Vício em jogos online, veja no final do post como tratar; dicas para ficar longe do celular e computador; o que está por trás desse vício e os prejuízos decorrentes
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“Sinto a minha vida profissional sem saída, estou falido, quase ficando idoso. Tentei tratamento psiquiátrico com medicação antidepressiva por sete meses não deu certo. Acabei ficando viciado em oráculos online como I Ching, tarô e videntes que tiram cartas online. Tenho uma sensação de medo, pânico, frio na barriga e ansiedade que diminuem quando os oráculos dão um prognóstico bom. Isso vale por algumas horas e depois preciso voltar a consultar novamente para aliviar o sentimento de medo e opressão. O que preciso fazer para sair desse ‘quadrado’?”
Resposta
Jogos online podem consistir em atividades desempenhadas de forma automática e corriqueira, à medida que são utilizados em quaisquer ambientes e momentos, sem chamar muito a atenção de terceiros.
Muitas vezes, entrar em jogos online não demanda adaptação de horário, pode ocorrer a qualquer momento sem a necessidade do jogador se esconder, e nenhuma pressão externa ou resposta negativa do ambiente social pode ser sentida pelo jogador.
Quando a prática de jogos online torna-se incontrolável, manifestada pela necessidade do indivíduo de jogar para se sentir bem ou mesmo aliviado, estamos diante de um problema. E a Internet oferece-nos uma miríade de possibilidades de jogos, incluindo aqueles que deprecam ou não apostas financeiras e aqueles que exigem um pagamento para que o jogador possa manter-se na plataforma. Jogar compulsivamente significa que o jogador está arriscando algo de valor na sua vida na esperança de obter algo gratificante e prazeroso.
Da mesma forma como ocorre com o abuso de substâncias psicoativas, o sistema de recompensa cerebral é ativado entre os jogadores contumazes. Infelizmente, quando o jogador prioriza a prática de algum jogo em detrimento de outras atividades importantes e necessárias na sua vida (atividades laborais, relacionais, parentais, educacionais, dentre outras), estamos diante de um problema médico que precisa ser solucionado através de tratamento médico e psicológico adequado e especializado.
Vício em jogos online: sintomas
Alguns dos sintomas mais frequentes entre os jogadores problemáticos podem ser sumarizados abaixo:
a) Ficar preocupado com o próximo jogo, deixando pouco espaço para se concentrar em outras atividades;
b) Sentir necessidade de entrar na plataforma e tornar-se progressivamente ansioso quando não consegue o acesso;
c) Tentativas várias para se controlar, parar de jogar, sem sucesso;
d) Irritabilidade quando não joga;
e) Jogar para aliviar problemas pessoais ou sentimentos de tristeza, desesperança, ansiedade ou solidão;
f) Mentir para amigos e familiares sobre quaisquer prejuízos que o jogar compulsivamente está trazendo na vida do jogador;
g) Reconhecer os prejuízos provocados pelo jogo, mas não conseguir priorizar as próprias necessidades básicas;
h) Acreditar que o jogo pode trazer benefícios para a vida, apesar das evidências em contrário.
É fato que alguns jogadores online tentar cessar o comportamento. No entanto, muitas vezes, eles voltam a jogar tão compulsivamente quanto antes, especialmente se deixaram de tratar-se a contento.
Outrossim, considerando as semelhanças entre o jogo compulsivo (jogo patológico) e as dependências químicas, a negação do problema é um denominador comum entre os jogadores, o que prejudica a busca ou mesmo a manutenção de uma terapêutica eficaz.
Da mesma forma como na grande parte dos Transtornos Psiquiátricos, os fatores causais têm sido apontados como multifacetados, comumente envolvendo fatores genéticos (poligênicos e pleiotrópicos) aliados a fatores psicossociais e ambientais.
Ansiedade e jogos online
Os sintomas de ansiedade e de depressão frequentemente se sobrepõem ao comportamento compulsivo de jogar, dando ao jogador a falsa impressão de que jogar alivia os sintomas negativos. Mas, da mesma forma, os sintomas negativos (sintomas ansiosos e depressivos) impelem o indivíduo a jogar novamente, estabelecendo um ciclo destrutivo.
É claro que grande parte daqueles que jogam através da Internet não se tornam jogadores compulsivos, nem tampouco apresentam problemas com isso. Dito isso, alguns estudos têm investigado fatores de risco que favorecem o desenvolvimento do comportamento compulsivo relacionado ao jogo.
Fatores de risco para o vício em jogos online
Abaixo, aponto alguns fatores de risco já investigados:
• Presença de Transtornos Psiquiátricos: jogadores compulsivos usualmente têm outros problemas mentais, tais como abuso de substâncias psicoativas, funcionamento interpessoal disfuncional, descontrole impulsivo, sintomas depressivos e ansiedade e hiperatividade. Cerca de 1 em cada 5 jogadores patológicos reporta ter algum Transtorno do Humor;
• Idade: Jogar compulsivamente tem sido mais comum entre pessoas jovens e na meia-idade. Acostumar-se a jogar desde cedo pode ser um notável fator de risco para um comportamento perturbador na vida adulta, visto que o jovem pode acabar associando o jogar a uma maneira de driblar situações estressantes e delicadas na sua vida;
• Sexo genético: Jogar compulsivamente parece ser mais comum entre homens. Mulheres tipicamente começam a jogar mais tardiamente; porém, elas tornam-se compulsivas mais rapidamente do que os homens.
• Influência de familiares: Ter membros familiares com problemas com jogos ou com outros comportamentos compulsivos pode colaborar para o surgimento do problema;
• Influência de algumas medicações: existem estudos mostrando que algumas medicações, especialmente aquelas que aumentam a atividade dopaminérgica, podem induzir, embora raramente, comportamentos compulsivos, inclusive o jogar compulsivamente;
• Características de personalidade: ser impulsivo com propensão ao tédio, tendência ao isolamento social e alienação têm sido apontados como fatores relacionados ao comportamento compulsivo.
Consequências do vício em jogos online
As complicações advindas do jogar compulsivamente podem ser devastadoras, à medida que o jogador vai, progressivamente, deixando de lado atividades essenciais do dia a dia. Abaixo, aponto algumas dessas complicações:
a) Problemas financeiros;
b) Pobre desempenho no trabalho, na escola;
c) Problemas de saúde física;
d) Problemas de relacionamento;
e) Aumento da sensação de desesperança e de desvalorização.
Vício em jogos online: como tratar?
Procurar um tratamento eficaz é imperativo. O primeiro passo é vencer a negação do problema e a vergonha. As fórmulas de tratamento podem variar, dependendo das características do paciente e da gravidade do quadro. Psicoterapias específicas, medicações eficazes (inclusive para o tratamento de outros Transtornos Psiquiátricos e Físicos coexistentes), grupos de mútua ajuda têm sido o tripé de um manejo adequado.
O tratamento, dependendo da gravidade do quadro, pode ser feito sob regime de ambulatório ou mesmo de internação. O grande objetivo de uma internação para estes casos é impossibilitar o acesso a qualquer jogo online, enquanto o tratamento psicoterápico especializado e o tratamento farmacológico acontecem.
Familiares e amigos tendem a ser muito importantes durante o tratamento, uma vez que eles poderão fiscalizar o seu comportamento, dar apoio, impedir a alienação e o isolamento social, reconhecer momentos gatilho (estresse, ansiedade, tristeza).
6 dicas para lidar com o vício em jogos online
Se você deseja interromper este processo destrutivo, talvez as dicas abaixo possam ser úteis. Mas lembre-se: você deve estar sob tratamento rigoroso, usualmente respeitando o tripé mencionado acima no texto.
a) Use o computador, smartphone, tablets etc apenas para trabalhar;
b) Se necessário e recomendado, use estes instrumentos sempre em ambientes em que outras pessoas conhecidas (e conhecedoras do seu problema) estejam circulando;
c) Evite entrar com o celular no banheiro ou mesmo ficar com ele no quarto, isolado;
d) Fale para você mesmo: é perigoso demais jogar. A primeira vez pode ser o início de uma sequência desastrosa;
e) Não tenha vergonha de pedir ajuda para os seus familiares e amigos;
f) Você deverá aprender as situações que o colocam em risco para jogar. Este processo de reconhecimento e manejo das situações gatilho é uma das figuras de maior destaque durante o processo terapêutico.
Não perca tempo.
Abaixo, ofereço interessante referência textual:
Mayo Clinic. Compulsive Gambling – Symptoms and Causes. Accessed at: http://www.mayoclinic.org
Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.