Maquiavelismo

Quem é a causa do poderio de alguém se arruína, porque esse poder resulta ou da astúcia ou da força e ambas são suspeitas para aquele que considera ter-se tornado também poderoso”

(Niccolò di Bernardo dei Machiavelli – O Príncipe – 1532)

Excerto – A Dinâmica do Poder

O excerto aborda a relação entre poder, astúcia e força, sugerindo que a origem do poder de alguém pode ser questionada por outrem. Uma análise pede uma investigação de como nós percebemos e legitimamos o poder.

A ideia de que o poder pode ser resultado da astúcia ou da força implica uma dialética entre diferentes formas de dominação. Quando alguém se torna poderoso, pode, então, haver uma suspeita sobre a legitimidade desse poder. Isso reflete as tensões entre métodos legítimos e ilegítimos de conquistar e manter o poder. O ritmo do discurso é influenciado pelo comprimento das frases e pela escolha das palavras. A frase é longa e complexa, o que pode causar uma pausa reflexiva no leitor. Isso promove um ritmo resoluto, que enfatiza a seriedade e a profundidade da reflexão sobre o poder.

O discurso também sugere que a percepção de poder é inconstante e que as relações de dominação são dinâmicas. Questionar a origem do poder é um convite a refletir sobre a fragilidade das hierarquias e sobre como a astúcia e/ou a força podem ser vistas com desconfiança por todos nós, em especial entre aqueles que aspiram à posição de autoridade de uma outra pessoa. De fato, a sonoridade das palavras escolhidas, como em “poderio” e “suspeitas”, tem um efeito grave. A repetição de sons consonantais (aliteração) e vocálicos (assonância) pode criar uma harmonia que ajuda a fixar as ideias na mente do ouvinte. Exemplos podem incluir a sonoridade de “astúcia” e “força”, onde as consoantes e vogais se interagem, criando um efeito sonoro que liga as ideias, mesmo que algo dissonantes.

Outrossim, o texto pode ser lido como um diálogo entre diferentes vozes – a voz do poder, a voz da resistência e a voz da dúvida. Essa multiplicidade pode levar a um entendimento mais profundo dos jogos de poder e das formas de resistência e de buscas que surgem diante dele.

A suspeita em relação ao poder obtido através da astúcia ou da força levanta questões éticas: qual é a legitimidade de um poder que não se sustenta pela moralidade ou pela justiça? Este é um convite à reflexão sobre as implicações que o discurso sobre o poder pode ter em diferentes cenários sociais e/ou relacionais.

Palavras-chave como “poder”, “suspeitas”, “causa” e “arruína” possuem uma carga semântica forte que, quando enfatizadas na oralidade, podem adicionar profundidade emocional ao discurso. A ênfase em palavras como “suspeitas” pode transmitir uma sensação de desconfiança e crítica em relação à natureza do poder, mas também uma forma de subjugar o correntemente poderoso – uma troca de poder…

O encerramento da frase com “também poderoso” traz uma cadência que pode sugerir uma conclusão ponderada, deixando o leitor com uma sensação de questionamento. Essa cadência pode ressoar na mente do ouvinte, convidando à reflexão posterior sobre as complexidades da dinâmica do poder.

Em suma, o discurso é sonoro e, aliado ao seu conteúdo, pode evocar diferentes sensações. A tensão entre a astúcia e a força, somada à ideia da desconfiança, gera uma atmosfera atinada que pode incentivar uma reflexão crítica sobre o poder e a sua legitimidade.

Introdução

A construção do Maquiavelismo enquanto um aspecto de Personalidade (Christie & Geis, 1970) originalmente compreende três perspectivas, isto é, as visões que a pessoa tem a respeito do mundo, as táticas/estratégias utilizadas para atingir objetivos pessoais e a moralidade das condutas. No entanto, algumas pesquisas mais atuais identificaram consistentemente apenas duas dimensões (ou variáveis latentes) do construto Maquiavelismo: os pontos de vista e as táticas/estratégias (Monaghan, Bizumic e Sellbom, 2018).

A dimensão tática ou estratégica aponta para aqueles indivíduos com disposição para se envolver em comportamentos tipicamente “imorais” com o fim de alcançar os seus objetivos/metas. Esse comportamento de “os fins justificam os meios” é muitas vezes associado à dimensão de visões/opiniões do Maquiavelismo que caracteriza a humanidade como inerentemente indigna de confiança, fraca, e vulnerável à exploração (dimensão das visões maquiavélicas). Em linha com traços de personalidade externalizantes/antagonistas, em termos gerais, o Maquiavelismo é consistentemente mais frequente entre homens do que em mulheres (Jones e Paulhus, 2009). O Maquiavelismo é um aspecto individual relativamente estável ao longo da vida que está negativamente associado ao comportamento da Ética Formal (ou Kantiana) nas relações sociais.

Mesmo considerando as duas dimensões mais atuais do construto Maquiavelismo, podemos notar algumas características centrais nos indivíduos ditos “maquiavélicos”. Dentre tais características, identificamos déficits emocionais, parecendo haver uma forte associação do maquiavelismo com baixos níveis de empatia, mas com altos escores em alexitimia (dificuldade em identificar e descrever sentimentos). A relação entre maquiavelismo e empatia é bastante complexa. Embora geralmente correlacionados negativamente, sugere-se que os indivíduos “maquiavélicos” podem ter a empatia cognitiva intacta (compreender e aprender sobre as emoções/reações dos outros), mas podem ser deficientes na empatia afetiva (compartilhar as emoções dos outros, uma empatia praticamente inata). Tanto a baixa empatia afetiva quanto a alexitimia usualmente estão acompanhadas por um distanciamento emocional em relação aos outros. Enfatizo aqui que o “distanciamento emocional” não significa “distanciamento físico”.

Tais características emocionais devem ser levadas em consideração, uma vez que indivíduos “maquiavélicos” não são simplesmente manipuladores intelectualmente prendados, mas também apresentam deficiências emocionais notáveis.

Na verdade, o conceito de personalidade maquiavélica é dominado pelo distanciamento emocional dos outros e pela falta de um relacionamento interpessoal empático, descrição próxima à dos indivíduos alexitímicos.

Além disso, um déficit emocional, conhecido como anedonia, definido como a incapacidade de sentir prazer é geralmente acompanhado pela presença de sensibilidade diminuída a eventos aversivos ou ameaçadores. E tais déficits emocionais são também frequentes nos chamados Transtornos de Ansiedade. Novamente, enfatizo aqui que eu não estou relacionando a Personalidade Maquiavélica com as ansiedades; muito pelo contrário. Apenas estou afirmando que a anedonia é um importante fator de vulnerabilidade diante das adversidades da vida, promovendo grandes chances de interpretações errôneas de estados situacionais conflitantes (Al Aïn, Carré, Fantini-Hauwel, Baudouin, & Besche-Richard, 2013).

Maquiavelismo e Maquiavel: Uma Origem Delicada para esse Aspecto da Personalidade

A seminal obra O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, destaca os princípios-chave do que estamos chamando maquiavelismo.

O Príncipe de Maquiavel é um tratado político que explora como adquirir e manter o poder político. Não é um endosso direto da imoralidade, mas sim um guia pragmático para governantes e chefes de instituições (políticas ou não) que navegam em um cenário complexo e muitas vezes implacável. Os principais princípios maquiavélicos evidentes na obra de Maquiavel incluem:

    • Política no ‘Mundo Real’: O núcleo do maquiavelismo é o foco nas realidades práticas do dia a dia em vez de ideais abstratos. As considerações morais são totalmente secundárias para alcançar e manter o poder. As ações explícitas podem ser consideradas imorais por muitos, mas defende-se a sua necessidade em certas situações.

    • Os fins justificam os meios: Este é um aspecto crucial do maquiavelismo, ou também chamada de Ética Maquiavélica (subtipo da Ética Valorativa). Sugere-se que um governante deve priorizar a estabilidade e o sucesso de seu Estado, mesmo que isso exija ações moralmente questionáveis.

    • O medo supera o amor: Maquiavel argumenta que é mais seguro para um líder ser temido do que amado. O amor é inconstante, enquanto o medo pode inspirar obediência e prevenir a rebelião. No entanto, adverte-se contra ser odiado em demasia, pois isso também pode levar à instabilidade. Um equilíbrio delicado entre os dois é o ideal.

    • Aparência supera a realidade: Um líder deve cultivar uma certa imagem, mesmo que ela seja um embuste. O líder deve parecer virtuoso, piedoso e misericordioso para ganhar a confiança dos subalternos; porém, deve estar preparado para agir em desacordo com essas virtudes, se necessário, para preservar o poder. Este é o conceito de “virtude”, que significa a habilidade e a destreza em alcançar objetivos pessoais, em vez da bondade moral inerente.

    • Pragmatismo e adaptabilidade: Enfatiza-se a importância de adaptar estratégias pessoais com mudanças nas circunstâncias. Um líder deve ser flexível e disposto a mudar de tática conforme necessário, mesmo que contradiga ações ou promessas anteriores.

    • Sorte e virtude: Maquiavel reconhece o papel da sorte no sucesso das estratégias, mas enfatiza a importância da “virtude” na resposta a elas. Um líder bem-sucedido usa as suas habilidades e capacidades de se adaptar e até manipular a sorte a seu favor.

 

Maquiavelismo – Um Traço da Personalidade?

O Maquiavelismo é frequentemente discutido em psicologia da personalidade como um traço que se relaciona mais fortemente com uma das dimensões do modelo dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade, conhecido como “Big Five“. Especificamente, o Maquiavelismo é associado à desconfiabilidade e à falta de empatia, traços que se enquadram na dimensão da Agradabilidade (Agreeableness). Apesar da correlação negativa e significativa com maiores escores no fator de personalidade ‘Agradabilidade’, correlações negativas e significativas consideráveis também têm sido vistas com um outro fator da personalidade (aqui analisado através do Instrumento HEXACO, ou seis dimensões da personalidade), que é a ‘Honestidade-Humildade’.

No contexto do modelo de personalidade (Big Five), altos escores no fator ‘Agradabilidade’ traduzem indivíduos com bons níveis de cooperatividade, altruísmo e confiabilidade. Em contraste, baixos escores nesse fator de personalidade traduzem, dentre outros aspectos, indivíduos manipuladores, egoístas e cínicos.

Portanto, o maquiavelismo pode ser visto como um traço que se contrasta com a agradabilidade dentro dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade, refletindo a tendência de um indivíduo a utilizar estratégias manipulativas nos relacionamentos interpessoais.

Como Investigar Traços de Maquiavelismo

Além, claro, de boas entrevistas clínicas, instrumentos e/ou questionários podem ser utilizados para a avaliação quantitativa da presença de visões e de táticas ditas maquiavélicas em alguns indivíduos.

Uma das escalas mais utilizadas é a Escala Bidimensional de Maquiavelismo. Esta escala estabelece a existência de dois fatores (ou de duas variáveis latentes) para agrupar as 12 (doze) assertivas (questões ou variáveis observáveis) que o investigado deve responder, utilizando-se de uma escala Likert de 07 (sete) pontos.

Instruções: Por favor, indique o quanto você concorda com cada afirmação usando a seguinte escala:

1 = Discordo plenamente

2 = Discordo

3 = Discordo parcialmente

4 = Nem concordo nem discordo

5 = Concordo parcialmente

6 = Concordo

7 = Concordo plenamente

Eis as assertivas dessa escala (Escala Bidimensional de Maquiavelismo), em linha com as duas variáveis latentes ou fatores:

Subescala 1: Visão geral sobre as pessoas e o mundo

1. Na minha opinião, a natureza humana é ser desonesta

2. Acho que a maioria das pessoas tirará vantagem dos outros dependendo da situação e do próprio interesse

3. Quando as pessoas fazem algo de bom para mim, elas realmente têm algum interesse

4. Sinto que no fundo as pessoas confiam umas nas outras

5. Acho que as pessoas preferem ajudar umas às outras do que agir de forma egoísta

6. Acredito que a maioria das pessoas são essencialmente boas

Subescala 2: Estratégia

7. Acho que não há problema em ser antiético para um bem maior

8. Acho que não há problema em tirar vantagem dos outros para alcançar um objetivo importante

9. Às vezes, é necessário que eu engane os outros para conseguir que as coisas sejam feitas

10. Eu valorizo ​​​​ser honesto em vez de progredir na vida

11. Para mim, nunca é justificado enganar os outros

12. Para mim, não vale a pena fazer algo se eu tiver que ser antiético

Observação: Para pontuar o questionário, somar os valores das respostas (invertendo as pontuações para as assertivas em negrito). Pontuações mais altas indicam níveis mais elevados de tendências maquiavélicas.

Uma outra forma mais rápida para avaliação de traços Maquiavélicos da personalidade, clinicamente atraente, é o uso das assertivas abaixo (estas não ainda testadas cientificamente).

O Maquiavelismo é um traço de personalidade caracterizado por manipulação, cinismo e pragmatismo nas relações interpessoais. Aqui está um exemplo de questionário com 10 perguntas, usando uma escala Likert de 5 (cinco) pontos.

Instruções: Por favor, indique o quanto você concorda com cada afirmação usando a seguinte escala:

1 = Discordo totalmente

2 = Discordo

3 = Nem concordo nem discordo

4 = Concordo

5 = Concordo totalmente

1. É sábio guardar informações que possam ser usadas contra outros no futuro.

2. A melhor maneira de lidar com as pessoas é dizer a elas o que elas querem ouvir.

3. É difícil ser bem-sucedido sem fazer atalhos éticos de vez em quando.

4. A maioria das pessoas pode ser manipulada.

5. O fim justifica os meios.

6. É importante ser querido, mas é mais importante ser temido.

7. As pessoas são basicamente boas, mas podem ser corrompidas por poder ou dinheiro.

8. É melhor ser temido do que amado, se você não pode ser ambos.

9. Honestidade é sempre a melhor política.

10. Às vezes é necessário sacrificar outros para alcançar seus objetivos.

Para pontuar o questionário, some os valores das respostas (invertendo a pontuação para a questão 9). Pontuações mais altas indicam níveis mais elevados de tendências maquiavélicas.

Um Sumário de Correlações POSITIVAS entre o Maquiavelismo e Outros Aspectos da Personalidade e do Comportamento

Altos escores em Maquiavelismo estão positivamente correlacionados significativamente com os seguintes aspectos da Personalidade e do Comportamento:

    • Egocentricidade

    • Frieza afetiva

    • Ousadia

    • Desinibição

    • Antissocialidade

    • Necessidade por admiração

    • Excitação pela Rivalidade

 

Palavras Finais

Nós habitualmente avaliamos exclusivamente a cognição daquelas pessoas com Maquiavelismo, não levando em consideração os seus déficits emocionais, como por exemplo, a deficiência na empatia afetiva, a anedonia e a alexitimia. Uma perspectiva mais ampla oferecerá uma compreensão diferenciada sobre o Maquiavelismo, potencialmente abrindo caminhos para intervenções e tratamentos mais eficazes, incluindo o manejo das manipulações e o isolamento afetivo.

Referências

Al Aïn, S., Carré, A., Fantini-Hauwel, C., Baudouin, J. Y., & Besche-Richard, C. (2013). What is the emotional core of the multidimensional Machiavellian personality trait? Frontiers in Psychology, 4, 454. 

Christie, R., & Geis, F. (1970). Studies in Machiavellianism. New York: Academic Press.

Jones, D. N., & Paulhus, D. L. (2009). Machiavellianism. In: H. Leary. Handbook of Individual Differences in Social Behavior. New York: Guilford Press.

Monaghan, C., Bizumic, B., & Sellbom, M. (2018). Nomological network of two-dimensional Machiavellianism. Personality and Individual Differences, 130: 161–173.

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