidade reprodutiva e da suposição de uma conexão natural entre o prazer sexual e a celebração da vida (Downing & Nobus, 2004).
A Asfixiofilia tem sido difícil de documentar, uma vez que é perpetrada principalmente em segredo e/ou na solidão e geralmente não é descoberta até que o praticante seja encontrado morto. Infelizmente, a maior parte das informações sobre Asfixiofilia é encontrada em boletins de ocorrência e investigações médico-legais realizadas por médicos forenses (Innala & Ernulf, 1989).
De fato, um aspecto médico-legal importante nesse tema é diferenciar entre um acidente autoerótico e o suicídio. A diferenciação pode ter implicações legais, especialmente quando existe uma cláusula na apólice de seguro declarando que nenhum dinheiro será pago em caso de suicídio (Aggrawal, 2009). Em alguns casos, os membros da família sentem-se tão envergonhados a ponto de ser relutantes em fornecer dados suficientes sobre as circunstâncias em que o falecido foi encontrado, e até mesmo modificando o cenário no qual o corpo foi achado (por exemplo, escondendo parafernálias, ocultando o histórico no smartphone ou computador de filmes pornográficos assistidos à época do evento fatal) e a causa da morte pode ser então erroneamente rotulada como suicídio. Infelizmente, a diferenciação nem sempre é fácil, principalmente quando há motivos latentes para o cometimento do suicídio. A medicina forense opera de acordo com uma visão positivista e lógica de evidências, interpretação e veracidade. Ao expor e explorar os detalhes de, por exemplo, uma cena de morte suspeita ou crime, os especialistas oferecem suposições aparentemente verificáveis, sempre com base nos fenômenos observados. A chave para a verdade está em algum lugar dentro da composição de um quebra-cabeça, ou seja, os objetos na cena são sempre “enigmas” aguardando decodificação. No caso de morte asfixiofílica, as provas post-mortem são sempre estáticas. O conjunto de evidências sujeitas a um exame minucioso aqui não é apenas o corpus delicti literal dos falecidos. As características da cena da morte por Asfixiofilia, tais como a presença de estímulos visuais, seja na forma de materiais pornográficos expostos, autorretratos meticulosamente executados, espelhos cuidadosamente posicionados para oferecer uma visão do ato sexualmente excitante, devem ser sempre levadas em consideração enquanto evidência forense (Downing & Nobus, 2004).
Teorias relacionadas à causalidade dessa grave parafilia deslizam nos gêneros textuais psicodinâmicos e médicos. Também conhecida como Hipoxifilia, Kotzwarrismo e Asfixia Sexual, a Asfixiofilia, na visão de John Money, por exemplo, poderia ser gerada pela vandalização do tipo sacrificial/expiatória do Mapa do Amor (Money, 1993). Como já explanado previamente neste site, sob a alcunha de “Mapas do Amor”, as parafilias sacrificiais e expiatórias são aquelas em que o triunfo sexual-erótico é arrancado da tragédia ocorrida na própria história pessoal por meio de uma estratégia que incorpora a luxúria pecaminosa no mapa do amor, embora apenas com a condição de que exija reparação ou expiação, por meio de penitência ou do sacrifício, uma vez contaminado irrevogavelmente o amor “santo”.
Nenhum especialista em Parafilias se esquece do seu paciente asfixiofílico, seja pelo desafio no manejo médico e psicossocial ou pelos desenlaces nem sempre felizes. Para evitar o gosto amargo na boca dos especialistas em Parafilias resultante de falhas na abordagem dos asfixiofílicos, toda a atenção deve ser focada na segurança do praticante bem como na melhor adequação do seu estilo de vida. Muitas vezes, a depender da gravidade, o pacto de silêncio não é recomendado.
Referências
Aggrawal, A. (2009). Forensic and Medical-legal Aspects of Sexual Crimes and Unusual Sexual Practices. Boca Raton: CRC Press.
APA, American Psychiatric Association. (2022). DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS- FIFTH EDITION (DSM-5-TR). Washington: American Psychiatric Association Publishing.
Downing, L., & Nobus, D. (2004). The iconography of asphyxiophilia: From fantasmatic fetish to forensic fact. JSTOR, 27(3).
Innala, S. M., & Ernulf, K. E. (1989). Asphyxiophilia in Scandinavia. Arch Sex Behav, 18(3), 181-189.
Money, J. (1993). Lovemaps. Clinical Concepts of Sexual/Erotic Health and Pathology, Paraphilia, and Gender Transposition in Childhood, Adolescence, and Maturity. New York: Irvington Publishers.
Money, J., Wainwright, G., & Hingsburger, D. (1991). The Breathless Orgasm: A Lovemap Biography of Asphyxiophilia. NewYork: Prometheus Books.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.