PARTE-SE DO PRINCÍPIO DE QUE, SE O AGRESSOR SEXUAL TOMAR UM ‘REMÉDIO’, RESOLVE. NÃO SE TRATA DISSO, MAS DE UMA CULTURA
A aprovação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal do PL 3.127/2019 — que institui o tratamento químico hormonal voluntário para reincidentes em crimes contra a liberdade sexual — tem causado polêmica, com muitos comemorando como avanço e outros lamentando como retrocesso. Há sete anos presido o Instituto Liberta, e é desse lugar que escrevo.
Lutamos pelo fim de todas as violências sexuais contra crianças e adolescentes e fazemos isso por meio de comunicação e conscientização. Enxergar e entender a violência sexual infantil é pressuposto para mudar o quadro atual, em que são registrados quatro casos de estupro de menores de 13 anos por hora. Os 40.650 casos registrados em 2022 (últimos dados disponíveis) representaram 61% dos estupros notificados no país. A vítima de estupro é criança.
Quanto ao sexo das vítimas, 86% eram meninas. Em 72% dos casos, a violência aconteceu dentro de casa e, em 71,5%, foi praticada por familiares. Qual o perfil desses estupradores de crianças? A resposta imediata, no imaginário da sociedade, é que são os pedófilos. Sobre essa suposição, é preciso dizer que não importa se quem praticou o crime era pedófilo — a partir do momento em que alguém estupra uma criança, é um criminoso e ponto final.
Aqui, cabe um parêntese para esclarecer que a pedofilia é uma doença caracterizada pela atração sexual por menores impúberes. Pessoas com esse transtorno têm diagnóstico psiquiátrico e precisam de tratamento médico. Só que, quando falamos de violência sexual infantil, raramente falamos de pedófilos. Explico.
A tese de doutorado de Danilo Antônio Baltieri, da Faculdade de Medicina da USP — “Consumo de álcool e outras drogas e impulsividade sexual entre agressores sexuais” —, constatou que, entre os presos por violência sexual contra crianças avaliados, apenas 20% podiam ser diagnosticados como pedófilos e, entre os agressores de adolescentes, só 3,5%. Não falamos de doentes, mas de quem se acha no direito de abusar de crianças e adolescentes. Em parte, porque somos permissivos com essa violência. Tanto é que, segundo estudo do Ipea, apenas 8,5% dos casos são denunciados.
Somos uma sociedade que não enxerga, denuncia ou enfrenta a questão da violência sexual contra crianças e adolescentes como deveria. Em parte, porque não entende, tanto que celebra a aprovação de um Projeto de Lei totalmente equivocado.
Vamos à análise concreta da proposta legislativa. Primeiro, o que chamam de “castração química” é, na verdade, um tratamento hormonal inibidor da libido com efeitos temporários. Segundo, a lei se aplicaria só aos crimes de estupro, estupro mediante fraude e estupro de vulnerável. E a exploração sexual infantil? E as violências sexuais virtuais, que não param de crescer? Terceiro, ao aceitar o tratamento, o criminoso passa a ter direito ao livramento condicional. É um absurdo! Não importa se é doente: cometeu um crime e deve pagar!
Parte-se do princípio de que, se o agressor sexual tomar um “remédio”, resolve. Não é disso que se trata, mas sim de uma cultura. E o que muda cultura é educação! O mesmo grupo que faz alarde sobre a aprovação da “castração química” não quer saber de educação sexual nas escolas, fundamental para ajudar, de fato, crianças e adolescentes a se prevenir contra violências sexuais e a virar adultos menos violentos e abusadores.
O Liberta acredita que a violência sexual contra crianças e adolescentes é um problema estrutural que precisa ser enfrentado com políticas públicas eficientes. Por isso nossa primeira missão é fazer o Brasil se incomodar verdadeiramente e falar sobre essa violência, mas com qualidade e competência, para não construirmos soluções equivocadas em razão de diagnósticos falhos.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.