Nos últimos textos postados neste site, tenho repisado que os seres humanos podem experimentar diferentes tipos de estimulação sexual, desde os mais mundanos até os mais bizarros. Os desejos e as atividades sexuais humanas podem abranger fantasias e/ou atividades sobre as quais a maioria das pessoas jamais ouviu falar como, por exemplo, a Apotemnofilia, uma fantasia sexuoerótica em ter um membro amputado. As práticas sexuais não apenas cruzam os limites sociais, mas também podem cruzar espécies na busca do prazer, da lascívia e da concupiscência. Embora algumas práticas sexuais possam ser consideradas fisicamente perigosas de uma maneira geral (por exemplo, comportamentos sadomasoquistas severos ou envolvimento em atividades sexuais zoofílicas com um animal de grande porte), a Asfixia Sexual se destaca por ter um claro potencial de resultar em um desenlace letal.
Apesar da Autoasfixiofilia ser uma combinação de comportamento ritualístico, privação de oxigênio, perigo, e fantasia com a intenção da gratificação sexual, quando tal ato não termina da forma como o autor pretendia, muitos problemas aparecem, especialmente no que concerne ao terreno médico-forense.
Embora a Autoasfixiofilia possa ser realizada por meio de uma variedade de mecanismos que resultam na diminuição do fluxo de oxigênio para o cérebro, o texto corrente concentrar-se-á na asfixia induzida por uma constrição do pescoço. Mortes autoeróticas não asfixiais e mortes por asfixia não induzidas por ligadura ou constrição ao redor da garganta são muitas vezes auto evidentes (em virtude do aparato bizarro e complexo vislumbrado na cena da morte) e, geralmente, não se apresentam como um mistério policial investigativo acentuado.
A Asfixiofilia pode ser praticada tanto como uma atividade autoerótica quanto como um comportamento consensual entre duas ou mais pessoas. A Asfixia Sexual não consensual seria para as necessidades (sexuais ou não) da pessoa que restringe a fonte de oxigênio de uma outra pessoa e é mais bem descrita como um ato criminoso intencional. Quando a verdadeira asfixia sexual consensual resulta em morte, a morte é acidental e não um homicídio.
Para complicar as questões investigativas em casos de Asfixia Autoerótica, a cena às vezes é alterada por parentes bem-intencionados ou outras pessoas que removem pornografia ou roupas femininas de uma vítima do sexo masculino, ou alteram a cena por razões de constrangimento pessoal ou desejo de preservar a “dignidade” do falecido. Cabe aos investigadores e criadores de perfis criminais entender a natureza da Asfixia Sexual, os sinais de tal comportamento na cena da morte e como delineá-lo a partir de um suicídio ou homicídio. Infelizmente, parte da literatura carrega um tom moral subjetivo, mesmo que sutil, sobre o assunto.
Erros de julgamento podem ter repercussões psicológicas, civis e criminais negativas. Embora não seja aliviada da dor da morte de um ente querido, uma família pode ter algum consolo em saber que uma morte foi acidental, em oposição a um suicídio. Além disso, uma apólice de seguro pode se recusar a pagar um suicídio (dependendo das cláusulas específicas ou do prazo da apólice), aumentando desnecessariamente o fardo de uma família lidar com a morte de um ente querido. Além disso, algumas apólices de seguro podem pagar mais em uma reclamação de morte acidental do que em uma morte por outras causas. Por fim, os recursos de aplicação da lei podem ser desperdiçados em uma investigação de homicídio, quando o que realmente ocorreu foi um acidente. Pior ainda, uma pessoa inocente pode ser acusada de um crime que não foi cometido.
Não se sabe quando ou como surgiu a prática da Asfixia Sexual, da Autoasfixiofilia. A ereção peniana (com ou sem ejaculação) como consequência do enforcamento provavelmente é bem conhecida há milênios. Além das histórias que um carrasco ou torturador pode contar, os enforcamentos públicos ofereciam à população em geral uma visão do fenômeno. A primeira menção histórica à Asfixia Sexual foi no século XVII, quando foi sugerida como tratamento para a impotência (sem dúvida devido à sua capacidade de causar uma ereção mesmo nos moribundos) (McGrath & Turvey, 2003).
As cenas da morte variam, mas certos achados podem ser esperados. No mínimo, para formar uma opinião de que uma morte é devida à Asfixia Autoerótica, o investigador precisa encontrar evidências de que a atividade era repetitiva e provavelmente realizada para a gratificação sexual da vítima. Devem existir evidências de que a morte não era um resultado esperado. Pornografia, espelhos e outros auxiliares de fantasia ajudam nessa determinação, assim como encontrar acolchoamento entre a ligadura e o pescoço. Evidências de um mecanismo de fuga (mesmo que consistindo apenas na capacidade de ficar em pé, liberando assim a tensão na ligadura) devem estar presentes. A presença de sêmen na cena da morte não é, por si só, prova de que o falecido estava masturbando-se ou de que teve um orgasmo. O sêmen no chão, na cueca ou na perna da vítima, é possivelmente devido à atividade sexual, mas também é possivelmente devido ao post-rigor mortis. E a maioria dos suicidas não é usualmente vista nua ou parcialmente nua, como muitas vítimas de morte autoerótica. Por outro lado, a falta de haver nudez ou nudez parcial de forma alguma exclui uma morte autoerótica.
Vários autores listam fatores de suspeição de uma morte por Autoasfixiofilia:
- Alguns itens são encontrados na cena da atividade autoerótica que aumentam o prazer físico ou psicológico (filmes e/ou revistas pornográficos, câmeras, espelhos, ligaduras, cordas de cores diferentes)
- Mecanismos de auto resgate (ou fuga), ou seja, de interrupção voluntária dos elementos de alto risco (por exemplo, um nó corrediço/deslizante em uma ligadura ao redor do pescoço, disponibilidade de um instrumento pontiagudo para fazer um furo em um saco plástico selado sobre os seus rostos, um botão de segurança remoto em uma hidráulica elétrica dentro ou perto do alcance da vítima, chaves para fechaduras, ou a capacidade de simplesmente se levantar e evitar a asfixia por completo – uma cadeira fixa)
- Uso propriamente de materiais ou dispositivos especiais que restringem fisicamente a vítima. Esses itens têm significado fantasioso para o asfixiofílico. Nos casos de morte autoerótica, é importante estabelecer que a vítima poderia ter colocado restrições sobre si mesma, sem assistência (arreios de couro, algemas de pulso, configuração elaborada de ligaduras etc.)
- Indicadores de lesões cicatrizadas que surgiram devido à história prévia de tal comportamento
- Trajes fetichistas (couro, roupas do sexo oposto, calcinhas masculinas)
- A vítima muitas vezes não desejaria que os ferimentos sofridos durante os comportamentos autoeróticos fossem visíveis para terceiros. Assim, as lesões podem ser infligidas apenas em áreas cobertas por roupas, ou podem ser encontrados materiais macios e protetores entre a pele e os dispositivos de contenção e/ou ligaduras com a finalidade de evitar escoriações e hematomas (uma toalha colocada ao redor do pescoço da vítima sob uma ligadura pendurada, restrições de pulso colocadas sobre a roupa da vítima etc.).
- Parafernália sexual e adereços: itens encontrados na vítima ou perto dela que auxiliam na fantasia sexual (vibradores, espelhos, diários, fotos, filmes, roupas íntimas, métodos para registrar o evento) (Geberth, 2003).
É importante destacar que nenhuma intenção suicida é aparente, ou seja, a vítima planejava eventos futuros em sua vida. A ausência de uma nota de suicídio não é necessariamente uma indicação de um evento autoerótico. Se houver uma dessas notas (suicide notes), deve-se determinar se foi escrita na época da morte e se não é um adereço (parte da fantasia masoquista de uma vítima).
Os achados específicos da autópsia variam, dependendo da maneira real da consumação da morte. Embora a causa da morte possa ser Asfixia Autoerótica, os mecanismos indutores da morte podem variar devido ao uso de uma ligadura ou a outro aparelho indutor de hipóxia. Muitas vezes, além da autópsia física, há necessidade da autópsia psicológica. Neste procedimento, aliás bastante complexo, o perito deve investigar a falta de uma história consistente com comportamento suicida e a presença de prévios comportamentos sexualmente desviados. Reservar um tempo para conhecer e entender a vítima pode ajudar a orientar as opiniões em casos ambíguos. É um erro confiar em apenas uma fonte de informação ao investigar uma morte de caráter ambíguo. Um parente próximo (como uma mãe) pode ver o falecido de uma maneira, enquanto um amante pode oferecer uma outra visão completamente oposta. Ainda mais informações podem ser obtidas de colegas de trabalho, amigos etc. Quanto mais informações forem coletadas de diferentes fontes, maior a probabilidade de o investigador obter um perfil mais claro sobre o falecido.
Referências
Geberth, V. J. (2003.). Sex-Related Homicide and Death Investigation: Practical and Clinical Perspectives. Boca Raton: CRC Press.
McGrath, M., & Turvey, B. E. (2003). Sexual Asphyxia. In B. Turvey (Ed.), Criminal Profiling. An Introduction to Behavioral Evidence Analysis. (pp. 479-496). London: Elsevier Academic Press.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.