Teorias Implícitas e Assassinos Sexuais

“Ela sempre se sentava na frente da sala no cursinho. Era uma aparecida. Eu percebia que alguns outros rapazes olhavam para ela e ela retribuía. Algumas vezes, ela olhava para mim também. Parece que ela me desejava. Um dia, eu a vi ficando com um outro cara. Isso me deixou com muita raiva. Comecei a stalkear, descobri o endereço dela, enviava flores com bilhetes anônimos. Ela devia estar amando tudo isso… Mas a minha raiva só aumentava, especialmente quando ela e a mãe fizeram uma denúncia contra mim de crime de ameaça…”

(Anônimo)

Excerto – Justificativa Ilegítima

O discurso apresentado revela uma complexa rede de vozes e perspectivas que se entrelaçam, demonstrando como a linguagem não é neutra, mas carregada de avaliações e intenções. A fala do narrador é marcada por uma ambiguidade entre o que é explicitamente dito e o que é implicitamente revelado sobre suas ações e emoções.

Inicialmente, o narrador descreve a mulher como “uma aparecida”, termo que carrega uma conotação pejorativa, sugerindo que ela se destaca de forma exagerada. Essa escolha lexical já indica uma avaliação negativa, embora o narrador tente justificar seu interesse por ela ao mencionar que outros rapazes também a olhavam e que ela “retribuía”. Aqui, há uma tentativa de legitimar seu próprio olhar, como se o comportamento dela o autorizasse a agir de determinada maneira.

A frase “Parece que ela me desejava” é particularmente reveladora. O uso do verbo “parecer” indica uma interpretação subjetiva, não confirmada, mas tratada como verdade pelo narrador. Isso expõe uma projeção dos seus próprios desejos, atribuídos à mulher sem qualquer evidência clara. A ambiguidade entre o que é real e o que é imaginado pelo narrador já aponta para uma distorção da realidade, típica de um discurso monológico, em que a voz do outro (a mulher) não é verdadeiramente ouvida, mas sim interpretada de forma unilateral.

O relato do ciúme e da raiva ao ver a mulher com outro homem intensifica a carga emocional do discurso. A expressão “Isso me deixou com muita raiva” não é acompanhada por qualquer reflexão crítica sobre a própria reação, o que demonstra uma ausência de autocrítica. Em vez disso, o narrador passa a descrever ações cada vez mais invasivas, como o stalking, o envio de flores e bilhetes anônimos. Curiosamente, ele afirma: “Ela devia estar amando tudo isso…”, novamente projetando uma reação positiva da mulher, sem qualquer base concreta. Essa fala revela uma completa negação da autonomia e dos sentimentos reais dela, substituídos por uma narrativa construída pelo próprio narrador.

Por fim, a menção à denúncia por crime de ameaça introduz uma voz externa que contradiz a narrativa do narrador: a da mulher e da mãe, que interpretam suas ações como perigosas. Essa fala alheia, no entanto, é mencionada apenas como um obstáculo à sua própria perspectiva, sem que ele demonstre qualquer reconhecimento da legitimidade do medo ou do direito delas à proteção.

A análise dialógica evidencia que o discurso do narrador é marcado por uma forte subjetividade, em que a voz do outro é distorcida ou ignorada. Sua linguagem revela uma tentativa de controlar a narrativa, justificando ações abusivas através de projeções e interpretações unilaterais. A polifonia, ou a multiplicidade de vozes, fica evidente no conflito entre a perspectiva do narrador e a realidade imposta pela denúncia, mostrando como o discurso não é apenas um relato, mas um campo de batalha de significados e intenções.

De um ponto de vista sonoro, o discurso revela uma progressão perturbadora, marcada por uma sonoridade que acompanha a escalada emocional do narrador. Inicialmente, há uma descrição aparentemente banal de uma colega de cursinho, com frases curtas e diretas que denotam uma observação superficial. A repetição do pronome “ela” e a insistência em detalhes como a posição na sala e as trocas de olhares criam uma atmosfera de obsessão crescente.

A partir do momento em que o narrador interpreta os olhares da moça como desejo, o tom se torna mais carregado. A frase “Parece que ela me desejava” introduz uma nota de fantasia e autoengano. A sonoridade se adensa com a revelação de que ela ficou com outro, desencadeando uma explosão de raiva.

O stalking é descrito de forma fria, com frases curtas que minimizam a gravidade da ação. A sonoridade se torna ainda mais perturbadora com a menção das flores e bilhetes anônimos, revelando uma tentativa de controle e manipulação. A frase “Ela devia estar amando tudo isso…” demonstra uma completa desconexão com a realidade e uma incapacidade de reconhecer o sofrimento da vítima.

O discurso culmina com a denúncia, marcando o fracasso do narrador em controlar a situação. A sonoridade se torna amarga e ressentida, revelando a frustração e a raiva que o consumiam. A menção ao “crime de ameaça” explicita a gravidade das ações do narrador e a sua total falta de remorso. Em suma, a sonoridade do discurso acompanha a progressão da obsessão, da fantasia e da violência.

Introdução

As teorias explicativo-causais para os comportamentos sexuais ofensivos têm sido amplamente debatidas na literatura científica, buscando-se compreender as causas subjacentes a tais comportamentos e oferecer bases para intervenções eficazes. Uma das primeiras teorias multifatoriais, proposta por Finkelhor (1984), é o Modelo das Pré-Condições, que identifica quatro fatores necessários para a ocorrência do abuso sexual infantil: motivação para abusar, superação de inibições internas, superação de barreiras externas e superação da resistência da vítima. Esse modelo destaca a interação entre fatores psicológicos, situacionais e sociais, oferecendo uma estrutura abrangente para entender o fenômeno.

Outra teoria significativa é a Teoria Integrada de Marshall e Barbaree (1990), que enfatiza a interação entre vulnerabilidades desenvolvimentais, como experiências de abusos na infância, e fatores contextuais, como a perda de controle inibitório devido ao estresse ou ao abuso de substâncias. Segundo os autores, a convergência desses fatores pode levar a distorções cognitivas e à justificativa de comportamentos sexuais ofensivos. Essa perspectiva ressalta a importância de abordagens terapêuticas que trabalhem tanto as questões emocionais quanto as cognitivas.

Hall e Hirschman (1991) propuseram o Modelo Quadripartite, que identifica quatro componentes principais na etiologia do comportamento sexual ofensivo: excitação sexual, distorções cognitivas, afeto negativo e problemas de personalidade. Cada componente pode predominar em diferentes indivíduos, sugerindo a necessidade de intervenções personalizadas. Por exemplo, para aqueles cujo principal fator é a excitação sexual, terapias focadas no controle de impulsos podem ser mais eficazes, enquanto para aqueles com distorções cognitivas, a reestruturação cognitiva é essencial.

Ward e Siegert (2002) avançaram com o Modelo dos Caminhos, que descreve cinco vias distintas que levam ao abuso sexual infantil: disfunção emocional, distorções cognitivas, desregulação de impulsos, preferências sexuais desviantes e esquemas de intimidade inadequados. Esse modelo reconhece a heterogeneidade dos ofensores e sugere que diferentes trajetórias requerem abordagens terapêuticas específicas, como treinamento em habilidades sociais para aqueles com problemas de intimidade.

Malamuth (1998), por sua vez, desenvolveu o Modelo de Confluência, que integra fatores de hostilidade masculina e promiscuidade sexual como preditores de agressão sexual. Sua pesquisa demonstra que a combinação desses traços aumenta significativamente o risco de comportamentos sexuais ofensivos, destacando a importância de intervenções que abordem atitudes misóginas e padrões de sexualização precoce.

A perspectiva evolucionista, discutida por autores como Thornhill e Palmer (2000), oferece uma explicação baseada na seleção natural, sugerindo que certos comportamentos agressivos podem ter sido adaptativos em contextos ancestrais. No entanto, essa abordagem é controversa, pois pode ser interpretada como uma justificativa biológica para comportamentos inaceitáveis na sociedade contemporânea. Críticos argumentam que ela negligencia o papel da cultura e da agência individual na modulação do comportamento.

Além dessas teorias multifatoriais, existem abordagens focadas em fatores específicos, como as distorções cognitivas (Abel et al., 1989), que destacam como os ofensores distorcem a realidade para justificar suas ações, e as teorias de empatia deficiente (Marshall et al., 1995), que enfatizam a incapacidade de compreender o sofrimento da vítima. Outras teorias exploram déficits de intimidade (Seidman et al., 1994) e preferências sexuais desviantes (Seto, 2008), cada uma contribuindo para uma compreensão mais diversificada do fenômeno.

No âmbito feminista, teóricas como Herman (1981) e Kelly (1988) argumentam que o abuso sexual é uma expressão do poder patriarcal, enraizado em desigualdades de gênero. Essa perspectiva destaca a necessidade de intervenções sociais mais amplas, além do tratamento individual, para combater estruturas opressivas.

Por fim, as Teorias Implícitas (Ward, 2000) sugerem que os ofensores sexuais desenvolvem crenças cravadas sobre sexualidade, poder e relacionamentos, que orientam seu comportamento. Essas crenças, muitas vezes rígidas e distorcidas, são aprendidas ao longo da vida e podem ser modificadas por meio de terapias que promovam a reflexão crítica e a reestruturação cognitiva. Essa abordagem ressalta a importância de explorar os significados pessoais atribuídos às experiências, oferecendo uma ponte entre as dimensões cognitivas e emocionais do comportamento ofensivo.

As Teorias Implícitas

As teorias implícitas desempenham um papel fundamental na compreensão da cognição e do comportamento de assassinos sexuais, particularmente no que diz respeito às suas crenças distorcidas e aos esquemas mentais que sustentam as suas ações ofensivas. De acordo com Ward (2000b), os assassinos sexuais, incluindo os agressores sexuais seriais, operam com base em esquemas cognitivos profundamente enraizados, conhecidos como “teorias implícitas”, que distorcem a sua interpretação do mundo social, especialmente no que se refere às mulheres e às interações sexuais. Estas teorias implícitas são desenvolvidas ao longo do tempo, muitas vezes como resultado de experiências desfavoráveis na infância, e tornam-se altamente resistentes à mudança, influenciando de forma significativa o processamento da informação e o comportamento subsequente.

Polaschek e Gannon (2004) identificaram cinco conjuntos principais de teorias implícitas que caracterizam os agressores sexuais: (1) “mulheres como objetos sexuais”, que reflete a crença de que as mulheres são sexualmente disponíveis e receptivas a avanços sexuais, independentemente do seu consentimento; (2) “mulheres como perigosas”, que descreve a visão de que as mulheres são enganadoras, malévolas e impossíveis de compreender; (3) “direito adquirido”, que engloba crenças da supremacia masculina e controle sobre as mulheres; (4) “o mundo como perigoso”, que retrata o mundo como um lugar hostil e ameaçador; e (5) “incontrolabilidade”, que justifica a incapacidade de controlar impulsos sexuais ou agressivos. Estas teorias internalizadas pelos agressores sexuais não apenas distorcem a percepção da realidade, mas também servem para legitimar e justificar comportamentos violentos, criando um ciclo de interpretações enviesadas e ações ofensivas.

As repercussões destas teorias implícitas são vastas e profundas. Em primeiro lugar, elas contribuem para a manutenção de padrões de comportamento violento, uma vez que os assassinos sexuais interpretam as interações sociais de forma a confirmar as suas crenças distorcidas. Por exemplo, estudos como os de Malamuth e Brown (1994) demonstram que homens sexualmente agressivos tendem a interpretar a rejeição das mulheres como sedução, reforçando a teoria implícita de que as mulheres são perigosas ou enganadoras. Esta ideia arraigada não só precipita a agressão sexual, como também dificulta a reintegração social destes indivíduos, uma vez que as suas crenças estão profundamente radicadas e são resistentes à mudança.

Além disso, as teorias implícitas têm implicações significativas para o tratamento e a reabilitação de assassinos sexuais. Tradicionalmente, as abordagens terapêuticas centravam-se na modificação de distorções cognitivas através de técnicas cognitivo-comportamentais. No entanto, a natureza entrincheirada das crenças exige intervenções mais profundas e personalizadas. O modelo de autorregulação de Ward e Hudson (1998), por exemplo, propõe uma abordagem diferenciada que considera os diversos caminhos que levam à reincidência, reconhecendo que os assassinos sexuais podem ter objetivos distintos e estratégias de autorregulação variadas. Este modelo destaca a importância de adaptar o tratamento às necessidades específicas de cada indivíduo, considerando as suas teorias implícitas e os mecanismos subjacentes ao seu comportamento ofensivo.

Outra repercussão relevante é o impacto destas teorias implícitas na avaliação de risco. A compreensão das crenças distorcidas dos assassinos sexuais permite aos profissionais identificar fatores dinâmicos de risco, como a hostilidade em relação às mulheres ou a aceitação de mitos sobre tal violação, que podem prever a reincidência. Instrumentos como o SONAR (Sex Offender Need Assessment Rating), desenvolvido por Hanson e Harris (2000), incorporam estas dimensões cognitivas para avaliar mudanças no nível de risco ao longo do tempo. Contudo, a falta de instrumentos específicos para assassinos sexuais, em contraste com outros tipos de ofensores sexuais, continua a ser uma lacuna na literatura, como destacado por Polaschek e Hudson (2004).

Por fim, as teorias implícitas também têm implicações para a prevenção da violência sexual. A desconstrução de mitos sobre violação e a promoção de atitudes saudáveis em relação às mulheres e ao consentimento sexual são estratégias essenciais para prevenir comportamentos agressivos. Programas educativos que abordam estas questões desde a adolescência podem ajudar a contrariar o desenvolvimento de crenças distorcidas, reduzindo assim o risco de futuras ofensas.

De fato, as teorias implícitas dos assassinos sexuais representam um componente central na compreensão da etiologia e na manutenção do comportamento violento. As suas repercussões estendem-se desde a avaliação e tratamento até à prevenção, destacando a necessidade de intervenções baseadas em evidências e adaptadas às características individuais dos ofensores.

Teorias Implícitas e Distorções Cognitivas: Diferenças e Semelhanças na Compreensão da Cognição de Ofensores Sexuais

As teorias implícitas e as distorções cognitivas são conceitos centrais na psicologia, especialmente no estudo da cognição e do comportamento de ofensores sexuais. Embora frequentemente discutidos em conjunto, esses construtos possuem características distintas, mas complementares, que influenciam a forma como os indivíduos interpretam e justificam as suas ações. Compreender as suas diferenças e semelhanças é essencial para o desenvolvimento de intervenções clínicas eficazes, particularmente no contexto da reabilitação de agressores sexuais.

Definições e Características das Teorias Implícitas

As teorias implícitas, conforme propostas por Ward (2000b), referem-se a esquemas cognitivos profundamente enraizados que funcionam como lentes através das quais os indivíduos interpretam informações sociais. No contexto da agressão sexual, essas teorias são sistemas de crenças organizadas que os ofensores desenvolvem para explicar e justificar seu comportamento. Por exemplo, Polaschek e Gannon (2004) identificaram cinco teorias implícitas comuns entre violadores, como “mulheres como objetos sexuais” e “o mundo como um lugar perigoso”. Essas crenças são formadas ao longo do tempo, muitas vezes como resultado de experiências adversas na infância, e tornam-se altamente resistentes à mudança, moldando a percepção da realidade de maneira consistente e duradoura.

Por outro lado, as distorções cognitivas são pensamentos automáticos e irracionais que distorcem a interpretação de eventos específicos, servindo para justificar ou minimizar comportamentos inadequados. Abel et al. (1989) descrevem-nas como mecanismos de neutralização que os ofensores sexuais utilizam para racionalizar suas ações, como a crença de que “a vítima gostou” ou que “não causou realmente dano”. Ao contrário das teorias implícitas, que são estruturas cognitivas amplas e estáveis, as distorções cognitivas são mais pontuais e situacionais, frequentemente acionadas para reduzir a dissonância cognitiva após um comportamento transgressor.

Semelhanças entre Teorias Implícitas e Distorções Cognitivas

Ambos os conceitos compartilham a função de sustentar comportamentos desadaptativos, permitindo que os ofensores mantenham suas ações sem confrontar sua moralidade ou as consequências para as vítimas. Tanto as teorias implícitas quanto as distorções cognitivas são alvos centrais na terapia cognitivo-comportamental (TCC) para ofensores sexuais, onde o objetivo é desafiar e modificar essas cognições para reduzir o risco de reincidência (Marshall et al., 1999). Além disso, ambos os construtos estão enraizados em processos de interpretação enviesada da realidade, facilitando a manutenção de padrões de comportamento violento.

Diferenças entre Teorias Implícitas e Distorções Cognitivas

A principal diferença entre os dois conceitos reside na sua abrangência e estabilidade. As teorias implícitas são sistemas de crenças amplos e estáveis, semelhantes a teorias pessoais sobre como o mundo funciona, enquanto as distorções cognitivas são manifestações pontuais e frequentemente conscientes dessas crenças. Por exemplo, um ofensor que acredita implicitamente que “mulheres são perigosas” (uma teoria implícita) pode, em situações específicas, distorcer a rejeição de uma vítima como “ela está tentando me enganar” (uma distorção cognitiva).

Outra diferença significativa está na sua origem. As teorias implícitas são formadas através de experiências de vida prolongadas e adversas, enquanto as distorções cognitivas surgem como respostas imediatas a situações de conflito ou culpa. Essa distinção tem implicações importantes para o tratamento. Intervenções que visam apenas as distorções cognitivas podem não ser suficientes para alterar crenças nucleares profundamente enraizadas, como as teorias implícitas.

Um Modelo Integrativo de Causalidade para Comportamentos Sexualmente Ofensivos: Uma Síntese Teórica

A compreensão dos comportamentos sexuais ofensivos exige uma abordagem multifatorial que considere variáveis biológicas, psicológicas, sociais e culturais. Proponho aqui um modelo de causalidade, integrando as principais teorias existentes, para explicar como esses fatores interagem ao longo do desenvolvimento do indivíduo, culminando em atos de violência sexual.

1. Vulnerabilidades Desenvolvimentais e a Formação de Esquemas Disfuncionais
O modelo parte da premissa de que experiências adversas na infância – como abuso, negligência ou exposição à violência – criam vulnerabilidades que moldam a estrutura cognitiva e emocional do indivíduo (Marshall & Barbaree, 1990). Essas experiências podem levar à formação de esquemas disfuncionais (Ward & Siegert, 2002), tais como:

    • Déficits de empatia, onde a capacidade de reconhecer o sofrimento alheio é prejudicada (Marshall et al., 1995);

    • Crenças distorcidas sobre sexualidade e poder, que justificam a exploração (Abel et al., 1989; Ward, 2000);

    • Dificuldades de intimidade, resultando em padrões relacionais desorganizados (Seidman et al., 1994).

Esses esquemas são reforçados por ambientes disfuncionais, onde modelos de dominação masculina e objetificação feminina são normalizados (Herman, 1981; Kelly, 1988).

2. Fatores de Desregulação Emocional e Comportamental
À medida que o indivíduo se desenvolve, essas vulnerabilidades interagem com fatores de desregulação:

  • Afeto negativo crônico (Hall & Hirschman, 1991), como raiva ou depressão, que reduz a capacidade de autocontrole;

  • Disfunções na modulação de impulsos, especialmente em situações de estresse ou sob influência de substâncias psicoativas (Marshall & Barbaree, 1990);

  • Padrões de excitação sexual desviante, que podem ser aprendidos ou, por exemplo, exacerbados por exposição à pornografia violenta (Malamuth, 1998; Seto, 2008).

Nessa fase, o indivíduo pode começar a usar fantasias sexuais agressivas como mecanismo de escape, reforçando ainda mais suas distorções cognitivas (Ward, 2000).

3. Contextos Facilitadores e a Quebra de Barreiras
Para que o comportamento ofensivo ocorra, no entanto, é necessário que fatores contextuais atuem como facilitadores (Finkelhor, 1984):

  • Oportunidade e acesso a vítimas vulneráveis (superação de barreiras externas);

  • Processos de neutralização moral, onde o agressor minimiza a gravidade de seus atos (Abel et al., 1989);

  • Falta de supervisão ou sistemas de controle social ineficazes, especialmente em culturas que perpetuam a impunidade (Kelly, 1988).

4. A Confluência de Fatores de Risco
O modelo proposto incorpora ainda a perspectiva evolucionista (Thornhill & Palmer, 2000) como um pano de fundo biológico, não como justificativa, mas como reconhecimento de que certas predisposições (e.g., agressividade sexual em contextos de competição) podem ser exacerbadas em ambientes que as reforçam culturalmente. No entanto, essa influência é mediada por fatores psicossociais – ou seja, a biologia não determina o comportamento, mas interage com aprendizagens distorcidas.

5. O Papel das Teorias Implícitas na Manutenção do Comportamento

Por fim, as teorias implícitas (Ward, 2000) atuam como um filtro cognitivo que sustenta o ciclo ofensivo:

    • Crenças como “crianças podem consentir” ou “mulheres desejam ser dominadas” servem para racionalizar a agressão;

    • Essas crenças são reforçadas por grupos sociais que compartilham visões similares (Malamuth, 1998);

    • Sem intervenção, esse sistema de crenças se torna autossustentável, dificultando a mudança.

Este modelo não segue uma causalidade linear, mas simdinâmica e circular: vulnerabilidades iniciais interagem com processos cognitivos, emocionais e contextuais, criando um ciclo que se retroalimenta.

Teorias Implícitas em Assassinos Sexuais

As Teorias Implícitas (TIs) presentes em assassinos sexuais são um tema crucial para a compreensão dos processos cognitivos que sustentam comportamentos violentos e sexualmente agressivos. O estudo de Beech, Fisher e Ward (2005) investigou as TIs em 28 assassinos sexuais, identificando cinco categorias principais que também são encontradas em estupradores, sugerindo que esses grupos compartilham estruturas cognitivas semelhantes. Essas TIs funcionam como lentes distorcidas através das quais os indivíduos interpretam o mundo, justificam suas ações e orientam seu comportamento criminoso.

A primeira TI identificada foi a do “mundo perigoso”, presente em 79% dos casos. Nessa teoria, os assassinos sexuais percebem o mundo como hostil e ameaçador, acreditando que outras pessoas são intrinsecamente abusivas ou mal-intencionadas. Essa visão justifica a adoção de estratégias de retaliação e dominação, como forma de se proteger ou de “punir” aqueles que são percebidos como ameaças. Por exemplo, alguns entrevistados relataram que seus crimes foram motivados por raiva acumulada devido a experiências passadas de abuso ou rejeição, transferindo essa dor para suas vítimas como uma forma de vingança (Beech et al., 2005). Essa TI está frequentemente associada a crimes caracterizados por violência extrema e excessiva, como mutilações e ataques repetidos.

A segunda TI, “o impulso sexual masculino é incontrolável”, foi identificada em 71% dos casos. Nessa perspectiva, os indivíduos acreditam que seus desejos e fantasias sexuais são irresistíveis e que as mulheres têm um papel central na perda de controle. Essa teoria externaliza a responsabilidade pelo crime, atribuindo-a a fatores como a vítima ou ao ambiente (por exemplo, consumo de álcool). Alguns entrevistados descreveram fantasias sádicas que se tornaram tão compulsivas que culminaram em assassinatos, evidenciando uma fusão entre violência e excitação sexual (Beech et al., 2005). Essa TI é particularmente relevante para crimes premeditados, nos quais o assassino planeja meticulosamente o ataque para satisfazer suas fantasias.

A terceira TI, “direito adquirido”, foi encontrada em 43% dos casos. Nela, os assassinos sexuais acreditam que têm o direito de satisfazer seus desejos sexuais, independentemente da vontade da vítima. Essa teoria reflete uma superioridade baseada em gênero ou status social, onde as necessidades do agressor são consideradas mais importantes do que as da vítima. Por exemplo, alguns entrevistados justificaram seus crimes afirmando que as vítimas, especialmente prostitutas ou ex-parceiras, “os provocaram” ou “os rejeitaram”, legitimando assim a agressão como uma resposta “justa” (Beech et al., 2005).

A quarta TI, “mulheres como objetos sexuais”, apareceu em 32% dos casos. Nessa visão, as mulheres são reduzidas a meros instrumentos de prazer sexual, sem autonomia ou desejos próprios. Os agressores relataram expectativas irreais de disponibilidade sexual, interpretando comportamentos cotidianos como sinais de interesse. Quando essas expectativas não eram atendidas, a frustração frequentemente resultava em violência. Um entrevistado descreveu suas relações com mulheres como apostas sobre “quantas poderiam ser conquistadas”, ilustrando a desumanização presente nessa TI (Beech et al., 2005).

Por fim, a TI “mulheres são indescritíveis” foi a menos frequente (18% dos casos). Nela, as mulheres são vistas como seres enigmáticos e deliberadamente enganadoras, que manipulam os homens para causar sofrimento. Essa teoria alimenta sentimentos de inadequação e raiva, levando a agressões como forma de “punir” a vítima por sua suposta manipulação. Um entrevistado descreveu seu crime como uma forma de “humilhar” a vítima tanto quanto ele havia sido humilhado no passado (Beech et al., 2005).

O estudo também identificou três grupos distintos com base na combinação das TIs “mundo perigoso” e “impulso sexual incontrolável”. O Grupo 1, que apresentava ambas as TIs, era motivado por fantasias sádicas e exibia violência extrema, muitas vezes contra vítimas desconhecidas. O Grupo 2, com apenas a TI “mundo perigoso”, agia por raiva e ressentimento, direcionando sua violência principalmente contra conhecidos. Já o Grupo 3, com apenas a TI “impulso sexual incontrolável”, cometia crimes para evitar a detecção, com menos violência excessiva (Beech et al., 2005).

As implicações dessas descobertas para o tratamento são significativas. Intervenções focadas em esquemas cognitivos podem ser eficazes para desafiar e modificar essas TIs. Para o Grupo 1, é essencial combater fantasias sexuais violentas e a percepção de um mundo hostil. O Grupo 2 requer abordagens para lidar com a raiva e o ressentimento, enquanto o Grupo 3 precisa de estratégias para controlar impulsos sexuais e evitar recaídas (Beech et al., 2005).

As Teorias Intrínsecas (TIs) em assassinos sexuais revelam padrões cognitivos profundamente enraizados que justificam e perpetuam comportamentos violentos. A semelhança com as TIs de estupradores sugere que intervenções terapêuticas semelhantes podem ser aplicadas a ambos os grupos, embora adaptadas às motivações específicas de cada perfil. Pesquisas futuras poderiam explorar como essas TIs se desenvolvem ao longo da vida, oferecendo insights para estratégias de prevenção primária.

Implicações para o Tratamento

O modelo de autorregulação de Ward e Hudson (1998) enfatiza a necessidade de abordar não apenas os pensamentos distorcidos no momento do crime, mas também os esquemas cognitivos subjacentes que os alimentam. Da mesma forma, o modelo Integrado de Ward e Beech (2006) destaca a interação entre fatores biológicos, ecológicos e neuropsicológicos na formação dessas estruturas cognitivas, sugerindo que intervenções eficazes devem ser multifacetadas.

Embora teorias implícitas e distorções cognitivas estejam interligadas e ambas contribuam para comportamentos ofensivos, elas diferem em termos de abrangência, estabilidade e origem. Reconhecer essas diferenças é crucial para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais precisas e eficazes, que não apenas desafiem justificativas imediatas, mas também transformem as crenças nucleares que sustentam padrões recorrentes de violência.

Uma Revisão de Estudos Publicados sobre Teorias Implícitas e Assassinos Sexuais

Método

Buscamos artigos sobre a temática ‘Teoria Implícita e Assassinos Sexuais’ objetivando aperfeiçoar os achados dessa revisão.

Embora não tenham sido aplicadas restrições geográficas, os estudos selecionados tiveram que ser escritos em português, inglês ou espanhol.

Utilizou-se a seguinte expressão, com ajustes necessários em cada banco de dados: TI (“Teorias Implícitas”) E TI (“Assassinos Sexuais” OU “Assassinato Sexual” OU “Assassinos Sexuais” OU “Assassinato por Luxúria” OU “Assassinos por Luxúria”).

Procuramos estudos publicados nas plataformas EBSCO, PubMed e Web of Science. Além disso, uma busca manual foi realizada para identificar mais artigos/teses relacionados com o tema específico.

A busca centrou-se nos títulos e resumos dos artigos identificados.

Resultados

A busca resultou em 52 artigos publicados; no entanto, apenas 02 comentavam sobre “Teorias Implícitas” E “Assassinos Sexuais” no seu conteúdo e/ou resumo. Isso nos fez inserir mais outros 07 artigos que versavam sobre “Teorias Implícitas” E “Agressores Sexuais” objetivando ampliar os tipos então descritos de Teorias Implícitas.

Artigo 1.

McCartan, K. F. (2010). Student/trainee-professional implicit theories of paedophilia. Psychology, Crime & Law, 16(4), 265–288.

O estudo de McCartan (2010) investiga as teorias implícitas de estudantes e profissionais em formação sobre a pedofilia, explorando como essas percepções são construídas e quais fatores as influenciam. As teorias implícitas são entendidas como concepções internalizadas e muitas vezes inconscientes que os indivíduos desenvolvem sobre fenômenos sociais, como a pedofilia, moldadas por experiências pessoais, exposição midiática e conhecimento profissional.

O trabalho se baseia no modelo da dupla hermenêutica (Giddens, 1991), que explica como o conhecimento vindo de fora (teorias explícitas) é absorvido pelo público, influenciando suas percepções e contribuindo para a construção de teorias implícitas. Além disso, dialoga com a teoria do pânico moral (Cohen, 2003), que enxerga a pedofilia como um fenômeno amplificado socialmente, gerando estereótipos e reações exageradas. A teoria do gerenciamento do terror também é mencionada, sugerindo que o pânico moral pode funcionar como um mecanismo de enfrentamento diante de ameaças sociais.

A metodologia adotada neste artigo incluiu dois estudos. O Estudo 1 utilizou questionários abertos com 60 participantes para identificar suas percepções sobre a personalidade e os comportamentos típicos de pedófilos. Já o Estudo 2 ampliou a amostra para 188 participantes, aplicando escala tipo Likert para medir teorias implícitas, atitudes em relação à mídia e traços de personalidade e coping. A análise fatorial revelou fatores como personalidade patológica, comportamentos abusivos e características do segredo e manipulação associadas aos pedófilos.

Entre os principais achados, destaca-se que os participantes tendem a enxergar os pedófilos como degenerados sexuais, abusivos e com transtornos mentais, reforçando estereótipos amplamente difundidos. Além disso, predominou a visão de que pedófilos são majoritariamente homens, com pouca menção a mulheres agressoras. Em relação aos comportamentos, foram associados tanto características predatórias (como grooming e manipulação) quanto distorções cognitivas (como a crença de que as crianças consentem ou que o abuso é uma forma de amor).

A mídia mostrou-se uma influência significativa, ainda que os participantes muitas vezes negassem seu impacto direto. Notícias sensacionalistas contribuem para a construção de uma imagem monstruosa do pedófilo, reforçando o pânico moral. Contudo, o estudo não encontrou correlações fortes entre traços de personalidade (como neuroticismo) e as teorias implícitas, contrariando a hipótese de que o pânico moral seria uma estratégia de coping.

Uma conclusão relevante é que, apesar dos estereótipos, os participantes demonstraram certa consciência da heterogeneidade dos pedófilos, reconhecendo que nem todos são violentos ou claramente identificáveis. Isso sugere que o conhecimento profissional, ainda que filtrado, influencia as percepções de forma mais complexa do que o senso comum.

O estudo ressalta a necessidade de educação pública e abordagens midiáticas mais equilibradas para combater estigmas e promover um entendimento mais científico do fenômeno. Em suma, as teorias implícitas sobre pedofilia refletem tanto estereótipos sociais quanto nuances de conhecimento especializado, evidenciando a importância de disseminar informações precisas e combater representações sensacionalistas.

Artigo 2.

Ward, T., Keenan, T., & Hudson, S. M. (2000). Understanding cognitive, affective, and intimacy deficits in sexual offenders: A developmental perspective. Aggression and Violent Behavior, 5(1), 41–62.

Este artigo oferece uma perspectiva inovadora ao integrar os diversos déficits apresentados por agressores sexuais – incluindo assassinos – sob o marco teórico da Teoria da Mente (ToM). Os autores partem do pressuposto de que as dificuldades desses indivíduos nos domínios cognitivo, afetivo e relacional podem ser compreendidas como manifestações de uma capacidade prejudicada de inferir estados mentais em si mesmos e nos outros.

No cerne dessa abordagem está o conceito da Teoria da Mente, entendida como a habilidade de atribuir crenças, desejos, intenções e emoções para explicar e prever comportamentos. Quando essa capacidade apresenta falhas, seja por deficiências estruturais ou situacionais, surgem os padrões disfuncionais característicos dos agressores sexuais. Os déficits de empatia, por exemplo, se manifestam na incapacidade de reconhecer adequadamente as emoções das vítimas, levando a interpretações distorcidas – como confundir medo com surpresa ou interpretar gestos amistosos como convites sexuais.

A dimensão relacional também é profundamente afetada. Muitos agressores apresentam históricos marcados por isolamento social, relacionamentos superficiais e uma solidão crônica, padrões que os autores vinculam a estilos de apego inseguro desenvolvidos na infância. Essas dificuldades de intimidade frequentemente se expressam através de uma sexualização das necessidades afetivas, onde o contato sexual substitui a conexão emocional genuína.

No campo cognitivo, as distorções típicas desses indivíduos – como a crença de que crianças desejam relações sexuais com adultos ou que mulheres “secretamente querem” ser violentadas – são reinterpretadas como falhas, de acordo com a teoria da mente. Essas distorções não seriam meras racionalizações pós-delito, mas sim produtos de teorias implícitas profundamente arraigadas sobre como funcionam as mentes alheias.

O modelo proposto diferencia dois tipos principais de déficits: os estáveis (trait-like), relacionados às falhas na própria estrutura da teoria da mente, frequentemente associados a históricos de abuso e negligência na infância; e os situacionais (state-like), que emergem em condições específicas como estresse emocional ou intoxicação. Essa distinção tem implicações clínicas importantes, sugerindo que intervenções devem ser adaptadas à natureza dos déficits de cada indivíduo.

Os autores destacam ainda a heterogeneidade entre os agressores. Enquanto alguns, como os pedófilos “preferenciais”, desenvolvem teorias da mente distorcidas mas sofisticadas o suficiente para manipular vítimas, outros apresentam falhas mais básicas e generalizadas. Essa variação exige abordagens terapêuticas diferenciadas, que vão desde o treinamento específico de habilidades de mentalização até estratégias de regulação emocional.

Ao integrar essas diversas linhas de evidência sob o marco unificador da teoria da mente, o artigo oferece não apenas uma explicação coerente para os padrões observados em agressores sexuais, mas também um roteiro para pesquisas futuras e intervenções mais precisas. A ênfase no desenvolvimento infantil ressalta a importância de fatores precoces na formação desses déficits, enquanto a distinção entre falhas estruturais e situacionais aponta para caminhos distintos de prevenção e tratamento.

Artigo 3.

Ward, T. (2000). Sexual offenders’ cognitive distortions as implicit theories. Aggression and Violent Behavior, 5(5), 491–507.

Este artigo propõe que as distorções cognitivas de agressores sexuais, incluindo assassinos, emergem de teorias implícitas subjacentes sobre suas vítimas. Essas teorias funcionam como estruturas coerentes e interligadas, semelhantes a teorias científicas, utilizadas para explicar e prever comportamentos. O autor argumenta que as distorções não são crenças isoladas, mas sim produtos de teorias mal adaptadas que atribuem intenções, desejos e características específicas às vítimas, legitimando assim o comportamento abusivo.

O modelo teórico apresentado baseia-se na ideia de que as teorias implícitas são adquiridas durante o desenvolvimento infantil, moldadas por experiências adversas, como abuso ou negligência. Essas teorias persistem na vida adulta e são resistentes a mudanças devido à sua coerência interna e à falta de alternativas conceituais mais adaptativas. O artigo destaca dois tipos principais de teorias implícitas: as que enfatizam a natureza fixa e incontrolável dos comportamentos (teorias da incontrolabilidade) e as que veem o mundo como perigoso e hostil (teorias de mundo perigoso). Essas teorias influenciam a forma como os agressores interpretam evidências, frequentemente distorcendo-as para se alinharem às suas crenças pré-existentes.

Metodologicamente, o estudo revisa pesquisas em psicologia do desenvolvimento, cognitiva e da personalidade para sustentar a aplicação do conceito de teorias implícitas a agressores sexuais. O autor utiliza exemplos de distorções cognitivas comuns, como a crença de que “crianças iniciam e desejam contato sexual” ou que “mulheres são inerentemente enganosas”, para ilustrar como essas teorias moldam a percepção e o comportamento dos agressores. Além disso, o artigo diferencia agressores sexuais (como estupradores e molestadores de crianças) com base no conteúdo e no foco das suas teorias implícitas, sugerindo que estupradores tendem a ter teorias mais hostis e depreciativas, enquanto molestadores de crianças podem apresentar teorias centradas na vulnerabilidade emocional.

Os achados relevantes incluem a constatação de que as teorias implícitas são profundamente enraizadas e difíceis de modificar, especialmente em agressores com longa história de crimes sexuais. O artigo também destaca implicações clínicas, como a necessidade de ajudar os agressores a reinterpretar evidências e desenvolver teorias alternativas mais adaptativas durante a terapia. A abordagem proposta oferece uma estrutura para entender a resistência à mudança e a persistência de comportamentos abusivos, além de sugerir direções para intervenções terapêuticas mais eficazes.

Artigo 4.

Noteborn, M. G. C., Hildebrand, M., Sijtsema, J. J., Denissen, J. J. A., & Bogaerts, S. (2025). Construction and validation of the Implicit Theories of Sexual Offense Questionnaire (ITSOQ) in a general and (sub)clinical population sample. Sexual Abuse, 0(0), 1–40.

Este artigo apresenta o desenvolvimento e validação do ITSOQ, um questionário destinado a avaliar as Teorias Implícitas (TIs) em agressores sexuais, incluindo assassinos. O estudo baseia-se no modelo de Ward e colegas (Polaschek & Ward, 2002; Ward, 2000; Ward & Keenan, 1999), que propõe que as distorções cognitivas desses agressores emergem de teorias implícitas estruturadas como redes de crenças inter-relacionadas. Essas teorias influenciam a interpretação de situações interpessoais, justificam comportamentos ofensivos e são categorizadas em sete TIs principais: três relacionadas aoself (Direito Adquirido, Falta de Controle), três às vítimas (Crianças como seres sexuais, Natureza do dano, Mulheres como objetos sexuais, Mulheres são perigosas) e uma ao mundo (Mundo Perigoso).

A metodologia envolveu a criação de um pool de itens a partir de questionários existentes, selecionados com base em propriedades psicométricas (média, desvio padrão, amplitude). Participaram do estudo amostras da população geral (n = 427) e (sub)clínica (n = 69), incluindo usuários de fóruns pedófilos, agressores sexuais e violentos. A análise dos componentes principais (PCA) revelou uma solução de quatro fatores: dois específicos às vítimas (crianças e mulheres), um índice de desejabilidade social sexual (SSDI) e um fator de incontrolabilidade antissocial. A invariância de mensuração foi confirmada, permitindo comparações entre grupos.

Os achados indicaram que a população (sub)clínica apresentou escores mais altos no fator de incontrolabilidade e menor desejabilidade social, com tamanhos de efeito pequenos a moderados. Correlações significativas foram encontradas entre o interesse sexual autorrelatado por crianças e o fator específico para crianças, validando parcialmente o questionário.

As limitações incluem amostras pequenas e a dificuldade em capturar TIs antissociais como Direto Adquirido e Mundo perigoso. O estudo sugere futuras pesquisas para refinar itens e explorar medidas indiretas, além de destacar a relevância clínica do ITSOQ na identificação de crenças centrais que sustentam comportamentos ofensivos. A pesquisa contribui para a compreensão das TIs em agressores sexuais e oferece uma ferramenta para avaliação e intervenção.

Artigo 5.

Noteborn, M. G. C., Sijtsema, J. J., Denissen, J. J. A., & Bogaerts, S. (2024). Assessing Implicit Theories in Sexual Offending Using Indirect Measures: Feasibility, Reliability, and Incremental Validity. Assessment, 32(3), 447-466.

Este estudo investiga as Teorias Implícitas (TIs) em agressores sexuais, explorando sua avaliação por meio de medidas indiretas. As TIs são definidas como cognições relacionadas às ofensas sexuais, que incluem suposições cognitivas não articuladas formalmente pelos agressores sobre suas vítimas, si mesmos e o mundo. Essas teorias são consideradas implícitas porque são difíceis de expressar e muitas vezes não são acessíveis à introspecção. Polaschek e Ward (2002) identificaram TIs específicas, como “Crianças como Seres Sexuais” e “Natureza do Dano”, que minimizam o impacto de abusos, e “Mulheres como Objetos Sexuais” ou “Mulheres são Perigosas”, que justificam comportamentos violentos. Além disso, TIs gerais, como “Direito Adquirido” (crença de superioridade), “Incontrolabilidade” (falta de controle sobre ações) e “Mundo Perigoso” (visão hostil do mundo), também foram destacadas.

O estudo comparou três medidas indiretas para avaliar TIs: o Implicit Association Test (IAT), o Implicit Relational Assessment Procedure (IRAP) e o Relational Responding Task (RRT). O IAT, amplamente utilizado, mede associações cognitivas, mas enfrenta críticas por sua ambiguidade interpretativa. O IRAP, baseado na Relational Frame Theory, avalia relações proposicionais, enquanto o RRT combina características do IAT e do IRAP, buscando simplificar a estrutura da tarefa. A amostra incluiu 109 homens da população geral, analisando viabilidade, consistência interna e validade das medidas. Os resultados indicaram que o IAT foi viável e confiável para medir agressão, mas não para crenças complexas como TIs. O RRT mostrou melhor desempenho em termos de viabilidade e confiabilidade, enquanto o IRAP apresentou alta complexidade, baixa consistência interna e elevada taxa de desistência. Nenhuma medida demonstrou validade preditiva incremental sobre autorrelatos, embora o poder estatístico para detectar tais associações tenha sido limitado.

Os achados sugerem que, embora as medidas indiretas tenham potencial teórico, sua aplicação clínica para avaliar TIs em agressores sexuais ainda é questionável devido às limitações metodológicas. O estudo enfatiza a necessidade de mais pesquisas para desenvolver instrumentos mais robustos e adequados para populações forenses, que muitas vezes apresentam desafios cognitivos adicionais.

Artigo 6.

Polaschek, D. L. L., & Gannon, T. A. (2004). The implicit theories of rapists: What convicted offenders tell us. Sexual Abuse: A Journal of Research and Treatment, 16(4), 299–315.

Este artigo investiga as Teorias Implícitas (TIs) em agressores sexuais, com foco em estupradores. As TIs são definidas como estruturas cognitivas subjacentes que orientam a interpretação de eventos e justificam comportamentos ofensivos, sendo derivadas de crenças profundas sobre si mesmos, suas vítimas e o mundo. O estudo baseia-se no trabalho anterior de Polaschek e Ward (2002), que propôs cinco TIs específicas para estupradores: (1)(originalmente “Mulheres são Incompreensíveis”), que retrata mulheres como maliciosas e imprevisíveis; (2)Mulheres são Objetos Sexuais, que desumaniza mulheres, reduzindo-as a instrumentos de gratificação sexual; (3)O Desejo Sexual Masculino é Incontrolável, que justifica a agressão como resultado de impulsos incontroláveis; (4)Direito Adquirido, que reflete uma crença de superioridade masculina e direito ao controle sobre mulheres; e (5)Mundo Perigoso, que descreve o mundo como hostil e ameaçador.

A metodologia do estudo envolveu a análise de entrevistas com 37 estupradores encarcerados na Nova Zelândia, que forneceram descrições detalhadas dos seus crimes. Os relatos foram codificados por dois avaliadores para identificar a presença das TIs, com alta confiabilidade entre os juízes (88% de concordância). Os resultados confirmaram a presença das cinco TIs propostas, com destaque para a prevalência de Mulheres são Perigosas (65% dos casos), Mulheres são Objetos Sexuais (70%) e Direito (68%). As TIs Desejo Sexual Incontrolável (16%) e Mundo Perigoso (19%) foram menos frequentes. Além disso, o estudo revelou que estupradores que negavam seus crimes eram mais propensos a endossar as TIs Mulheres são Perigosas e Mulheres são Objetos Sexuais, enquanto aqueles que admitiam a agressão tendiam a apresentar a TI Mundo Perigoso. A TI Mundo Perigoso também foi associada a um histórico de violência não sexual e início precoce da carreira criminal.

O estudo destaca a importância de abordar essas TIs no tratamento de agressores sexuais, especialmente em programas de reabilitação, pois elas perpetuam distorções cognitivas que sustentam comportamentos violentos. A pesquisa também sugere que as TIs podem ser úteis para diferenciar subtipos de estupradores, como aqueles com motivações misóginas versus os com hostilidade generalizada. Limitações incluem a natureza retrospectiva dos dados e a possibilidade de viés nas narrativas dos ofensores. Futuras pesquisas devem explorar métodos experimentais para validar essas TIs e investigar sua relação causal com a agressão sexual.

Artigo 7.

Dawson, D. L., Barnes-Holmes, D., Gresswell, D. M., Hart, A. J., & Gore, N. J. (2009). Assessing the implicit beliefs of sexual offenders using the Implicit Relational Assessment Procedure: A first study. Sexual Abuse: A Journal of Research and Treatment, 21(1), 57-75.

Este artigo investiga as teorias implícitas de agressores sexuais contra crianças, utilizando o Procedimento de Avaliação Relacional Implícita (IRAP). O estudo baseia-se no modelo teórico proposto por Ward e Keenan (1999), que identifica cinco teorias implícitas subjacentes às distorções cognitivas de agressores sexuais: (1) crianças como seres sexuais, (2) direito de controlar os outros, (3) mundo perigoso, (4) comportamento sexual incontrolável e (5) graus de dano. Essas teorias influenciam a forma como os agressores processam informações sociais e justificam seus comportamentos.

Metodologicamente, o estudo comparou agressores sexuais (n=16) com um grupo controle de não agressores (n=16), utilizando o IRAP, uma técnica que mede respostas implícitas por meio de tempos de reação a estímulos relacionados a crenças sociais. O IRAP foi contrastado com a Escala de Distorção Cognitiva (CDS), um questionário explícito. Os resultados mostraram que o IRAP foi mais eficaz do que o CDS em discriminar agressores de não agressores, particularmente no que diz respeito à teoria implícita de “crianças como seres sexuais”. Os agressores exibiram menor viés implícito contra a associação entre crianças e sexualidade, enquanto os não agressores demonstraram uma rejeição mais forte a essa associação. Além disso, o IRAP revelou que os agressores tiveram dificuldade em discriminar crianças como não sexuais, corroborando a teoria de Ward e Keenan.

O estudo também discutiu limitações, como a heterogeneidade dos agressores e a necessidade de aprimorar a precisão do IRAP para uso clínico. Apesar disso, os achados sugerem que metodologias implícitas, como o IRAP, podem ser ferramentas promissoras para avaliar crenças distorcidas em agressores sexuais, complementando abordagens tradicionais e potencialmente auxiliando no desenvolvimento de intervenções terapêuticas mais eficazes.

Artigo 8.

Beech, A., Fisher, D., & Ward, T. (2005). Sexual murderers’ implicit theories. Journal of Interpersonal Violence, 20(12), 1366-1389.

Este artigo investiga as teorias implícitas (TIs) de assassinos sexuais, comparando-as com as de estupradores. O estudo baseia-se no modelo teórico de Ward e Keenan (1999), que propõe que as distorções cognitivas de agressores sexuais são sustentadas por teorias implícitas subjacentes. Para assassinos sexuais, o estudo identificou cinco TIs principais: (1)mundo perigoso (crença de que o mundo é hostil e que a violência é necessária para autoproteção), (2)desejo sexual masculino incontrolável (crença de que os homens não podem controlar seus impulsos sexuais), (3)direito (crença de superioridade que justifica a dominação), (4)mulheres como objetos sexuais (visão desumanizada das mulheres como meros instrumentos de gratificação sexual) e (5) mulheres como indecifráveis (crença de que as mulheres são intencionalmente enganosas e difíceis de compreender).

Metodologicamente, o estudo utilizou uma abordagem qualitativa baseada na grounded theory, analisando entrevistas semiestruturadas com 28 assassinos sexuais condenados no Reino Unido. Os resultados confirmaram que as TIs identificadas em estupradores também estavam presentes em assassinos sexuais, sem diferenças qualitativas significativas. As TIs mais frequentes foram mundo perigoso (79% dos casos) e desejo sexual incontrolável (71%). Os participantes foram agrupados em três categorias com base na combinação dessas TIs:

    • Grupo 1: Presença simultânea de mundo perigoso e desejo sexual incontrolável (50% da amostra). Esses indivíduos apresentavam motivações sádicas, fantasias violentas e alto risco de reincidência.

    • Grupo 2: Apenas mundo perigoso (29%). Motivados por raiva e ressentimento, cometiam crimes com violência excessiva, mas sem elementos sexuais predominantes.

    • Grupo 3: Apenas desejo sexual incontrolável (21%). Matavam para evitar detecção ou garantir silêncio da vítima, com menor violência pós-morte.

Os achados destacam implicações clínicas importantes, como a necessidade de intervenções diferenciadas: terapia focada em esquemas para o Grupo 1, controle de raiva para o Grupo 2 e técnicas cognitivo-comportamentais para o Grupo 3. O estudo reforça a utilidade das TIs para entender motivações e orientar tratamentos, embora ressalte a complexidade da heterogeneidade nessa população.

Artigo 9.

Pornari, C. D., Dixon, L., & Humphreys, G. W. (2013). Systematically identifying implicit theories in male and female intimate partner violence perpetrators. Aggression and Violent Behavior, 18(4), 496–505.

Este artigo explora as Teorias Implícitas (TIs) em agressores de violência entre parceiros íntimos (VPI), com base em modelos teóricos previamente aplicados a agressores sexuais e violentos. As TIs são crenças centrais que os indivíduos desenvolvem sobre si mesmos, os outros e o mundo social, funcionando como esquemas cognitivos que distorcem a interpretação de situações interpessoais e justificam comportamentos violentos.

No contexto de agressores sexuais e assassinos, pesquisas anteriores identificaram cinco TIs principais: “Mundo perigoso” (visão hostil e desconfiada do mundo), “Desejo sexual masculino incontrolável”, “Direito” (crença de que os desejos do agressor são prioritários), “Mulheres como objetos sexuais” e “Mulheres são imprevisíveis” (Polaschek & Gannon, 2004; Beech et al., 2005). Essas TIs foram adaptadas para agressores de VPI, resultando em sete TIs propostas: “Sexo oposto é perigoso”, “Direito no relacionamento”, “Direito geral”, “Normalização da violência no relacionamento”, “Normalização da violência”, “Não é minha culpa” e, exclusivamente para homens, “Eu sou o homem”.

A metodologia do estudo consistiu em uma revisão sistemática da literatura, abrangendo artigos publicados a partir de 1980 em bases de dados como PsycINFO e Web of Science. Os critérios de inclusão focaram em pesquisas que examinaram fatores associados às TIs em agressores heterossexuais de VPI, excluindo estudos com amostras não ocidentais ou de relacionamentos homoafetivos. A análise revelou apoio empírico para todas as TIs propostas, embora com variações na força das evidências, especialmente devido à escassez de pesquisas sobre agressoras mulheres.

Os achados destacaram que agressores de VPI compartilham TIs semelhantes às de agressores sexuais, como a hostilidade em relação ao parceiro (“Sexo oposto é perigoso”) e a minimização da violência (“Normalização da violência”). Além disso, a TI “Eu sou o homem” reflete estereótipos de gênero patriarcais, enquanto “Não é minha culpa” envolve a externalização da culpa para fatores externos ou para a vítima. A revisão também apontou a necessidade de mais pesquisas qualitativas para confirmar essas TIs e explorar outras possíveis, além de sugerir intervenções terapêuticas focadas na reestruturação cognitiva dessas crenças.

Resumo Sistemático Integrado das Teorias Implícitas em Agressores Sexuais

As Teorias Implícitas (TIs) são esquemas cognitivos internalizados que moldam como indivíduos interpretam comportamentos e atribuem causas e intenções aos outros.

No contexto de agressores sexuais (incluindo estupradores e assassinos sexuais), investigar TIs auxilia na apreensão das chamadas distorções cognitivas, déficits de empatia e crenças que legitimam (para o agressor) a violência.

Nove documentos foram então analisados, incluindo revisões teóricas, desenvolvimento de instrumentos (ITSOQ), estudos empíricos com métodos indiretos (IAT, IRAP, RRT) e entrevistas com agressores.

Os ditos Critérios de extração foram:

    • Conceitos-chave de TIs

    • Modelos teóricos e tipologias de crenças

    • Estratégias metodológicas (qualitativas, quantitativas, ferramentas psicométricas)

    • Principais achados e implicações clínicas

    • Principais Conceitos e Modelos Teóricos

    • Rede de crenças interconectadas

    • Teoria da Mente e déficits de representação

    • Sete dimensões do ITSOQ (direito adquirido, incontrolabilidade, crianças como seres sexuais, minimização do dano, mulheres como objetos, mulheres perigosas, mundo perigoso).

Os modelos específicos de TIs em agressores identificados foram:

    • “Mulher objeto sexual” e “ímpeto incontrolável”

    • Legitimação do abuso e responsabilização da vítima

    • Transferência de teorias explícitas e a influência da mídia

As Teorias Implícitas oferecem um arcabouço coeso para entender e intervir nas crenças que sustentam o comportamento agressor sexual. A integração de múltiplas metodologias enriquece a avaliação e fundamenta intervenções direcionadas à modificação de crenças centrais.

De uma forma geral, as Teorias Implícitas em agressores sexuais formam uma rede coesa de crenças que promove e justifica comportamentos ofensivos. Ferramentas diretas (questionários específicos) aliadas às abordagens qualitativas fornecem avaliação confiável e profunda, fundamentando intervenções específicas voltadas à modificação dessas crenças mal adaptativas. Futuros estudos devem aprimorar medidas (diretas e indiretas) e investigar longitudinalmente a evolução das TIs após tratamento.

Proposta de Questionário – Medida Direta

Segue a versão piloto final de um instrumento para mensurar exclusivamente as Teorias Implícitas em agressores sexuais, pronta para aplicação e validação, antes do uso clínico propriamente dito.

Questionário Piloto – Teorias Implícitas

Escala de 1 (Discordo totalmente) a 5 (Concordo totalmente)

Proposta Lúdica para Avaliar as Teorias Implícitas Baseada no Questionário Piloto

A partir do questionário proposto, é possível desenvolver um método de avaliação lúdico para analisar as Teorias Implícitas dos agressores sexuais. Uma abordagem interessante seria a criação de um jogo de cartas, onde cada carta representa uma das Teorias Implícitas identificadas na literatura.

O jogo poderia ser chamado de “Teorias Implícitas: Desvendando as Crenças Distorcidas” e teria os seguintes componentes:

Cartas de Teoria Implícita: Cada carta apresentaria uma das Teorias Implícitas, com uma breve descrição e exemplos, como:

    • “Mulheres como Objetos Sexuais”: A crença de que as mulheres são sexualmente disponíveis e receptivas a avanços, independentemente do consentimento.

    • “Direito Adquirido”: A crença de que os homens têm o direito de satisfazer seus desejos, mesmo que isso viole a vontade da outra pessoa.

    • “Mundo Perigoso”: A visão de que o mundo é um lugar hostil e ameaçador, justificando o uso da violência como forma de autoproteção.

    • “Incontrolabilidade”: A crença de que os impulsos sexuais e agressivos são incontroláveis.

Cartas de Cenário: Estas cartas descreveriam situações do cotidiano que poderiam desencadear as Teorias Implícitas, como:

    • Uma mulher rejeitando um convite para sair

    • Um casal discutindo sobre limites em um relacionamento

    • Uma criança pedindo ajuda a um adulto desconhecido

    • Uma pessoa se sentindo ameaçada em um ambiente público

Cartas de Resposta: Os jogadores teriam que selecionar a Teoria Implícita que melhor explicaria a reação do agressor diante do cenário apresentado.

O objetivo do jogo seria promover a conscientização sobre as crenças distorcidas que sustentam o comportamento abusivo, ao mesmo tempo em que estimula a reflexão e a discussão sobre formas mais saudáveis de interpretar e responder a situações sociais.

Essa abordagem lúdica poderia ser utilizada tanto em contextos educacionais, para prevenir o desenvolvimento de Teorias Implícitas, quanto em ambientes terapêuticos, auxiliando agressores sexuais a identificar e desafiar suas próprias crenças.

Orientações para a Confecção das Cartas Lúdicas

Modelos artísticos para as cartas propostas no jogo “Teorias Implícitas: Desvendando as Crenças Distorcidas” são sugeridas aqui. Algumas sugestões:

Para as Cartas de Teoria Implícita, as ilustrações poderiam representar de forma simbólica e metafórica os conceitos centrais de cada crença distorcida. Por exemplo:

    • “Mulheres como Objetos Sexuais”: Uma mulher sendo reduzida a um objeto inanimado, como uma boneca ou uma estátua.

    • “Direito Adquirido”: Um homem em posição de domínio e superioridade sobre uma mulher.

    • “Mundo Perigoso”: Uma paisagem sombria e ameaçadora, com símbolos de violência e medo.

    • “Incontrolabilidade”: Um homem sendo arrastado por correntes, representando a sensação de perda de controle.

Já para as Cartas de Cenário, as ilustrações poderiam retratar de forma realista, porém sutil, as situações descritas, evitando representações excessivamente gráficas ou sensacionalistas.

    • Rejeição de convite: Uma mulher educadamente recusando um convite, com expressões faciais e linguagem corporal sutis.

    • Discussão sobre limites: Um casal conversando, com expressões de desconforto e tensão.

    • Criança pedindo ajuda: Uma criança se aproximando de um adulto com uma expressão de medo e vulnerabilidade.

    • Sensação de ameaça: Uma pessoa em um ambiente público, com olhar apreensivo e postura defensiva.

Essa abordagem artística buscaria transmitir as situações de forma realista, mas evitando retratar a violência de maneira explícita ou sensacionalista. O objetivo é promover a reflexão e a conscientização, sem causar danos adicionais.

Prováveis Teorias Implícitas Presentes no Excerto

No excerto apresentado, é possível identificar algumas das principais Teorias Implícitas (TIs) demonstradas por assassinos sexuais, de acordo com a literatura revisada:

  1. “Mulheres como objetos sexuais”: Essa TI é evidenciada na fala do narrador quando ele afirma que “Parece que ela me desejava”, projetando seus próprios desejos sobre a mulher. Essa crença desumaniza a vítima, reduzindo-a a um mero objeto de gratificação sexual.

  2. “Direito adquirido”: O narrador demonstra uma sensação de posse e controle sobre a mulher, acreditando ter o direito de agir de determinada maneira apenas por ela ter lhe dado atenção. Essa TI reflete uma crença de superioridade masculina e de que os desejos do agressor são prioritários.

  3. “Mundo perigoso”: Embora não seja tão explícita neste excerto, a menção à “raiva” e à “denúncia de crime de ameaça” sugere uma visão do mundo como um lugar hostil e ameaçador, que justifica a adoção de estratégias violentas de “autoproteção”.

  4. “Incontrolabilidade”: Essa TI pode ser inferida na fala do narrador quando ele afirma que sua “raiva só aumentava”, demonstrando uma percepção de que seus impulsos e emoções são incontroláveis.

Portanto, o excerto revela a presença de pelo menos quatro Teorias Implícitas centrais que sustentam o comportamento do narrador: “Mulheres como objetos sexuais”, “Direito adquirido”, “Mundo perigoso” e “Incontrolabilidade”.

Uma Projeção das Afirmativas do Questionário Proposto com o Excerto Descrito

Analisando o excerto em relação às afirmativas do questionário proposto, é possível estabelecer as seguintes conexões:

A afirmativa “Acredito que quem muito resiste, muito deseja” se relaciona com a fala do narrador que interpreta os olhares da mulher como um “desejo” dela por ele, mesmo sem evidências claras. Essa crença de que a resistência é na verdade um sinal de interesse sexual está alinhada à Teoria Implícita de “Mulheres como objetos sexuais”.

A afirmativa “Creio que certas vítimas incentivam a situação por sua atitude” também ecoa a visão do narrador, que parece culpar a mulher por seu comportamento, ao afirmar que “ela devia estar amando tudo isso”. Essa responsabilização da vítima é característica da Teoria Implícita de “Direito adquirido”.

Já a afirmativa “Penso que regras de consentimento atrapalham a espontaneidade dos relacionamentos” reflete a crença distorcida do narrador de que ele tinha o direito de agir como desejava, independentemente do consentimento da mulher.

Por fim, a afirmativa “Imagino que as emoções dos outros não influenciam as minhas decisões” se relaciona com a Teoria Implícita de “Incontrolabilidade”, evidenciada na fala do narrador sobre sua “raiva só aumentar”, demonstrando uma falta de empatia e de reconhecimento do sofrimento da vítima.

Portanto, o excerto apresenta claras conexões com as Teorias Implícitas abordadas no questionário proposto, especialmente no que diz respeito à desumanização da mulher, à crença de direito masculino e à dificuldade de reconhecer e regular as próprias emoções.

Discussão

As Teorias Implícitas (TIs) e Explícitas desempenham um papel central na compreensão da cognição e do comportamento de agressores sexuais e assassinos sexuais. Este estudo evidenciou que as TIs, definidas como esquemas cognitivos profundamente enraizados, funcionam como lentes distorcidas através das quais esses indivíduos interpretam o mundo social, justificam suas ações e sustentam padrões de violência. As TIs identificadas, como “mulheres como objetos sexuais”, “mundo perigoso” e “desejo sexual incontrolável”, não apenas legitimam comportamentos ofensivos, mas também dificultam a reintegração social devido à sua resistência à mudança (Ward, 2000b; Polaschek & Gannon, 2004). Por outro lado, as teorias explícitas, como as abordagens feministas que enxergam o abuso sexual como uma expressão do poder patriarcal (Herman, 1981; Kelly, 1988), destacam a influência de estruturas sociais mais amplas na perpetuação da violência.

A comparação entre TIs e distorções cognitivas revelou que, embora ambos os conceitos contribuam para comportamentos ofensivos, diferem em abrangência e estabilidade. Enquanto as distorções cognitivas são pensamentos situacionais e pontuais, as TIs são estruturas cognitivas amplas e estáveis, formadas ao longo do desenvolvimento e reforçadas por experiências adversas (Abel et al., 1989; Ward, 2000b). Essa distinção tem implicações significativas para o tratamento, pois intervenções que focam apenas em distorções cognitivas podem não ser suficientes para modificar crenças nucleares profundamente enraizadas.

Os estudos revisados também destacaram a heterogeneidade entre agressores sexuais, com diferentes perfis associados a combinações específicas de TIs. Por exemplo, assassinos sexuais motivados por fantasias sádicas (Grupo 1 no estudo de Beech et al., 2005) exigem intervenções focadas no controle de impulsos e na reestruturação de crenças hostis, enquanto aqueles movidos por raiva (Grupo 2) beneficiam-se de terapias para regulação emocional. Essa diversidade reforça a necessidade de abordagens personalizadas no tratamento e na avaliação de risco.

Além disso, a aplicação de instrumentos como o ITSOQ (Noteborn et al., 2025) e metodologias indiretas (e.g., IAT, IRAP) demonstrou potencial para identificar crenças implícitas, embora limitações metodológicas sugiram a necessidade de refinamentos futuros. A integração de múltiplas estratégias de avaliação, incluindo abordagens qualitativas e quantitativas, é essencial para capturar a complexidade das TIs e orientar intervenções clínicas mais eficazes.

Conclusão

Este estudo destacou a importância das Teorias Implícitas e Explícitas na compreensão da etiologia e manutenção do comportamento violento em agressores sexuais e assassinos sexuais. As TIs, como “mundo perigoso” e “direito adquirido”, representam crenças nucleares que distorcem a percepção da realidade e justificam ações criminosas, enquanto as teorias explícitas, como as perspectivas feministas, enfatizam o papel das estruturas sociais na perpetuação da violência. A distinção entre TIs e distorções cognitivas sublinha a necessidade de intervenções terapêuticas multifacetadas, que abordem tanto as justificativas imediatas quanto as crenças subjacentes.

Os achados reforçam a relevância de estratégias de avaliação diversificadas, como questionários específicos e metodologias indiretas, para identificar e modificar crenças mal adaptativas. Além disso, a heterogeneidade dos agressores sexuais exige abordagens personalizadas, adaptadas às motivações e perfis cognitivos de cada indivíduo. Futuras pesquisas devem focar no desenvolvimento de instrumentos mais robustos e na investigação longitudinal da evolução das TIs pós-tratamento, visando a melhorar a eficácia das intervenções e reduzir a reincidência.

Em suma, a integração das dimensões implícitas e explícitas no estudo da agressão sexual oferece um arcabouço teórico e prático mais abrangente, capaz de orientar políticas públicas, estratégias de prevenção e tratamentos baseados em evidências. A desconstrução dessas crenças, aliada a intervenções sociais mais amplas, é fundamental para combater a violência sexual e promover uma sociedade mais justa e segura.

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