Minha mãe usa drogas e tenho medo que a polícia descubra

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Pais que usam drogas: as consequências para os filhos e como eles podem lidar com esse problema dos pais

E-mail enviado por um leitor:

“Tenho 15 anos de idade e a minha mãe é usuária de drogas. Tenho medo de que a polícia descubra e de que eu seja afastado dela. Estou sofrendo muito por ela e por mim também. Tem alguma sugestão para me ajudar?”

Resposta

Trata-se de uma situação bastante delicada que merece alguns comentários antes de propor a você algumas sugestões.
Independentemente da nossa idade, nossos pais biológicos exercem influência sobre nós durante toda a vida, notavelmente através de fatores genéticos. Os cuidadores, que geralmente são os nossos pais biológicos, exercem influência sobre os filhos também através dos hábitos, comportamentos, ensinamentos, estilos de comunicação e uso de substâncias. Infelizmente, mais do que 11% das crianças americanas crescem em lares com, pelo menos, um familiar com problemas relacionados ao uso de substâncias psicoativas. Nestes lares, as crianças têm cerca de duas a três vezes mais chance de futuramente abusar de substâncias psicoativas do que aquelas provenientes de lares isentos deste problema. Outrossim, filhos de pais que abusam de substâncias psicoativas estão em maior risco de vivenciar um grande leque de consequências negativas, tais como problemas no ajustamento emocional e comportamental, no desenvolvimento de vínculos afetivos saudáveis, no processo de autonomia e de validação das próprias sensações e comportamentos.

Os riscos aos filhos tornam-se maiores se os cuidadores usuários de substâncias psicoativas demonstram um outro transtorno psiquiátrico coexistente (como depressão e transtornos da personalidade), se ambos os genitores-cuidadores têm problemas com o consumo de drogas, ou mesmo se apenas a genitora tem problemas com o uso de substâncias.

Certamente, fatores negativos concomitantes como estressores ambientais, conflitos familiares, instabilidade emocional dos cuidadores, isolamento social e perda de recursos financeiros contribuem para formatar um quadro desastroso.

Pais que usam drogas: consequências para os filhos

Dentre as consequências negativas para os filhos de genitores-cuidadores usuários de substâncias, aponto algumas abaixo:

a) pobre desempenho acadêmico;

b) desenvolvimento cognitivo (atenção, concentração) prejudicado;

c) sintomas de internalização (depressão e ansiedade) e de externalização (comportamentos agressivos, impulsivos, ameaçadores);

d) mais precoce experimentação de álcool e de outras substâncias;

e) fuga de casa;

f) vivência de abuso físico, sexual, emocional;

g) negligência;

h) pobre autoestima.

No entanto, devemos considerar que o impacto negativo do uso de substâncias pelos genitores-cuidadores sobre as crianças e adolescentes pode variar amplamente, dependendo de alguns fatores, tais como se ambos os pais são usuários, a idade da criança quando o consumo de drogas pelo(a) genitor(a) se tornou problemático, o status legal da substância abusada, as habilidades para manter o cuidado sobre os filhos pelos cuidadores, o estado físico e emocional dos membros familiares, os recursos econômicos dos cuidadores e a disponibilidade dos outros membros familiares adultos em gerenciar a crise.

Os abusos ou maus tratos impostos pelos pais-cuidadores usuários de substâncias sobre os filhos é uma das principais consequências negativas que demandam a intervenção da Justiça especializada. Além de medidas de suporte e de afastamento parental, muitas outras medidas têm sido tomadas e examinadas ao redor do mundo.


Evidência científica: programas focados na intervenção familiar podem funcionar   

Existe uma crescente onda de evidência científica de que programas especializados focados na intervenção familiar como um todo podem funcionar. Tais programas envolvem uma miríade de profissionais que manejam in situ os problemas gerados pelo consumo de substâncias pelos genitores-cuidadores e as suas repercussões no ambiente familiar. Todavia, tais programas são onerosos, escassos e não são aplicáveis para todas as famílias.

Inversão de papéis

Dentro de uma família saudável, os pais cuidam inteiramente das suas crianças e adolescentes, dando apoio emocional, exemplos de comportamento, suporte financeiro, educação. No entanto, quando os pais-cuidadores têm problemas com o uso de substâncias, os papeis podem inverter. Algumas vezes, os menores nem percebem que eles estão assumindo um papel de “cuidador”, quando ajudam o genitor a se limpar depois de uma noite de bebedeira ou mesmo assumindo parte das atividades domésticas. Tais “deveres” assumidos pelo menor-agora-cuidador envolvem enorme desgaste emocional que ultrapassa todos os limites do relacionamento pais-filhos. Além destes “deveres”, muitos filhos de pais usuários de substâncias apontam os seguintes acontecimentos:

a) evitam atividades agendadas com amigos, porque não sabem o que esperar em casa;

b) sentem que devem ficar ouvindo sua mãe recontando acontecimentos ocorridos, quando a mesma estava “chapada”;

c) sentem a necessidade de conseguir recuperar os genitores dos efeitos da intoxicação e/ou da síndrome de abstinência;

d) podem se sentir apreensivos a qualquer sinal de isolamento por parte dos genitores;

e) podem sentir a necessidade de vigiar os genitores e até mesmo compartilhar o mesmo leito, porque o dito genitor está passando mal;

f) podem usar álcool e/ou outras drogas junto com o genitor-cuidador objetivando melhorar o relacionamento.

Dessa forma, genitores-cuidadores usuários problemáticos de substâncias corrompem os limites do relacionamento saudável, impondo aos filhos um fardo com consequências danosas.

É também comum na prática clínica diária que os filhos reportem que seus pais usuários de substâncias os proíbem de contar para terceiros o que ocorre na casa; afinal “roupa suja se lava em casa”.

No entanto, não é direito do adulto-cuidador prejudicar o adequado desenvolvimento físico, mental e social do menor. Nem tampouco o menor deve assumir responsabilidades que não são suas. Os limites devem ser respeitados por ambos os lados.

Apesar do quadro sombrio reportado acima, pode ainda existir uma situação ainda mais perniciosa e preocupante: quando os filhos se sentem culpados pelos problemas dos seus genitores-cuidadores. Isso significa que alguns filhos podem associar seu mau desempenho na escola, seu comportamento às vezes falho, seu relacionamento com os pais, suas saídas com os amigos, como causadores da manutenção do consumo de substâncias pelos genitores-cuidadores, por vezes estabelecendo um sistema precoce de crença de que “o problema deles é o meu comportamento”.

Como os filhos podem lidar com toda essa situação

Existem algumas maneiras para driblar o problema que podem ser eficazes. Muitos filhos sentem a necessidade de ajudar seus pais problemáticos, sem os expor à Justiça.

Abaixo, sugiro algumas ações preliminares:

a) tenha amigos confiáveis. Você precisa conversar com outras pessoas da sua idade;

b) faça atividades saudáveis, como esportes, atividades artísticas;

c) verifique se não existem membros familiares que saibam do problema da sua mãe e que estejam dispostos a ajudar;

d) algumas instituições podem ser fontes seguras e equilibradas para ajudar; por exemplo, membros da Igreja, da escola, da própria comunidade em que você mora.

 

Dadas estas sugestões, vale a pena ressaltar alguns outros pontos:

a) a culpa do problema do uso de drogas pelos pais não é sua;

b) não é fácil encontrar pessoas realmente dispostas a ajudar; todavia, elas existem;

c) não é fácil confiar em terceiros; todavia, pastores, professores, membros da comunidade podem ser fontes confiáveis e ponderadas;

d) se puder, escreva sobre os seus sentimentos;

e) tentar ajudar CORRETAMENTE um ente querido não é trair a confiança que este depositou em você. Tentar ajudar é uma forma de validar o seu afeto pelo doente.

 

Receba meu abraço.

 

Referências

Hussong AM, Cai L, Curran PJ, Flora DB, Chassin LA, Zucker RA. Disaggregating the distal, proximal, and time-varying effects of parent alcoholism on children’s internalizing symptoms. J Abnorm Child Psychol. 2008;36(3):335-46.

Solis JM, Shadur JM, Burns AR, Hussong AM. Understanding the diverse needs of children whose parents abuse substances. Curr Drug Abuse Rev. 2012;5(2):135-47.

Straussner SLA, Fewell CH. A review of recent literature on the impact of parental substance use disorders on children and the provision of effective services. Curr Opin Psychiatr. 2018;31(4):363-7.

Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

 

Artigo Original

 

Danilo Antonio Baltieri

Médico psiquiatra. Mestre e Doutor em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade. Currículo Lattes.

 

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