Agressores Sexuais Seriais e Assassinos Sexuais: Alguma Possibilidade de um Continuum?

(CONTEÚDO SENSÍVEL)

“Sr. X: Dr., eu comecei pagando mulheres e travestis para fazer sexo. E isso era diário, sempre antes de me dirigir para o meu trabalho. Isso começou a ser insuficiente…eu queria mais emoção. Então, decidi forçar mulheres que eu encontrava caminhando sozinhas à noite, provavelmente vindas do serviço, para fazer sexo. Forcei umas 20 mulheres, Dr.. Elas faziam sexo oral e eu as penetrava muitas vezes.

Dr.: O Sr. sentiu alguma vez vontade de matar alguma delas?

Sr. X: Nunca matei qualquer uma…. mas tive vontade…”

(Anônimo)

Excerto – Um Continuum Interrompido

O discurso do Sr. X é marcado por uma confissão que expõe ações violentas e transgressoras, revelando uma subjetividade construída em meio a contradições e tensões. Sua fala carrega marcas de uma linguagem que reflete tanto a internalização de normas sociais repressivas quanto a tentativa de justificar ou racionalizar seus atos. O uso de termos como “forçar” e “penetrar” demonstra uma linguagem que objetifica as vítimas, reduzindo-as a meros instrumentos de satisfação pessoal. Essa objetificação é um indício de como o discurso do Sr. X está imerso em uma estrutura de poder que desumaniza o outro, negando-lhe a condição de sujeito dialógico.

Por outro lado, a intervenção do Dr. introduz uma voz autorizada (a da justiça, da psiquiatria ou da lei) que busca enquadrar o discurso do Sr. X dentro de um padrão de normalidade ou patologia. A pergunta “O Sr. sentiu alguma vez vontade de matar alguma delas?” não é neutra; ela carrega uma avaliação social implícita, sugerindo que os atos já cometidos poderiam escalar para algo ainda mais grave. Essa pergunta revela um jogo de poder no qual o Dr. assume o papel de interrogador, buscando extrair uma confissão ou uma admissão de culpa que legitime seu discurso institucional.

A resposta do Sr. X – “Nunca matei qualquer uma… mas tive vontade” – é significativa porque mostra uma ambiguidade: ele nega ter cometido um crime maior, mas admite um desejo que, dentro do contexto jurídico ou psiquiátrico, pode ser interpretado como um indicador de periculosidade. Essa ambiguidade evidencia o caráter polifônico do discurso, onde múltiplas vozes (a do criminoso, a da sociedade, a da lei) se entrecruzam e disputam sentido.

Numa perspectiva bakhtiniana, esse diálogo exemplifica como a linguagem é um campo de lutas ideológicas. O Sr. X, ao confessar seus crimes, não está apenas relatando fatos, mas negociando sua identidade perante uma instância de poder (o Dr.). Seu discurso é atravessado por contradições – ele reconhece a violência dos seus atos, mas não assume plenamente a gravidade deles. Já o Dr., ao interrogar, reforça um discurso institucional que classifica e enquadra o sujeito dentro de categorias como “criminoso” ou “psicopata”.

Assim, a análise dialógica desse trecho revela que a linguagem não é transparente nem neutra: ela é um espaço de conflito, onde se manifestam relações de poder, ideologias e resistências. O diálogo entre o Sr. X e o Dr. não é apenas uma troca de perguntas e respostas, mas uma arena onde se disputam sentidos, identidades e legitimidades sociais.

O diálogo entre o Sr. X e o Dr. constrói-se através de uma tessitura sonora que expõe relações de poder, conflitos internos e a tensão entre confissão e julgamento.

A fala inicial do Sr. X apresenta uma cadência narrativa quase burocrática ao descrever seus atos: “eu comecei pagando mulheres e travestis…”. Essa linearidade sonora, com seu ritmo monótono e descritivo, contrasta violentamente com o conteúdo da narrativa, criando um efeito de naturalização do horror. Quando ele afirma “isso começou a ser insuficiente… eu queria mais emoção”, as reticências introduzem uma pausa carregada de significado – não é apenas uma hesitação gramatical, mas a sonorização de um desejo que se expande, de uma insatisfação que busca justificação.

A passagem para a violência explícita – “decidi forçar mulheres” – é marcada por uma mudança sutil na sonoridade: as frases tornam-se mais curtas, diretas, com um ritmo quase telegráfico que elimina qualquer espaço para reflexão ou arrependimento. A frieza com que quantifica suas vítimas – “Forcei umas 20 mulheres, Dr.” – soa como um relatório técnico, onde a violência sexual é reduzida a números e ações mecânicas. A crueza da descrição física – “Elas faziam sexo oral e eu as penetrava muitas vezes” – atinge seu ápice de desumanização justamente pela ausência de variação de entonação que poderia sugerir emoção ou conflito.

A intervenção do Dr. rompe esse fluxo com uma pergunta que altera radicalmente o campo sonoro do diálogo: “O Sr. sentiu alguma vez vontade de matar alguma delas?”. O tratamento formal (“Sr.”) mantém a hierarquia institucional, enquanto a pergunta em si combina uma estrutura sintática polida (“sentiu vontade”) com um conteúdo extremo (“matar”), criando uma dissonância sonora que reflete a ambiguidade do próprio sistema de justiça que ora investiga, ora instiga.

A resposta do Sr. X – “Nunca matei qualquer uma… mas tive vontade…” – é talvez o momento mais ricamente ambíguo em termos sonoros. A primeira parte soa quase como um suspiro de alívio (“ao menos isso não fiz”), com uma cadência descendente típica de frases conclusivas. Já o “mas tive vontade” introduz uma queda de tom ainda mais acentuada, quase sussurrada, como se trouxesse à tona uma verdade mais íntima e perturbadora do que os próprios atos já confessados. As reticências finais não são silêncios vazios, mas espaços sonoros carregados onde ecoam tanto a possibilidade de um remorso não dito quanto o prazer mórbido da confissão.

Nessa perspectiva, a sonoridade do discurso revela-se como um território de disputa onde se travam batalhas por significados e identidades. A fala do Sr. X, com seus ritmos ora mecânicos ora hesitantes, constrói uma subjetividade dividida entre a racionalização de seus crimes e os vestígios de uma consciência que insiste em aparecer nas pausas e inflexões. Já a voz do Dr., controlada e calculada em sua entonação, reforça o papel das instituições em moldar e enquadrar essas confissões dentro de categorias pré-estabelecidas. O que emerge dessa análise é a compreensão de que a sonoridade nunca é apenas som – é a materialização viva das relações sociais, dos conflitos ideológicos e da permanente negociação de sentidos que constitui a linguagem humana.

Introdução

O termo “serial” no contexto criminal refere-se a indivíduos que cometem múltiplos crimes ao longo do tempo, geralmente com um intervalo entre cada ato. No caso de agressores sexuais seriais, a definição mais comum adotada pela literatura criminológica é a de que esses indivíduos são responsáveis por três ou mais vítimas, com um período de “resfriamento” entre os crimes (James & Proulx, 2016). Essa definição distingue os agressores seriais dos não seriais, que são aqueles com uma ou duas vítimas. A classificação baseada no número de vítimas é crucial para entender as diferenças nos perfis psicológicos, comportamentais e motivacionais desses criminosos.

Os agressores sexuais seriais e os assassinos sexuais representam um dos fenômenos mais perturbadores e complexos no campo da criminologia e da psiquiatria especializada. Esses indivíduos cometem crimes que podem combinar violência sexual e homicídio, muitas vezes de forma repetitiva, seguindo padrões específicos. Suas ações desafiam a compreensão convencional da natureza humana, levantando questões densas sobre motivação, desenvolvimento psicológico e fatores socioculturais (Ressler et al., 1988).

Os agressores sexuais seriais e os assassinos sexuais são frequentemente agrupados devido à natureza violenta dos seus crimes, mas existem diferenças significativas entre eles (Proulx et al., 2002). Os agressores sexuais seriais são indivíduos que cometem múltiplos crimes sexuais, como estupros, sem necessariamente matar suas vítimas. Já os assassinos sexuais seriais (também chamados de “assassinos por luxúria”) matam como parte de um ritual sexual, onde a violência e a morte estão intrinsecamente ligadas à gratificação sexual (Burgess et al., 1986).

A distinção entre esses dois grupos reside não apenas no resultado do crime (homicídio), mas também na motivação e no modus operandi (Carich & Calder, 2003). Enquanto um agressor sexual pode buscar dominar e controlar a vítima sem matá-la, o assassino sexual serial frequentemente encontra prazer no ato de matar, muitas vezes associando-o a fantasias elaboradas e rituais (Ward & Hudson, 2000). Por exemplo, Ted Bundy e Jeffrey Dahmer são casos emblemáticos de assassinos sexuais seriais, cujos crimes envolviam tortura, necrofilia e, em alguns casos, canibalismo (Ressler, 1992).

O Continuum entre Agressores Sexuais Seriais e Assassinos Sexuais: Uma Hipótese a ser refinada

A relação entre agressores sexuais seriais e assassinos sexuais tem sido objeto de intenso debate acadêmico, com evidências sugerindo a existência de um continuum que conecta esses dois grupos de criminosos violentos. Essa perspectiva baseia-se em pesquisas que identificam sobreposições significativas em suas motivações, perfis psicológicos e históricos de desenvolvimento (Burgess et al., 1986; Proulx et al., 2002). Ambos os grupos compartilham necessidades profundas de poder, controle e gratificação sexual, além de apresentarem traços de personalidade como psicopatia, narcisismo e tendências dissociativas (Hare, 1993; Carich & Calder, 2003). Os antecedentes de desenvolvimento também revelam padrões comuns, incluindo históricos de abuso infantil, comportamentos antissociais precoces e o desenvolvimento de fantasias violentas persistentes (Ressler et al., 1988).

Embora essas semelhanças sugiram uma continuidade entre os grupos, importantes diferenças marcam os extremos desse espectro. Os assassinos sexuais tendem a apresentar fantasias mais elaboradas e violentas, onde a morte da vítima se torna parte intrínseca do ritual de excitação (Ressler et al., 1986). Esse grupo também demonstra níveis mais extremos de desumanização da vítima, permitindo uma objetificação completa que facilita atos de maior violência (Ward & Hudson, 2000). Fatores situacionais, como o medo da identificação ou a busca por controle absoluto, frequentemente atuam como catalisadores para a progressão de agressões sexuais para homicídios (Polaschek & Ward, 2002). Casos emblemáticos, como o de Jeffrey Dahmer, ilustram essa dinâmica, onde a necessidade de controle total sobre a vítima levou à incorporação do homicídio como parte essencial do comportamento criminoso (Carich et al., 1996).

A progressão ao longo desse continuum pode ser influenciada por diversos fatores. A erosão gradual da empatia, resultante da repetição de crimes violentos, contribui para a diminuição das inibições morais (Hare, 1993). Paralelamente, o processo de aprendizado comportamental reforça a associação entre violência e gratificação emocional ou sexual (Rossi, 1993). Fatores externos, como a pressão policial ou falhas nas tentativas de evitar detecção, podem acelerar essa progressão para atos mais letais (Ressler, 1992). A trajetória de Ted Bundy exemplifica essa evolução, começando com comportamentos de voyeurismo e agressões não letais, mas gradualmente escalando para homicídios cada vez mais brutais e ritualizados (Ressler, 1997).

Contudo, a noção de continuum não está isenta de críticas e limitações. A heterogeneidade dentro desses grupos criminosos desafia generalizações simplistas, pois nem todos os agressores sexuais apresentam potencial para evoluir para o homicídio (Marshall, 2005). Fatores peculiares, como a gravidade da psicopatologia, experiências traumáticas específicas e o acesso a armas, podem influenciar o comportamento criminoso de maneiras não lineares (Grossman et al., 1999). Além disso, a escassez de estudos longitudinais que acompanhem agressores sexuais ao longo do tempo limita a capacidade de confirmar padrões consistentes de progressão para a violência letal (Hanson & Harris, 2001).

O modelo de continuum entre agressores sexuais seriais e assassinos sexuais oferece uma estrutura valiosa para compreender as conexões entre esses grupos e identificar possíveis trajetórias de violência. No entanto, como destacam Carich e Calder (2003), essa abordagem não deve ser interpretada como determinista, mas sim como um instrumento para orientar estratégias de prevenção e intervenção precoce. O foco deve permanecer na identificação e interrupção dos ciclos de violência antes que atinjam estágios letais, reconhecendo a complexa interação entre fatores psicológicos, ambientais e situacionais que moldam o comportamento criminoso.

Daremos foco, a partir de agora, nos Assassinos Sexuais Seriais e Não Seriais.

Os Assassinos Sexuais Seriais e Não Seriais

Os assassinos sexuais seriais (ASS) e não seriais (ASNS) apresentam diferenças marcantes em suas características psicológicas, modus operandi e contextos de vida. Segundo James e Proulx (2016), os ASS são frequentemente motivados por fantasias sexuais sádicas e exibem um perfil psicopatológico marcado por desvios sexuais, como masturbação compulsiva, parafilias e comportamentos coercitivos precoces. Esses indivíduos tendem a ser socialmente isolados, com baixa autoestima, e veem o mundo como hostil, especialmente as mulheres, que são frequentemente alvo da sua raiva não verbalizada. Suas fantasias sádicas são um fator interno dominante que molda seu modus operandi, levando-os a planejar meticulosamente seus crimes para que se assemelhem o máximo possível a essas fantasias.

Em contraste, os não seriais (ASNS) são impulsionados por explosões de raiva e exibem traços antissociais, como impulsividade e hostilidade (James & Proulx, 2016). Eles são menos organizados em seus crimes e agem de forma mais impulsiva, muitas vezes sob a influência de álcool ou drogas. Sua violência é expressiva e excessiva, refletindo seu desejo de vingança ou de aliviar tensões internas. Enquanto os ASS buscam controlar e dominar suas vítimas como parte de um ritual sádico, os ASNS agem de forma desorganizada, deixando mais evidências no local do crime e sendo, portanto, mais facilmente capturados.

O modus operandi dos Assassinos Sexuais Seriais (ASS) é altamente organizado e ritualizado. Eles frequentemente selecionam vítimas com características específicas, usam estratégias elaboradas para abordá-las (como truques ou cenários complexos) e empregam métodos de neutralização, como amarras ou esganaduras, para evitar resistência (James & Proulx, 2016). Além disso, tendem a praticar atos sexuais durante o crime, como penetração anal ou inserção de objetos, e muitas vezes realizam rituais pós-morte, como mutilações ou necrofilia. Sua falta de empatia e excitação com o sofrimento da vítima são características marcantes.

Por outro lado, os ASNS exibem um modus operandi desorganizado, com alto nível de violência física e pouca preocupação em ocultar evidências. Eles frequentemente atacam vítimas conhecidas ou com quem já tiveram conflitos, e sua violência é mais instrumental, visando a eliminar a vítima como testemunha ou como forma de descarga emocional (James & Proulx, 2016). A intoxicação por álcool ou drogas durante o crime é comum, o que contribui para sua impulsividade e descontrole.

Além disso, os Assassinos Sexuais Seriais geralmente têm um histórico de problemas familiares, isolamento social e estresse financeiro ou legal no ano anterior ao crime (James & Proulx, 2016). Suas motivações proximais incluem conflitos percebidos com mulheres e fantasias sexuais sádicas. Já os Assassinos Sexuais Não Seriais (ASNS) relatam sentimentos de rejeição, consumo excessivo de álcool e drogas, e um estilo de vida de alto risco, como frequência a bares e prostíbulos. Suas explosões de raiva são frequentemente desencadeadas por humilhações ou frustrações recentes.

A distinção entre agressores sexuais seriais e não seriais é essencial para entender suas motivações, comportamentos e estratégias de investigação. Enquanto os ASS são planejadores meticulosos com um perfil psicopatológico complexo, os ASNS são impulsivos e reativos, agindo sob forte influência emocional. Essas diferenças destacam a importância de abordagens específicas tanto na prevenção quanto no tratamento desses criminosos.

Abaixo, segue uma tabela comparativa entre os Assassinos Sexuais Seriais (ASS) e os Assassinos Sexuais Não Seriais (ASNS):

Outrossim, uma diferença criminológica marcante entre os seriais e os não seriais consiste na assinatura (signature) dos crimes. A “assinatura” refere-se a comportamentos únicos e repetitivos que vão além do necessário para cometer o crime, refletindo desejos psicológicos ou fantasias do agressor. Abaixo, segue uma comparação mais detalhada:

Diferenças na Assinatura (Signature) entre ASS e ASNS (James & Proulx, 2016):

Comportamentos Sexuais entre Assassinos Sexuais Seriais

Os comportamentos sexuais dos assassinos sexuais representam um fenômeno complexo e heterogêneo, marcado por uma variedade de ações que vão além do ato sexual em si, incluindo elementos de violência, dominação e degradação da vítima. Esses comportamentos são frequentemente motivados por impulsos sádicos, desejo de controle ou expressão de raiva, conforme evidenciado em estudos internacionais (Beauregard & Martineau, 2017; Chan & Heide, 2009). Ploeg, Grace e Cording (2024) apontaram que os assassinos sexuais exibem padrões diversificados, com alguns casos envolvendo múltiplos comportamentos sexuais, enquanto outros se limitam a atos mais simples, como a penetração vaginal.

Um dos achados mais significativos é que a penetração vaginal não é um elemento definidor do homicídio sexual, ocorrendo em apenas 65% dos casos (Ploeg et al., 2024). Isso desafia a noção comum de que o homicídio sexual é sempre associado a violação explícita, destacando a importância de outros comportamentos, como humilhação, tortura não genital e necrofilia. Por exemplo, a humilhação foi identificada em 23% dos casos, muitas vezes envolvendo a exposição dos órgãos genitais da vítima ou posicionamento sexual do corpo após a morte (Ploeg et al., 2024). Esses atos refletem uma busca por degradação e desumanização, alinhando-se com a literatura internacional que descreve a crueldade como uma característica marcante desses crimes (Meloy, 2000; Schlesinger, 2021).

A necrofilia, embora rara, tem sido documentada em cerca de 19% dos homicídios sexuais, com casos adicionais suspeitos, mas não confirmados (Ploeg et al., 2024). Esse comportamento, que envolve atividade sexual com o cadáver, está frequentemente ligado às parafilias mais amplas, como o sadismo sexual, e pode incluir mutilações ou manipulação do corpo para satisfação do agressor (Chopin & Beauregard, 2021; Mellor, 2016a). A presença de mutilações genitais ou não genitais, embora menos comum (4% e 19%, respectivamente), também serve como indicador de comportamentos extremos e ritualísticos, muitas vezes associados a fantasias sexuais sadistas (Kerr et al., 2013).

Além disso, a utilização de bondage não consensual tem sido observada em cerca de 20% dos casos, com alguns agressores optando por amarrar ou amordaçar as vítimas para facilitar o controle durante o crime (Ploeg et al., 2024). Esse comportamento está frequentemente ligado a motivações de poder e dominação, conforme descrito por Beauregard e Proulx (2002), que destacam a preferência de alguns assassinos sexuais por métodos que prolongam o sofrimento da vítima. Curiosamente, uma pesquisa neozelandesa também revelou que crimes motivados por raiva ou ciúme tendem a envolver múltiplos comportamentos sexuais, sugerindo que a violência excessiva pode ser uma forma de expressão emocional (Ploeg et al., 2024).

A heterogeneidade desses comportamentos dificulta a criação de perfis universais; todavia, estudos destacam a importância de considerar contextos locais e culturais. Por exemplo, o uso de armas de fogo é incomum entre assassinos sexuais que residem em países com alta restrição ao acesso a esse tipo de arma. Nestes locais, métodos como asfixia e força bruta predominam (Ploeg et al., 2024). Essa variação reforça a necessidade de abordagens investigativas flexíveis, capazes de adaptar-se às particularidades de cada caso e cultura.

Os comportamentos sexuais dos assassinos sexuais são marcados por uma complexidade que vai além do ato sexual, incorporando elementos de violência, controle e degradação.

Disposição dos Corpos das Vítimas

A disposição dos corpos das vítimas de assassinos sexuais é um aspecto crítico para a compreensão da dinâmica desses crimes, oferecendo insights sobre o comportamento, a motivação e as estratégias dos agressores para evitar a detecção. Estudos internacionais demonstram que os métodos de disposição corporal variam significativamente, refletindo a heterogeneidade desse tipo de crime. Entre os padrões mais comuns estão o transporte, a ocultação e, em casos raros, a destruição do corpo, cada um desses comportamentos podendo estar associado a características específicas do agressor ou do contexto do crime.

Em uma pesquisa neozelandesa, que analisou 26 casos de homicídio sexual entre 1968 e 2022, verificou-se que 58% das vítimas tiveram seus corpos transportados para locais distintos da cena do crime, enquanto 46% foram ocultados de alguma forma (Ploeg et al., 2024). Esses dados estão alinhados com estudos anteriores, como os de Beauregard e Field (2008), que identificaram que aproximadamente um terço dos homicídios sexuais envolvem a movimentação do corpo. O transporte do corpo frequentemente ocorre por meio de arrasto (67% dos casos) ou utilizando veículos (33%), sendo que em 38% dos casos as vítimas foram removidas para propriedades diferentes daquelas onde foram assassinadas (Ploeg et al., 2024). Essa prática pode estar relacionada à tentativa do agressor de dificultar a localização do corpo e, consequentemente, atrasar a identificação do crime.

A ocultação do corpo, por sua vez, está frequentemente associada a estratégias para evitar a descoberta do crime e prolongar o tempo até a investigação policial. Na amostra neozelandesa, os corpos foram escondidos em locais como matas, valas ou sob objetos, com alguns agressores utilizando métodos mais elaborados, como enterramento superficial (Ploeg et al., 2024). Beauregard e Martineau (2013) destacam que a ocultação pode também estar ligada a rituais ou fantasias do agressor, especialmente em casos em que há um componente sádico. Curiosamente, a pesquisa de Ploeg et al. (2024) observou que a asfixia foi o método de homicídio mais comum nos casos em que o corpo foi movido ou ocultado, sugerindo uma possível relação entre esse modus operandi e a disposição do corpo.

A destruição do corpo, embora rara, foi registrada em um caso na Nova Zelândia, no qual o agressor tentou incinerar os restos mortais (Ploeg et al., 2024). Esse comportamento extremo é menos documentado na literatura, mas quando ocorre, pode indicar um esforço deliberado para eliminar evidências físicas ou, em alguns casos, uma manifestação de desprezo pela vítima (Chai et al., 2021). Stein et al. (2010) observaram que em homicídios com elementos de necrofilia, os corpos tendem a ser deixados na cena do crime sem tentativas de destruição, o que contrasta com casos em que o agressor busca ativamente apagar vestígios.

Fatores como a idade da vítima e o relacionamento com o agressor também influenciam a disposição do corpo. Vítimas mais jovens têm maior probabilidade de ter seus corpos transportados e ocultados, enquanto vítimas mais velhas são frequentemente deixadas no local do crime (Beauregard & Field, 2008). Na Nova Zelândia, vítimas cujos corpos foram movidos tinham uma média de idade de 28 anos, comparado a 39 anos para aquelas cujos corpos permaneceram no local (Ploeg et al., 2024). Além disso, agressores com histórico criminal violento ou sexual são mais propensos a mover e ocultar os corpos, possivelmente devido a uma maior preocupação em evitar a captura (Ploeg et al., 2024).

A disposição do corpo pode ainda revelar informações sobre a motivação do crime. Por exemplo, homicídios sexualmente motivados estão mais associados ao transporte e ocultação do corpo, enquanto crimes impulsionados por raiva ou outros motivos não sexuais tendem a resultar em corpos deixados na cena (Ploeg et al., 2024). Essa distinção é relevante para a elaboração de perfis criminais, auxiliando os investigadores a identificar padrões e possíveis ligações entre casos.

A disposição dos corpos em homicídios sexuais é um fenômeno multifacetado, influenciado por fatores como o método do crime, as características da vítima e a motivação do agressor.

Contexto Histórico e Casos Notórios

A história registra casos de assassinos sexuais seriais há séculos, mas foi no final do século XIX e ao longo do século XX que esses crimes ganharam atenção sistemática (Egger, 1990). Figuras como Jack, o Estripador, no século XIX, e Albert Fish, nos Estados Unidos da década de 1920, chocaram o mundo com sua brutalidade. No entanto, foi a partir da segunda metade do século XX que a psiquiatria e a criminologia começaram a estudar esses criminosos de forma mais científica (Ressler, 1997).

Na década de 1970, o FBI iniciou o Projeto de Pesquisa sobre Crimes Violentos, liderado por agentes como Robert Ressler e John Douglas, que entrevistaram assassinos seriais para entender seus perfis psicológicos (Ressler et al., 1986). Esse trabalho revelou padrões comuns, como histórico de abuso na infância, fascínio por fogo e crueldade com animais, além de traços de personalidade antissocial e narcisista (Hare, 1993).

Casos como o de Ted Bundy, que assassinou dezenas de mulheres nos anos 1970, e John Wayne Gacy, que matou jovens homens e os enterrou em sua casa, ilustram a diversidade de perfis (Bugliosi & Gentry, 1974). Bundy era charmoso e inteligente, usando seu carisma para atrair vítimas, enquanto Gacy se passava por um cidadão exemplar, participando de eventos comunitários (Carich et al., 1996).

Abaixo, fornecemos uma tabela informativa sobre alguns dos mais célebres assassinos sexuais do século XX:

Resumo dos Modi Operandi dos Casos Notórios Descritos na Tabela

Aqui está um resumo dos modi operandi dos assassinos sexuais apresentados:

Pang Shun-Yee

Pang Shun-Yee foi um assassino sexual não serial que cometeu dois homicídios em Hong Kong em 1985. Ele atraiu suas vítimas, duas mulheres jovens, através de uma abordagem de grupo, com a ajuda de outros adolescentes. Após a abordagem, ele as levou para um local isolado e as matou por estrangulamento. Pang apresentava características de um ofensor sexual juvenil em grupo, com problemas de desenvolvimento social e tendências sádicas.

Barrie John Watts

Barrie John Watts era um assassino sexual não serial que cometeu o homicídio de uma criança de 7 anos na Austrália em 1987. Ele atraiu a vítima com a promessa de dinheiro e a levou para um local isolado, onde a estrangulou e mutilou o corpo. Watts apresentava características de um ofensor sexual com tendências sádicas e de co-ofensores.

Dennis McGuire

Dennis McGuire era um assassino sexual não serial que cometeu o homicídio de uma mulher grávida no estado de Ohio, EUA, em 1989. Ele abordou a vítima, estuprou-a analmente e a matou por asfixia. McGuire apresentava características de um ofensor sexual que cometeu homicídio como resultado de uma agressão sexual letal.

Xu Zhihao

Xu Zhihao era um assassino sexual não serial que cometeu o homicídio de uma estudante do ensino médio em Taiwan em 2008. Ele atraiu a vítima com a promessa de dinheiro, levou-a para um local isolado e a matou por espancamento. Xu apresentava características de um ofensor sexual impulsivo e com tendências sádicas.

Ting Kai-Tai

Ting Kai-Tai era um assassino sexual não serial que cometeu o homicídio e desmembramento de uma garota em um serviço de acompanhamento em Hong Kong em 2008. Ele atraiu a vítima com a promessa de dinheiro, levou-a para um local isolado, a estuprou e a matou por asfixia. Ting apresentava características de um ofensor sexual com problemas de abuso de drogas e tendências sádicas.

John Nigel Maden

John Nigel Maden era um assassino sexual não serial que cometeu o homicídio e tortura sexual de uma menina em Manchester, Reino Unido, em 2010. Ele atraiu a vítima com a promessa de dinheiro, levou-a para um local isolado e a matou por asfixia após torturá-la sexualmente. Maden apresentava características de um ofensor sexual com interesses sexuais desviantes e tendências sádicas.

Lam Kor-Wan

Lam Kor-Wan era um assassino sexual serial que cometeu múltiplos homicídios em Hong Kong na década de 1980. Ele atraía suas vítimas, mulheres jovens, com a promessa de empregos, levava-as para locais isolados e as matava por estrangulamento. Lam apresentava características de um ofensor sexual sádico e organizado.

Dennis Andrew Nilsen

Dennis Andrew Nilsen era um assassino sexual serial que cometeu múltiplos homicídios de homens em Londres, Reino Unido, entre 1978 e 1983. Ele atraía suas vítimas, homens solitários, para seu apartamento, estrangulava-as e mantinha os corpos para companhia. Nilsen apresentava características de um ofensor sexual homossexual com tendências sádicas e necrofílicas.

Dennis Lynn Rader

Dennis Lynn Rader, também conhecido como o “BTK Strangler”, era um assassino sexual serial que cometeu múltiplos homicídios em Kansas, EUA, entre 1974 e 1991. Ele atraía suas vítimas, mulheres, com enganos, levava-as para locais isolados e as estrangulava. Rader apresentava características de um ofensor sexual sádico e organizado, com traços psicopáticos.

Jeffrey Dahmer

Jeffrey Dahmer era um assassino sexual serial que cometeu múltiplos homicídios de homens e meninos em Milwaukee, EUA, entre 1978 e 1991. Ele atraía suas vítimas com promessas de dinheiro ou drogas, levava-as para seu apartamento, estuprava-as, matava e mutilava os corpos. Dahmer apresentava características de um ofensor sexual sádico, necrofílico e com transtornos de personalidade.

Lam Kwok-Wai

Lam Kwok-Wai era um assassino sexual serial que cometeu múltiplos estupros e homicídios de mulheres em Tuen Mun, Hong Kong, entre 1992 e 1993. Ele abordava suas vítimas, mulheres, em suas casas durante assaltos sexuais e as matava por estrangulamento. Lam apresentava características de um ofensor sexual que cometia homicídios durante a prática de crimes sexuais.

Luis Alfredo Garavito Cubillos

Luis Alfredo Garavito Cubillos era um assassino sexual serial que cometeu múltiplos homicídios de meninos na Colômbia entre 1992 e 1999. Ele atraía suas vítimas, meninos de rua, com promessas de dinheiro ou comida, levava-as para locais isolados e as matava por estrangulamento. Garavito apresentava características de um ofensor sexual sádico e organizado que caçava vítimas vulneráveis.

Gary Leon Ridgway

Gary Leon Ridgway, também conhecido como o “Green River Killer”, era um assassino sexual serial que cometeu múltiplos homicídios de mulheres em Washington, EUA, entre 1982 e 2001. Ele abordava suas vítimas, mulheres marginalizadas como prostitutas e fugitivas, em locais públicos, levava-as para locais isolados e as matava por estrangulamento. Ridgway apresentava características de um ofensor sexual que selecionava vítimas vulneráveis.

Uma Análise Comparativa dos Modi Operandi dos Casos Notórios Descritos

Primeiro, o resumo tabular dos principais atributos de cada assassino:

Segundo, a distribuição entre assassinos seriais e não-seriais:

 

Terceiro, a frequência dos métodos de assassinato:

 

 

Quarto, a incidência dos traços comportamentais:

Esses plots mostram:

    • Apesar de existirem mais casos seriais (8) que não-seriais (5), ambos os grupos usam predominantemente o estrangulamento como método de controle.

    • Métodos mais violentos (desmembramento, espancamento) são menos comuns, concentrados em perfis com forte componente sádico ou necrofílico.

    • Nos traços, “sadismo” lidera amplamente, seguido por “organizado” e “impulsivo”, refletindo a divisão entre assassinos sexuais meticulosamente planejados versus os que agem de forma mais impulsiva.

 

Quinto, a distribuição dos perfis de vítimas nos 13 casos analisados:

Observações:

    • O grupo “Mulheres” (sem especificação etária ou condição) aparece em 2 casos.

    • Perfis mais específicos (crianças, jovens, gestantes, estudantes, acompanhantes, meninos de rua, turistas estrangeiras) ocorrem uma vez cada.

    • Há um caso envolvendo “Homens jovens” e outro “Homens e meninos”, refletindo perfis menos comuns em homicídios sexuais.

Isso indica uma ampla variedade de vulnerabilidades exploradas pelos agressores, com predominância de vítimas femininas, mas também presença significativa de alvos infantis e jovens.

Epidemiologia e Perfil Demográfico

A epidemiologia dos assassinos sexuais é um campo de estudo complexo que busca compreender a prevalência, as características demográficas e os padrões comportamentais desses criminosos. Os assassinos sexuais, também conhecidos como homicidas sexuais, representam uma pequena parcela dos criminosos sexuais, mas suas ações têm um impacto devastador nas vítimas, famílias e sociedade como um todo. Estudos epidemiológicos sobre esse grupo são essenciais para desenvolver estratégias de prevenção, intervenção e tratamento.

De acordo com Chan (2015), os homicídios sexuais correspondem a aproximadamente 1% a 5% de todos os homicídios registrados em diferentes países, variando conforme as definições utilizadas e a qualidade dos sistemas de registro criminal. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa anual de homicídios sexuais foi estimada em 0,84% entre 1976 e 2012 (Chan et al., 2019a). Outros países, como Canadá, Finlândia e Inglaterra, relatam taxas ligeiramente mais altas, variando de 2,7% a 5% (Chan & Heide, 2009; Kong et al., 2003; Häkkänen-Nyholm et al., 2009). Essas variações podem ser atribuídas a diferenças culturais, legais e metodológicas na classificação desses crimes.

A maioria dos assassinos sexuais é do sexo masculino, representando cerca de 95% dos casos, enquanto os assassinos sexuais do sexo feminino são raros, correspondendo a menos de 5% (Chan et al., 2019ª; Ressler et al., 1988). A idade média dos homicidas sexuais no momento da prisão varia entre 25 e 34 anos para homens e aproximadamente 27 anos para mulheres (Chan, 2017a). Quanto às vítimas, a maioria são mulheres (79%), com idade média entre 27 e 37 anos, dependendo da amostra estudada (Chan et al., 2019a). Vítimas de assassinos seriais tendem a ser significativamente mais jovens do que vítimas de assassinos não seriais, com uma média de idade de 23 anos em comparação com 29 anos (Chan et al., 2015).

Do ponto de vista racial ou étnico, a maioria dos assassinos sexuais e de suas vítimas são brancos, variando de 59% a 95% em diferentes estudos (Chan, 2015; Greenall & Richardson, 2015). No entanto, nos Estados Unidos, os negros estão desproporcionalmente representados entre os assassinos sexuais (41%), considerando sua representação na população geral (13%) (Chan et al., 2010). Esse padrão também é observado entre mulheres criminosas nos Estados Unidos (Chan et al., 2013a). Além disso, os homicídios intrarraciais (dentro da mesma raça) são mais comuns entre assassinos brancos, enquanto os negros tendem a cometer homicídios tanto intrarraciais quanto interraciais, com a probabilidade de vitimização interracial aumentando conforme a idade da vítima (Chan et al., 2010).

Fatores como baixo nível educacional, desemprego e histórico criminal prévio são frequentemente associados a assassinos sexuais. Embora alguns estudos sugiram que esses criminosos possuem pelo menos o ensino médio (Chan et al., 2019b; Healey et al., 2013), outros apontam para baixa escolaridade ou abandono escolar (Rettenberger et al., 2013; Spehr et al., 2010). Quanto ao emprego, muitos assassinos sexuais estão desempregados no momento do crime, embora alguns estudos recentes indiquem que a maioria pode estar empregada, mas em ocupações de baixa qualificação (Greenall & Richardson, 2015; Stefanska et al., 2015). Além disso, um histórico de condenações criminais anteriores é comum, incluindo crimes violentos, sexuais e contra o patrimônio (Beauregard & Martineau, 2013; Häkkänen-Nyholm et al., 2009).

A literatura também destaca a importância de experiências adversas na infância, como abuso físico, psicológico ou sexual, negligência e ambientes familiares problemáticos, como fatores de risco para o desenvolvimento de comportamentos violentos, incluindo homicídios sexuais (Burgess et al., 1986; Chan & Heide, 2009; DeLisi & Beauregard, 2018). Muitos também exibem comportamentos precoces da famigerada “tríade homicida”: enurese persistente, piromania e tortura contra animais (Carich & Calder, 2003). O isolamento social e a dependência de fantasias sexuais desviantes são frequentemente observados nesses indivíduos, contribuindo para sua motivação para cometer crimes sexuais letais (Chan et al., 2011).

Em resumo, a epidemiologia dos assassinos sexuais revela um perfil predominante de homens adultos, com histórico de problemas sociais e psicológicos, que vitimam principalmente mulheres jovens. Compreender esses padrões é crucial para o desenvolvimento de políticas públicas e intervenções eficazes voltadas para a prevenção e o combate a esse tipo de crime violento.

Geograficamente, os Estados Unidos têm o maior número de casos registrados, possivelmente devido à combinação de fatores como acesso a armas, mobilidade geográfica e cobertura midiática (Egger, 1990). No entanto, casos também são documentados na Europa, Ásia e América Latina, como o brasileiro Pedro Rodrigues Filho, conhecido como “Pedrinho Matador”, que cometeu dezenas de assassinatos, alguns com motivação sexual.

Teorias Psicopatológicas e Desenvolvimentais

Várias teorias tentam explicar o comportamento dos assassinos sexuais seriais. Uma das mais influentes é a teoria do desenvolvimento mente-corpo, proposta por Carich, Fisher e Kohut, que sugere que esses indivíduos passam por um processo de codificação de experiências traumáticas em “scripts” ou modelos internos de comportamento. Esses scripts são ativados em estados dissociativos, onde o assassino age como se estivesse em um “piloto automático”, desconectado da realidade imediata (Rossi, 1993).

Outras perspectivas destacam:

    • Traços de personalidade: Muitos assassinos sexuais exibem características de psicopatia, narcisismo e transtorno de personalidade borderline. Eles carecem de empatia e veem as vítimas como objetos para sua gratificação (Hare, 1993).

    • Teorias implícitas: Polaschek e Ward (2002) identificaram crenças distorcidas, como “mulheres como objetos sexuais” ou “o mundo é perigoso”, que justificam sua violência.

    • Fatores biológicos: Algumas pesquisas sugerem anormalidades no sistema límbico do cérebro, responsável por emoções e impulsos (Rossi, 2002).

 

Palavras Finais

A análise dos agressores sexuais seriais e assassinos sexuais revela um fenômeno criminológico complexo, marcado por múltiplas camadas psicológicas, sociais e comportamentais. O diálogo entre o Sr. X e o Dr., apresentado no início do texto, ilustra a ambiguidade e a progressão potencial desses criminosos, destacando como desejos violentos podem evoluir de agressões sexuais para homicídios. Essa dinâmica sugere a existência de um continuum entre agressores sexuais seriais e assassinos sexuais, embora essa noção não seja linear nem universal, dada a heterogeneidade dos perfis criminais.

Os agressores sexuais seriais e os assassinos sexuais compartilham traços comuns, como a busca por poder, controle e gratificação sexual, além de características psicopatológicas como falta de empatia, narcisismo e histórico de traumas infantis. No entanto, diferenças significativas separam esses grupos. Enquanto os agressores sexuais seriais podem não matar suas vítimas, os assassinos sexuais incorporam o homicídio como parte de um ritual sádico, frequentemente associado a fantasias elaboradas. Essa distinção é crucial para compreender suas motivações e modus operandi, como evidenciado na comparação entre assassinos seriais (ASS) e não seriais (ASNS). Os ASS planejam meticulosamente seus crimes, selecionam vítimas específicas e realizam rituais pós-morte, enquanto os ASNS agem impulsivamente, movidos por raiva ou vingança.

A presença de uma “assinatura” nos crimes dos ASS, como mutilações ou necrofilia, reforça a ideia de que esses atos são a materialização de fantasias profundamente enraizadas. Em contraste, os ASNS não apresentam padrões ritualísticos consistentes, sendo sua violência mais expressiva e caótica. Essas diferenças têm implicações práticas para a investigação policial, pois os ASS tendem a evitar a captura devido ao seu planejamento, enquanto os ASNS deixam mais evidências, facilitando sua identificação.

O perfil demográfico desses criminosos também oferece insights valiosos. A maioria é composta por homens jovens, com histórico de isolamento social, baixa autoestima e experiências traumáticas na infância. Vítimas de assassinos sexuais seriais são frequentemente mulheres jovens, enquanto os ASNS podem atacar conhecidos ou pessoas com quem têm conflitos prévios. Esses padrões destacam a importância de considerar contextos socioculturais e psicológicos na análise desses crimes.

As teorias psicopatológicas e desenvolvimentais, como a teoria do desenvolvimento mente-corpo e as implicações de traços de personalidade antissocial, ajudam a explicar a gênese desses comportamentos violentos. No entanto, a diversidade de fatores envolvidos — desde anormalidades biológicas até influências ambientais — reforça a necessidade de abordagens multifacetadas para prevenção e tratamento.

Em síntese, o estudo dos agressores sexuais seriais e assassinos sexuais revela um espectro de violência que desafia explicações simplistas. Embora o modelo de continuum ofereça uma estrutura útil para entender a progressão potencial desses crimes, ele deve ser aplicado com cautela, reconhecendo a singularidade de cada caso. Estratégias de prevenção e intervenção precoce são essenciais para interromper ciclos de violência, combinando insights psicológicos, criminais e sociais. A complexidade desse fenômeno exige um esforço contínuo de pesquisa e reflexão, visando não apenas a compreensão, mas também a mitigação de seu impacto devastador na sociedade.

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