Não aguento mais, mas eu gosto dele. O que devo fazer?
Resposta
A violência contra parceiros íntimos é considerada um sério problema de saúde pública, e o consumo de substâncias psicoativas está presente em mais da metade destes casos (1).
Existem diversas formas de comportamentos violentos que podem ser perpetradas contra parceiros íntimos, tais como abuso físico, sexual, psicológico, financeiro e perseguições (stalking). Um dos principais objetivos do(a) perpetrador(a) é manter, ganhar e atingir o total controle sobre a vítima (2).
Infelizmente, a esperança da reciprocidade em um relacionamento afetivo pode ser ilusória em muitos casos. Nem sempre os vínculos estabelecidos por um casal são baseados no recíproco respeito, cuidado, ternura e atenção. Nos casos de relacionamentos assimétricos, em que um deposita fortemente esperanças frustras sobre o outro, situações problemáticas e disfuncionais tendem a se estabelecer.
Dados americanos sobre abuso e perseguição:
- 1 em cada 3 mulheres relata ter sido fisicamente abusada pelos parceiros;
- 1 em cada 4 homens relata ter sido fisicamente abusado pelos parceiros;
- 1 em cada 7 mulheres relata ter sido perseguida pelos parceiros;
- 1 em cada 18 homens relata ter sido perseguido pelos parceiros;
- 1 em cada 5 mulheres relata ter sido estuprada, sendo que metade destas aponta o parceiro como o perpetrador (3).
Quando casos de comportamentos fisicamente, psicologicamente e/ou sexualmente agressivos tomam lugar entre parceiros íntimos, o consumo de substâncias pode ser um importante facilitador ou mesmo agravante do ato lesivo. Grande parte desses casos ocorre com o homem sendo o agressor e a mulher sendo a vítima.
Violência e o consumo de substâncias psicoativas
A associação direta entre o consumo de substâncias psicoativas, especialmente o álcool, e o comportamento violento tem sido contestada por vários estudos, visto que outros fatores, tais como personalidade impulsiva, status social e crenças distorcidas, frequentemente coexistem nestas situações. De qualquer forma, evidência é disponível para apoiar a associação entre o consumo de substâncias e o comportamento violento contra parceiros íntimos. Esta associação pode incluir os seguintes fatos:
- O uso de substâncias afeta o funcionamento cognitivo e o controle impulsivo do usuário, reduzindo seu autocontrole e tornando-o menos hábil para lidar com situações adversas;
- O uso excessivo de bebidas pode exacerbar dificuldades financeiras e relacionais já existentes. Isto pode gerar tensão intrafamiliar, aumentando o risco de comportamentos agressivos;
- Crenças pessoais de que o consumo de substâncias promove comportamentos violentos podem predispor aquele que faz uso delas a realmente acreditar que pode tornar-se agressivo;
- A própria convivência com pessoas agressivas e ambientes violentos pode ser um disparador para o consumo de substâncias;
- Crianças que assistem à violência entre os pais têm maior chance de copiar tais comportamentos quando adultos (4).
Várias consequências nocivas às vítimas têm sido registradas, como sintomas de depressão, ansiedade, insônia, infecções repetitivas do trato urinário, dores pelo corpo, doenças sexualmente transmissíveis e problemas com o uso de substâncias (5).
Infelizmente e por diferentes razões, incluindo vergonha e culpa, as vítimas comumente não ajuízam ação contra os seus parceiros nas delegacias, inclusive naquelas voltadas para tal problemática. Também usualmente, as vítimas evitam falar para terceiros sobre aquilo que ocorre dentro das suas casas.
Quando tais vítimas procuram atendimento médico, comumente também não falam sobre tais vivências traumáticas. Os profissionais da saúde podem inquirir a respeito disso ou mesmo suspeitar de que algo está ocorrendo através dos sintomas trazidos pela vítima.
Consequências sofridas pelas vítimas de violência
De fato, as consequências para as vítimas da violência contra parceiros íntimos podem ser altamente danosas e com efeitos prolongados, tais como:
- Negligência nos autocuidados;
- Baixa autoestima;
- Sintomas físicos diversos (gastrintestinais, cardíacos, urinários);
- Ideias de morte;
- Dificuldade para confiar em terceiros;
- Dificuldade para manter-se empregado.
Também é importante notar aqui que a violência contra parceiros íntimos é um fenômeno global, ocorrendo em diferentes grupos, faixas etárias, classes econômicas e culturas. A forma extrema da violência perpetrada é a morte da vítima. Cerca de 40 a 60% dos homicídios de mulheres são cometidos por parceiros íntimos nos Estados Unidos da América (6).
O que você, vítima da violência, precisa fazer
Você deve estar atenta à sua própria segurança física e psicológica. Você pode tentar ajudar seu parceiro; porém, você deve estar protegida e em segurança acima de tudo e antes de tudo.
Não tenha vergonha de falar com seus amigos confiáveis sobre este problema; eles podem ajudar. Procure você mesma ajuda médica, contando ao seu médico a sua situação.
O seu parceiro precisa ter limites. Ele não tem qualquer direito de provocar quaisquer formas de comportamentos violentos sobre você. Ele também não pode responsabilizar o consumo de bebidas pelos estragos causados.
Valorize-se!
Quanto ao seu parceiro, nas horas em que ele não estiver intoxicado, você pode tentar convencê-lo a buscar tratamento especializado tanto para o uso de bebidas quanto para o comportamento violento. Você pode tentar… Mas você deve, primeiramente, preocupar-se com a sua saúde e segurança.
Referências
1. Easton CJ. The role of substance abuse in intimate partner violence. Psychiatric Times. 2006;25:1-18.
2. Zara G, Gino S. Intimate Partner Violence and its Escalation Into Femicide. Frailty thy Name Is “Violence Against Women”. Frontiers in Psychology. 2018;9:1777.
3. Black MC, Basile KC, Breiding MJ, Smith SG, Walters ML, Merrick MT, et al. The National Intimate Partner and Sexual Violence Survey (NISVS): 2010 summary report. Atlanta: Center for Disease Control and Prevention; 2011.
4. World Health Organization (WHO). Intimate partner violence and alcohol. Geneva, WHO. 2006.
5. Zilberman ML, Blume SB. [Domestic violence, alcohol and substance abuse]. Brazilian Journal of Psychiatry. 2005;27:S51-5.
6. Campbell JC. Health consequences of intimate partner violence. The Lancet. 2002;359:1331-6.
Atenção! Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.
Danilo Antonio Baltieri
Médico psiquiatra. Mestre e Doutor em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade. Currículo Lattes.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.