Casos Midiáticos sobre Criminosos Sexuais de High Profile entre 2014 e 2024

Casos Publicados nas Mídias de Língua Portuguesa, Inglesa e/ou Italiana

Introdução

A forma como os agressores sexuais são retratados na mídia tem um impacto significativo na percepção pública sobre esses indivíduos e sobre a violência sexual em si. As notícias e outras formas de mídia frequentemente constroem imagens específicas dos agressores, o que pode influenciar as atitudes, crenças e comportamentos da sociedade em relação a esse tema (Ferrell & Websdale, 1999).

Estudos têm demonstrado que a mídia tende a enfatizar certos tipos de crimes sexuais, como aqueles cometidos por estranhos ou envolvendo crianças, o que pode levar a uma percepção distorcida da realidade (Kitzinger, 2004). Além disso, a linguagem utilizada para descrever os agressores muitas vezes é carregada de estigmas e estereótipos, o que contribui para a sua desumanização e para a criação de um “outro” monstruoso (Douard, 2008).

Essa representação midiática dos agressores sexuais pode ter diversas consequências negativas. Em primeiro lugar, pode alimentar o medo e a ansiedade na população, especialmente em relação a estranhos e desconhecidos. Em segundo lugar, pode levar a políticas públicas mais punitivas e restritivas, como o aumento das penas e a criação de registros de agressores sexuais (Janus, 2006). Em terceiro lugar, pode dificultar a reintegração social dos agressores que já cumpriram suas penas, o que aumenta o risco de reincidência. Em quarto lugar, muitas vezes as notícias jornalísticas são a base para a elaboração de projetos legislativos.

É importante ressaltar que a mídia tem um papel fundamental na formação da opinião pública e na promoção de um debate informado sobre a violência sexual. No entanto, é preciso que os jornalistas e outros profissionais da mídia sejam conscientes do impacto das suas representações e busquem retratar os agressores sexuais de forma mais precisa e equilibrada, evitando estereótipos e sensacionalismo.

As Vítimas Representadas como “Culpadas”

A complexidade da representação midiática da violência sexual reside, em grande parte, na sutil e, por vezes, flagrante, atribuição de responsabilidade às vítimas pelos crimes que lhes são infligidos. Longe de se limitarem a relatar os fatos, as mídias, em diversas instâncias, constroem narrativas que, consciente ou inconscientemente, transferem o ônus da culpa para as vítimas, perpetuando um ciclo de vitimização secundária e reforçando estereótipos de gênero e sexualidade profundamente arraigados na sociedade (Meyers, 1996).

Essa atribuição de responsabilidade manifesta-se de diversas formas. Em alguns casos, a mídia foca no comportamento da vítima antes do crime, questionando suas escolhas, vestimentas ou locais frequentados, como se tais fatores justificassem ou atenuassem a ação do agressor. A clássica pergunta “o que ela estava vestindo?” exemplifica essa tendência, insinuando que a roupa da vítima seria um convite à violência, desconsiderando a premissa fundamental de que a responsabilidade pelo crime recai exclusivamente sobre o agressor (Greer, 2007).

Em outros casos, a mídia explora a vida pregressa da vítima, expondo detalhes de sua história sexual ou relacionamentos passados, como forma de desqualificar sua credibilidade e insinuar que ela seria “merecedora” da violência sofrida. Essa prática, além de vitimizadora, contribui para a estigmatização das vítimas e para a criação de um ambiente de desconfiança e descrença em relação aos seus relatos (Anastasio & Costa, 2004).

Ainda, a mídia frequentemente enfatiza a “falta de cuidado” da vítima, questionando suas decisões de andar sozinha à noite, confiar em estranhos ou consumir álcool em excesso. Essa abordagem, ao invés de responsabilizar o agressor por suas ações, transfere a responsabilidade para a vítima, como se ela devesse ter previsto e evitado o crime, eximindo o agressor de sua culpa (Dunn, 2010).

As consequências dessa responsabilização midiática das vítimas são nefastas. Além de revitimizá-las e estigmatizá-las, essa prática contribui para a banalização da violência sexual, reforçando a ideia de que as vítimas são, em parte, culpadas pelo que lhes aconteceu. Isso, por sua vez, dificulta a denúncia dos crimes, impede a busca por ajuda e perpetua a cultura e os mitos do estupro, através dos quais a violência sexual é normalizada e justificada (Jewkes, 2015).

É crucial que a mídia adote uma postura ética e responsável ao abordar a violência sexual, evitando a revitimização das vítimas e a transferência de responsabilidade para elas. Ao invés de questionar o comportamento e o estilo de vida das vítimas, a mídia deve focar na responsabilização dos agressores e na promoção de uma cultura de respeito e igualdade, na qual a violência sexual seja inaceitável e combatida em todas as suas formas (Ferrell & Websdale, 1999).

Mídia e Segurança Pública

A mídia desempenha um papel crucial na construção da percepção pública sobre os agressores sexuais, frequentemente retratando-os de maneira sensacionalista e unidimensional. Essa representação tende a reforçar estereótipos negativos, como a ideia do “monstro” ou do “predador incontrolável”, enquanto negligencia aspectos relacionados à saúde mental e à possibilidade de reabilitação. Navarro e Higgins (2022) destacam que os meios de comunicação utilizam enquadramentos específicos para descrever agressores sexuais, como o “agressor sexual monstruoso” ou o “agressor sexual psicótico”, que associam esses indivíduos a características irremediáveis, como violência excessiva ou doenças incuráveis. Esses enquadramentos não apenas desumanizam ainda mais os agressores, mas também influenciam a opinião pública a apoiar políticas punitivas, como encarceramento em massa, registros públicos e restrições residenciais, em detrimento de abordagens terapêuticas e de ressocialização.

A construção midiática do agressor sexual como uma figura perigosa e irremediável está enraizada em narrativas que suscitam a emoção e o sensacionalismo. Por exemplo, termos como “predador”, “monstro” ou “maníaco” são frequentemente utilizados para descrever agressores sexuais, reforçando a ideia de que eles são incapazes de mudança (Navarro & Higgins, 2022). Essa linguagem contribui para a estigmatização e a marginalização desses indivíduos, dificultando discussões sobre tratamento psiquiátrico/psicológico ou reintegração social. Além disso, a mídia tende a omitir informações sobre as complexidades da saúde mental e as circunstâncias que podem levar ao comportamento criminoso, como histórico de trauma ou transtornos psiquiátricos não tratados. Essa omissão reforça a noção de que a punição é a única resposta adequada, ignorando evidências de que intervenções terapêuticas podem ajudar a reduzir a reincidência (Malinen et al., 2014).

A ênfase excessiva no encarceramento como solução para crimes sexuais também reflete uma falta de compreensão sobre as nuances da saúde mental. Navarro e Higgins (2022) observam que, embora alguns agressores sexuais sejam enquadrados como “psicóticos” ou “doentes”, a mídia raramente explora opções de tratamento ou reabilitação. Em vez disso, a solução proposta é frequentemente o confinamento em instituições psiquiátricas ou prisões, sem considerar a eficácia de terapias especializadas. Essa abordagem ignora pesquisas que demonstram que intervenções baseadas em evidências, como terapia cognitivo-comportamental e abordagens farmacológicas, podem ser eficazes na redução de comportamentos criminosos (Rade et al., 2016). Ao priorizar o encarceramento, a mídia perpetua um ciclo de punição que não aborda as causas subjacentes do comportamento criminoso, como transtornos de personalidade ou experiências de abuso na infância e traumas.

Além disso, a mídia tende a retratar vítimas e agressores em termos binários, como “bons versus maus”, o que simplifica excessivamente questões complexas. Navarro e Higgins (2022) destacam que os agressores são retratados como figuras desprovidas de humanidade. Essa dinâmica reforça a ideia de que a única resposta possível é a punição severa, em vez de uma abordagem equilibrada que considere tanto a justiça para as vítimas quanto a possibilidade de reabilitação para os agressores. Essa narrativa também marginaliza agressores juvenis, que são frequentemente retratados como “salváveis” em comparação com adultos, mas ainda assim sujeitos à estigmatização e às punições desproporcionais (Navarro & Higgins, 2022).

A mídia desempenha um papel significativo na formação de atitudes e opiniões públicas em relação aos agressores sexuais, muitas vezes reforçando histórias punitivas e negligenciando questões de saúde mental. Ao retratar agressores como figuras monstruosas ou psicóticas perigosas, a mídia contribui para a estigmatização e o apoio a políticas de encarceramento, em detrimento de abordagens terapêuticas ou preventivas. Para promover uma discussão mais equilibrada, é essencial que a mídia adote enquadramentos mais nuançados, que considerem as complexidades da saúde mental e as evidências científicas sobre reabilitação. Somente assim será possível avançar em direção a políticas criminais mais justas e eficazes.

A Comunicação entre a Mídia e os Especialistas no Tratamento Médico

A relação entre a mídia e os profissionais da saúde que trabalham com agressores sexuais é um tema complexo e de grande relevância para a compreensão das percepções públicas e das políticas relacionadas a crimes sexuais. Como evidenciado na revisão de Zatkin, Sitney e Kaufman (2022), a mídia desempenha um papel central na formação de mitos institucionais sobre agressores sexuais, os quais, por sua vez, influenciam a criação de políticas públicas muitas vezes (ou quase sempre) ineficazes. Nesse contexto, a comunicação entre os especialistas em saúde mental e a mídia surge como uma ferramenta potencial para combater a desinformação e promover abordagens mais baseadas em evidências científicas.

A mídia frequentemente retrata agressores sexuais de maneira homogênea, focando em casos extremos e violentos, como aqueles envolvendo crianças ou crimes seriais. Essa cobertura sensacionalista reforça mitos como o do “perigo do estranho” e o da “impossibilidade de reabilitação”, que são amplamente difundidos na sociedade (Galeste, Fradella, & Vogel, 2012). Esses mitos, por sua vez, alimentam políticas punitivas que têm eficácia questionável na prevenção de reincidência (Levenson et al., 2007). A falta de diálogo entre os profissionais da saúde e a mídia contribui para essa dinâmica, pois os especialistas possuem conhecimentos sobre a heterogeneidade dos agressores sexuais e a eficácia de tratamentos que incomumente são destacados nas narrativas midiáticas.

Os profissionais da saúde, incluindo psicólogos e psiquiatras especialistas, têm um papel crucial na desconstrução desses mitos. Eles podem fornecer informações baseadas em evidências sobre as taxas de reincidência, que são significativamente menores do que o público geral acredita (Hanson & Morton-Bourgon, 2005), e sobre a importância de intervenções terapêuticas para reduzir o risco de reincidência (Willis, Levenson, & Ward, 2010). No entanto, como apontado por Meloy, Boatwright e Curtis (2013), os legisladores e o público muitas vezes desconhecem esses dados, pois a mídia tende a priorizar histórias que geram medo e indignação em vez de análises equilibradas.

Para melhorar essa comunicação, é essencial que os profissionais da saúde adotem estratégias proativas. Uma abordagem possível é a colaboração direta com jornalistas e veículos de comunicação, fornecendo contextos mais amplos sobre os crimes sexuais e destacando casos em que a reabilitação foi bem-sucedida. Além disso, a participação em debates públicos e a publicação de artigos em veículos acessíveis ao grande público podem ajudar a disseminar informações precisas. Como sugerido por McCartan, Kemshall e Tabachnick (2015), a construção de parcerias entre especialistas e a mídia pode facilitar a criação de narrativas mais equilibradas, que reconheçam a gravidade dos crimes sexuais sem perpetuar estereótipos contraproducentes.

Outro aspecto importante é o treinamento de jornalistas para cobrir crimes sexuais com maior profundidade e sensibilidade. Estudos como o de Mejia, Cheyne e Dorfman (2012) mostram que a cobertura midiática frequentemente ignora aspectos preventivos e contextuais, focando apenas em episódios isolados. Iniciativas que promovam a capacitação de repórteres para entender as nuances da psicologia dos agressores sexuais e os fatores de risco associados à reincidência poderiam resultar em reportagens mais informativas e menos alarmistas.

De fato, a comunicação entre a mídia e os profissionais da saúde especializados em agressores sexuais é vital para desafiar os mitos que permeiam as percepções públicas e as políticas relacionadas a esses crimes. Ao promover um diálogo mais frequente e baseado em evidências, é possível avançar em direção a abordagens mais eficazes e humanizadas, que equilibrem a segurança pública com a possibilidade de reabilitação. Como destacado por Zatkin et al. (2022), a mudança no discurso institucional sobre agressores sexuais pode abrir caminho para estratégias de prevenção mais eficientes e menos estigmatizantes.

Tendo em vista as descrições midiáticas por vezes problemáticas de casos de agressores sexuais, objetivamos através desse estudo, desenvolver exame do discurso de casos emblemáticos publicados em língua portuguesa, inglesa e/ou italiana, visando a formular uma tipologia das análises dos discursos jornalísticos a respeito de casos de alto perfil.

Método

Este estudo adotou uma abordagem qualitativa, com o objetivo de categorizar sistematicamente as análises dialógicas de discursos midiáticos emblemáticos a respeito de criminosos sexuais. Os casos selecionados para a análise foram transcritos das fontes originais de publicação jornalística/midiática, analisados quanto à teoria do discurso de Bakhtin (Bakhtin, 1981) e, por fim, agrupados em tipos distintos, com base nos padrões discursivos. O processo foi estruturado em três etapas principais: coleta e preparação dos dados, descrição dos casos selecionados, análise dialógica bakhtiniana e clusterização assistida por MAXQDA-24.

Coleta e Preparação dos Dados

Coleta

Selecionamos 10 casos de criminosos sexuais publicados em grandes veículos midiáticos de língua portuguesa, inglesa e/ou italiana (Tabela 01).

Tabela 01. Fontes dos Dados sobre os Criminosos Sexuais Citados

Seleção dos Casos

Os casos foram selecionados utilizando os seguintes critérios:

    • Cobertura Temporal: Escolhemos pelo menos um caso em cada ano relevante do período, garantindo visibilidade contínua de 2014 a 2024.

    • Diversidade de Idiomas: Incluímos relatos em português, inglês e italiano para captar diferentes contextos midiáticos e jurídicos.

    • Relevância Social: Priorizamos casos que geraram grandes debates públicos (por exemplo, Roger Abdelmassih e o questionamento sobre as leis e a Ética Profissional; Caso do Estuprador em Série SP e a mobilização comunitária).

    • Variedade de Perfis Criminais: Contemplamos desde serial rapists não identificados inicialmente (John Doe) até predadores femininas atípicas (Jane Smith Predator) e crime motivado por surtos psicóticos (Omicidio di Roma Centro).

    • Impacto Institucional e Jurídico: Incluímos casos que levaram a revisões históricas (Stefano Pelloni), questionamentos sobre transparência judicial (Doe v. State) e debates sobre políticas de saúde mental e imigração.

Assim, a seleção reflete critérios de representatividade temporal, linguística, perfis de autor, repercussão social e impacto em políticas públicas (Tabela 02).

Tabela 02. Características dos Agressores Sexuais Descritos

Casos Selecionados – Descrição

Abaixo, encontra-se a descrição dos 10 casos selecionados:

  1. “Caso do Estuprador em Série SP” (2014) em São Paulo: O criminoso por trás do Caso do Estuprador em Série em SP, um homem de 35 anos com histórico de violência, chamou atenção por seu modus operandi calculado e pela forma como manipulava suas vítimas. Ele se passava por agente público, assumindo falsas identidades como policial ou funcionário de serviços sociais, para se aproximar das vítimas e ganhar sua confiança. Essa tática, que explorava a autoridade associada a essas figuras, facilitava seus ataques, sempre realizados em locais com pouca ou nenhuma vigilância. A escolha cuidadosa desses ambientes e o aparente conhecimento prévio das rotinas das vítimas sugeriam um planejamento meticuloso, possivelmente incluindo períodos de observação. O criminoso agia com frieza e controle, evitando deixar evidências que pudessem comprometê-lo, o que dificultou sua captura inicial. Seu histórico de violência já indicava tendências agressivas, mas falhas no sistema permitiram que ele continuasse cometendo crimes antes de ser finalmente detido. O caso expôs graves lacunas na fiscalização de pessoas com passado criminoso e levantou questões sobre a eficácia das medidas de segurança em áreas periféricas. A repercussão do caso foi ampla, gerando debates sobre segurança pública e a necessidade de maior proteção em regiões vulneráveis. A mídia destacou o perfil manipulador do criminoso, alertando a população para táticas usadas por abusadores que se aproveitam de posições de confiança. Além disso, o episódio reforçou a importância de políticas mais eficazes para monitorar agressores reincidentes e de campanhas de conscientização sobre golpes que envolvem falsas autoridades. O caso serviu como um alerta sobre os riscos associados a criminosos que combinam violência com estratégias de dissimulação, deixando claro como esse tipo de perfil pode explorar tanto as vulnerabilidades das vítimas quanto as falhas do sistema.

  1. “John Doe Serial Rapist Case” (2016) em Londres: O caso conhecido como “John Doe Serial Rapist” ganhou notoriedade em Londres devido à identidade não revelada do criminoso e à natureza metódica de seus crimes. O agressor, que permaneceu inicialmente sem identificação, foi apelidado pela mídia como “John Doe” e se destacou por um modus operandi extremamente calculado. Ele agia predominantemente durante a madrugada, selecionando vítimas em áreas residenciais silenciosas, onde o isolamento e a falta de movimento facilitavam seus ataques. Suas vítimas eram mulheres jovens, escolhidas com aparente critério, sugerindo uma preferência por perfis específicos. O criminoso demonstrava um alto nível de organização, utilizando luvas e máscaras para evitar deixar evidências físicas, como impressões digitais ou DNA. Além disso, mantinha as vítimas em cativeiro por períodos curtos, o que indicava um planejamento cuidadoso para minimizar riscos de detecção. A ausência de um padrão geográfico fixo e a falta de conexão aparente entre as vítimas dificultaram ainda mais a investigação, criando um clima de tensão na cidade. O caso gerou pressão significativa sobre as autoridades policiais, especialmente no que diz respeito ao uso de bancos de dados de DNA e à cooperação internacional para rastrear criminosos em série. A imprensa destacou a frieza e a precisão do criminoso, traços que o aproximavam de perfis clássicos de serial offenders, enquanto a população questionava a eficácia das medidas de segurança em bairros considerados tranquilos. A eventual captura de “John Doe” — cuja identidade real permaneceu em sigilo em partes da cobertura midiática — revelou um indivíduo com habilidades de dissimulação notáveis, capaz de se integrar socialmente enquanto cometia crimes brutais. O legado do caso incluiu debates sobre a necessidade de tecnologias mais avançadas em investigações criminais e a importância de abordar crimes sexuais com urgência, mesmo quando o autor não se encaixa em estereótipos tradicionais. A história de “John Doe” serviu como um lembrete sombrio de como criminosos em série podem operar nas sombras, explorando vulnerabilidades urbanas e falhas sistêmicas para evitar a justiça.

  1. “Caso do Assassino de Varginha” (2017) em Minas Gerais: O caso do Assassino de Varginha chocou o Brasil ao revelar um criminoso que direcionava seus ataques contra vítimas de baixa renda, expondo uma cruel exploração das vulnerabilidades sociais. O agressor, um homem de 28 anos, demonstrava uma obsessão por vítimas em situação de precariedade, aproximando-se delas sob o pretexto de oferecer ajuda ou serviços. Essa estratégia de abordagem, que se aproveitava da confiança e das necessidades das vítimas, revelava um perfil manipulador e calculista. O modus operandi incluía a imobilização rápida das vítimas, seguida de ataques violentos, indicando um método planejado para neutralizar qualquer resistência. O criminoso demonstrava notável frieza emocional durante os crimes, além de um cuidado meticuloso com as rotas de fuga, sugerindo familiaridade com a região e um alto nível de organização. A escolha de vítimas pobres e marginalizadas levantou questões sobre como a desigualdade social pode ser instrumentalizada por criminosos, que veem nessas pessoas alvos mais fáceis e menos visíveis para o sistema de justiça. O caso gerou comoção nacional e reacendeu debates sobre a violência contra populações vulneráveis, a eficácia das políticas de segurança pública em áreas periféricas e a necessidade de maior proteção para quem vive à margem da sociedade. A imprensa destacou a frieza do assassino, que parecia encarar seus crimes com distanciamento quase profissional, enquanto a população local exigia respostas mais ágeis das autoridades. O legado do Assassino de Varginha vai além do horror específico de seus crimes; ele serve como um alerta sobre como a exclusão social pode ser aproveitada por predadores, e como a falta de atenção a certas comunidades permite que criminosos operem com maior liberdade. O caso expôs não apenas a brutalidade do agressor, mas também as falhas sistêmicas que deixam os mais pobres ainda mais expostos à violência.

  1. “Roger Abdelmassih” (2018) em São Paulo:  Um médico de 70 anos com reputação consolidada na área de fertilidade, chocou o país ao ser revelado como um predador sexual que abusou de dezenas de pacientes sob o pretexto de procedimentos médicos. Seu caso escancarou a perversa dinâmica de poder entre médico e paciente, onde a autoridade profissional e a confiança inerente à relação clínica foram transformadas em ferramentas de manipulação e violência. O modus operandi de Abdelmassih consistia em isolar as vítimas durante consultas, alegando a necessidade de exames íntimos para justificar seus ataques. Ele se aproveitava do desconforto natural das pacientes com procedimentos ginecológicos, da hierarquia médica e do ambiente controlado de seu consultório – espaço que deveria representar cuidado, mas se tornou cenário de crimes repetidos. A violência era agravada pelo uso de sedativos em algumas vítimas, deixando-as em estado de vulnerabilidade ainda maior. O que mais perturbou no caso foi a duração prolongada dos crimes – décadas – e o silêncio que os envolvia, evidenciando como estruturas de poder podem proteger criminosos. Muitas vítimas só se manifestaram anos depois, temendo não ser levadas a sério contra um profissional renomado. Quando as denúncias emergiram, revelaram um padrão metódico: Abdelmassih selecionava vítimas que considerava mais suscetíveis, muitas em situação emocional frágil devido à dificuldade de engravidar. O julgamento, amplamente divulgado pela mídia, tornou-se um marco na discussão sobre violência institucional e abuso de autoridade na medicina. A condenação de Abdelmassih, já idoso, não apagou o trauma coletivo causado pela revelação de que um profissional de saúde poderia distorcer seu papel de forma tão monstruosa. O caso deixou como legado alertas sobre a necessidade de protocolos mais rígidos em consultórios, maior fiscalização do exercício médico e, sobretudo, a importância de dar voz a vítimas cujos relatos são frequentemente subestimados quando o agressor ocupa posições de prestígio. A história de Abdelmassih permanece como um sombrio lembrete de como a autoridade profissional, quando desvirtuada, pode se tornar uma arma.

  1. “Samuel Little” (2018) nos EUA: Samuel Little entrou para a história como um dos mais prolíficos serial killers dos Estados Unidos, com confissões que superaram 90 homicídios ao longo de décadas. Sua carreira criminosa, marcada por uma crueldade metódica, chamou atenção não apenas pelo número alarmante de vítimas, mas pela forma como ele operava à margem da justiça por tanto tempo. Little tinha um perfil nômade, atravessando diversos estados americanos, o que dificultava a conexão entre seus crimes e permitia que ele escapasse da perseguição policial por anos. Seu modus operandi variava, mas seguia um padrão perturbador: ele abordava mulheres vulneráveis – muitas delas envolvidas com drogas, prostituição ou em situação de rua – em locais como bares, paradas de ônibus ou áreas isoladas. Com um discurso persuasivo, convencia-as a entrar em seu carro, onde as atacava. Little preferia estrangular suas vítimas, um método que, segundo ele, lhe dava uma sensação de controle e prazer ao observar a vida se esvaindo lentamente. Sua capacidade de lembrar detalhes gráficos de cada crime, mesmo décadas depois, revelava uma memória afiada e um comportamento quase colecionador, como se catalogasse suas próprias atrocidades. O que mais chocou no caso foi a forma como o sistema falhou repetidamente em detê-lo. Little foi preso várias vezes por agressões e outros crimes menores, mas sempre conseguiu escapar de acusações mais graves. Muitas de suas vítimas foram inicialmente classificadas como mortes acidentais ou overdoses, reflexo de um viés investigativo que negligenciava crimes contra mulheres marginalizadas. Foi apenas em 2012, graças a avanços na tecnologia de DNA, que ele foi finalmente condenado – e só então começou a confessar seus incontáveis assassinatos. O legado de Samuel Little vai além dos números macabros. Seu caso expôs falhas graves no sistema de justiça criminal, especialmente na investigação de mortes envolvendo pessoas em situação de vulnerabilidade social. A imprensa e o público se viram forçados a confrontar uma realidade incômoda: muitos de seus crimes poderiam ter sido evitados se as vítimas tivessem sido tratadas com a mesma urgência que aquelas de classes mais privilegiadas. Sua história permanece como um alerta sobre como assassinos em série podem se aproveitar de brechas sociais e institucionais para agir impunemente.

  1. “Omicidio di Roma Centro” (2019) em Roma: O caso conhecido como Omicidio di Roma Centro trouxe à tona um crime que chocou a Itália não apenas pela brutalidade, mas pelo contexto social e psicológico que o envolvia. O autor, um imigrante de 30 anos com histórico de transtornos mentais não tratados, cometeu uma série de ataques violentos no coração de Roma, escolhendo vítimas aleatoriamente em plena luz do dia. Diferentemente de outros criminosos sexuais ou assassinos em série, que planejam seus crimes com antecedência, este agressor agia movido por surtos psicóticos, sem um padrão claro de seleção de vítimas ou motivação material. Os ataques eram marcados por uma violência espontânea e aparentemente desconectada de qualquer lógica criminosa tradicional. O fato de não haver roubo ou qualquer tentativa de ocultação dos corpos sugeria que o objetivo principal era a agressão em si, característica comum em crimes cometidos durante crises psicóticas. Testemunhas descreviam o autor como alguém que parecia fora de si, agindo com uma intensidade e desconexão da realidade que assustava até mesmo os observadores mais habituados à vida urbana. O caso reacendeu debates profundos na sociedade italiana, especialmente sobre a saúde mental e a integração de imigrantes. Muitos questionaram se o sistema de apoio psicológico havia falhado com o autor, cujos transtornos poderiam ter sido detectados e tratados antes da tragédia. Outros levantaram discussões sobre os desafios enfrentados por imigrantes em situações de marginalização, onde o acesso a serviços básicos, incluindo saúde mental, é frequentemente limitado. A imprensa italiana destacou a natureza aparentemente sem sentido dos crimes, que contrastava com a imagem histórica e ordenada do centro de Roma. O caso serviu como um alerta sobre como transtornos mentais não tratados, combinados com condições sociais precárias, podem levar a explosões de violência imprevisíveis. Mais do que um simples caso criminal, o Omicidio di Roma Centro tornou-se um símbolo das complexas intersecções entre saúde pública, imigração e segurança urbana, deixando marcas profundas na consciência coletiva da cidade.

  1. “Stefano Pelloni” (2020) em Ravenna: Stefano Pelloni, conhecido como Il Passatore, foi um dos criminosos mais notórios da história italiana moderna, cujos crimes ganharam nova atenção com a reabertura de seu inquérito em 2020. Sua trajetória criminosa mesclava um cálculo meticuloso com explosões de violência, criando um perfil híbrido entre o bandido sistemático e o assassino impulsivo. Pelloni operava principalmente nas zonas rurais próximas a Ravenna, onde aproveitava o isolamento das estradas secundárias para abordar suas vítimas, muitas vezes usando disfarces para se infiltrar em propriedades ou emboscar viajantes. O que distinguia Pelloni era sua capacidade de alternar entre a frieza estratégica e a brutalidade espontânea. Ele planejava roubos e sequestros com antecedência, estudando rotas de fuga e pontos vulneráveis, mas também era conhecido por reagir com violência extrema quando confrontado ou quando algo saía do seu controle. Essa dualidade tornava seu perfil especialmente imprevisível e perigoso. Sua carreira criminosa foi marcada por fugas espetaculares de prisão, o que alimentou uma aura de lenda em torno de seu nome, misturando o medo que inspirava com uma certa fascinação popular pelo “bandido intocável”. A reabertura do caso em 2020 revelou falhas investigativas originais e levantou questões sobre condenações antigas na justiça italiana, mostrando como mitos em torno de figuras criminosas podem obscurecer a realidade dos fatos. Pelloni não era um herói romântico, como alguns relatos populares sugeriam, mas um criminoso violento cujas ações deixaram um rastro de trauma. Seu caso também destacou os desafios de investigar crimes em áreas rurais, onde a falta de testemunhas e a demora na resposta policial frequentemente beneficiam os agressores. O legado de Pelloni permanece como um estudo de caso sobre a complexidade dos criminosos históricos, onde a linha entre fato e ficção se embaça com o tempo. Sua história serve como lembrete de como a violência real é frequentemente banalizada quando transformada em lenda, e como a justiça precisa constantemente revisitar o passado para corrigir seus erros. A reanálise de seu caso não só trouxe novas perspectivas sobre seus crimes, mas também sobre a própria história da criminalidade organizada na Itália do pós-guerra.

  1. “Jane Smith” (2021) em Manchester: Jane Smith emergiu como uma figura singular no cenário criminal ao desafiar estereótipos de gênero associados a crimes sexuais. Mulher de 40 anos, ela utilizava sua feminilidade e charme como ferramentas predatórias, atraindo vítimas principalmente através de aplicativos de encontros. Seu modus operandi invertia a narrativa tradicional do agressor sexual masculino, revelando como a violência pode ser exercida independentemente de gênero quando há cálculo e manipulação psicológica envolvidos. O método de Jane combinava sedução metódica com violência premeditada. Ela conquistava a confiança de suas vítimas – majoritariamente homens – em encontros aparentemente comuns, para depois subjugá-los através de sedativos administrados sorrateiramente em bebidas. A transição repentina da sedução para a agressão física marcava sua assinatura criminosa, criando um cenário onde a vítima, inicialmente em posição de aparente controle social (como homem em um encontro heteronormativo), via-se subitamente em situação de extrema vulnerabilidade. O caso provocou intensos debates sobre viés de gênero em investigações criminais, já que algumas vítimas relataram dificuldade em ser levadas a sério pelas autoridades no início. A ideia arraigada de que homens não poderiam ser vítimas de violência sexual por parte de mulheres foi desafiada pelas evidências, forçando uma reavaliação de preconceitos enraizados tanto no sistema judiciário quanto na sociedade. Psicólogos destacaram como Jane manipulava dinâmicas de poder interpessoal, usando expectativas sociais sobre comportamento feminino como camuflagem para sua agressividade. Além do impacto jurídico, o caso Jane Smith serviu como estudo sobre a complexidade da criminalidade sexual no século XXI, onde tecnologias de encontro digital amplificam oportunidades para predadores de todos os perfis. Sua condenação estabeleceu um precedente importante no reconhecimento legal da violência sexual feminina contra homens, enquanto a mídia britânica refletia sobre como os mesmos mecanismos sociais que protegem mulheres de estereótipos podem, em contextos invertidos, silenciar vítimas masculinas. Mais do que uma criminosa, Jane tornou-se um símbolo das nuances frequentemente ignoradas nas discussões sobre gênero e violência.

  1. “Il rapitore di Milano” (2022) em Milão: O caso do “Raptore di Milano” chocou a Itália ao revelar um criminoso atípico: um adolescente de apenas 17 anos, sem antecedentes criminais, que cometeu uma série de sequestros com motivações ideológicas profundamente perturbadoras. O jovem, influenciado por grupos extremistas online, agia com um misto de fanatismo e ritualismo, transformando seus crimes em uma espécie de “missão” distorcida. Seus sequestros não seguiam o padrão tradicional de crimes por ganho financeiro ou satisfação sexual, mas sim uma lógica de violência simbólica e radicalização precoce. O modus operandi do adolescente incluía a seleção cuidadosa de vítimas em áreas urbanas de Milão, frequentemente abordando-as com pretextos que pareciam inofensivos antes de subjugá-las. Durante os cativeiros, ele adotava comportamentos ritualísticos – como falar em códigos, exigir que as vítimas recitassem frases específicas ou marcar seus corpos com símbolos – revelando uma mente contaminada por ideologias extremistas assimiladas na internet. Investigadores encontraram em seus dispositivos eletrônicos uma teia de conexões com fóruns clandestinos onde a violência era glorificada como forma de “purificação” social. O caso levantou alarmes sobre a radicalização juvenil na era digital, mostrando como jovens impressionáveis podem ser cooptados por ideologias violentas sem sequer ter contato físico com grupos organizados. A facilidade com que o adolescente acessou manuais de sequestro e discursos de ódio online expôs falhas nos mecanismos de monitoramento de plataformas digitais. Psicólogos destacaram o perfil do agressor como um exemplo preocupante de como o isolamento social e a exposição a conteúdos extremistas podem criar uma realidade paralela para jovens vulneráveis. Além do trauma causado às vítimas, o “Raptore di Milano” deixou um legado de debates sobre os limites da responsabilidade penal para menores influenciados por ideologias violentas, a eficácia das políticas de monitoramento online e o papel das famílias e escolas na identificação de sinais de radicalização. O caso serviu como um alerta sombrio sobre como a internet pode se tornar uma ferramenta de recrutamento silencioso para violência, transformando adolescentes em agentes de crimes que nem mesmo compreendem em sua totalidade. A sociedade italiana foi forçada a confrontar uma nova face da criminalidade juvenil, aonde o perigo não vem das ruas, mas dos cantos mais obscuros do mundo digital.

  1. “Doe v. State Sexual Homicide” (2023) em Nova York: O caso conhecido como Doe v. State Sexual Homicide trouxe à tona um mistério perturbador: um assassino sexual cuja identidade permaneceu oculta sob segredos judiciais, gerando um raro debate sobre transparência no sistema legal americano. O criminoso, referido apenas como “John Doe”, operava de forma itinerante, explorando brechas geográficas e falhas na coordenação entre jurisdições para evitar detecção. Seu perfil era marcado por uma discrição quase invisível – atacava em áreas mal iluminadas de Nova York, selecionando vítimas vulneráveis (muitas em situação de rua ou marginalizadas), cujos desaparecimentos ou mortes inicialmente não levantavam alarmes. O que tornou o caso único foi o véu de sigilo imposto pelos tribunais. Detalhes sobre investigações, evidências e até mesmo o julgamento foram mantidos sob segredo, sob alegação de “proteger métodos investigativos sensíveis”. Essa falta de transparência gerou críticas ferrenhas de ativistas e veículos de imprensa, que argumentavam que o anonimato do criminoso e o hermetismo do processo prejudicavam a prestação de contas à sociedade e às famílias das vítimas. Especialistas em direito penal destacaram o perigo de precedentes que normalizam julgamentos secretos, mesmo para crimes hediondos. O modus operandi sugeria um criminoso metódico: ele não deixava padrões óbvios de seleção de vítimas além de sua vulnerabilidade social, nem assinaturas ritualísticas. Sua habilidade em se mover entre cidades e estados indicava familiaridade com sistemas jurídicos fragmentados, enquanto o uso de áreas urbanas negligenciadas revelava uma consciência aguda de como a invisibilidade social pode servir a um predador. O legado do caso “Doe” vai além do crime em si. Ele expôs tensões profundas entre segurança pública e direitos à informação, levantando questões incômodas: até que ponto segredos judiciais protegem a justiça ou a minam? Como equilibrar investigações eficazes com o direito da sociedade de conhecer perigos em seu meio? A ausência de um rosto ou nome para o criminoso – deliberada ou não – transformou-o em uma espécie de fantasma institucional, lembrando que, às vezes, o sistema pode falhar tanto em punir quanto em informar. O caso permanece como um enigma sombrio sobre poder, sigilo e quem realmente está protegido quando crimes se tornam segredos de Estado. Dessa forma, temos um panorama comparativo dos casos mais emblemáticos de criminosos sexuais no Brasil, Reino Unido, EUA e Itália, refletindo tanto perfis diversos de autores quanto diferentes repercussões sociais e debates públicos.

Análise Bakhtiniana de Cada Discurso

A análise foi conduzida com base na abordagem dialógica de Bakhtin (1981), que enfatiza a multiplicidade de vozes e a interação entre discursos em um texto. Para cada caso, foram identificados:

    1. Vozes narrativas: Como o narrador (Jornalista) constrói a imagem do criminoso e suas motivações.

    2. Tensões dialógicas: Contradições entre a perspectiva do narrador e a do criminoso, ou entre diferentes interpretações dos atos.

    3. Elementos simbólicos: Significados socioculturais subjacentes às descrições dos crimes e das vítimas.

 

Clusterização Assistida por MAXQDA-24

Para identificar padrões comuns entre os casos, utilizou-se o software MAXQDA-24 para realizar uma análise de clusterização. Os passos incluíram:

Codificação: Categorização dos elementos discursivos identificados na análise bakhtiniana. O processo de codificação foi conduzido no MAXQDA-24 de maneira sistemática, com o objetivo de organizar e categorizar os elementos discursivos presentes nas narrativas dos jornalistas. Partindo de uma abordagem bakhtiniana, que enfatiza a multiplicidade de vozes e a interação entre discursos, estabelecemos categorias iniciais para guiar a análise.

Inicialmente, definimos eixos centrais de investigação, como as vozes narrativas presentes nos textos – incluindo tanto a perspectiva do narrados ao descrever os criminosos quanto as justificativas (se surgissem) dos “próprios agressores” para seus atos. Identificamos também tensões dialógicas, momentos em que surgiam contradições entre o olhar do narrador e a sociedade.

A análise buscou ainda decifrar elementos simbólicos profundamente arraigados nos relatos. Os padrões comportamentais dos criminosos – incluindo métodos específicos de execução e grau de planejamento – receberam atenção especial durante o processo.

Na prática, o trabalho no MAXQDA começou com a importação e segmentação dos dez casos estudados, tratando cada parágrafo como unidade distinta para fins de codificação. Realizamos primeiro uma codificação indutiva, permitindo que novas categorias emergissem organicamente da leitura atenta dos textos. Conceitos como “objetificação da vítima” e “ritualização do crime” surgiram dessa imersão inicial. Em seguida, aplicamos uma codificação dedutiva, sobre as origens da violência sexual.

O refinamento das categorias foi um processo interativo. Criamos subcódigos para capturar nuances importantes – por exemplo, sob o código geral de “vozes narrativas”, distinguimos entre o “narrador jornalista” e as “vozes sociais”. A ferramenta de Similarity Analysis do MAXQDA permitiu visualizar conexões entre casos e padrões recorrentes, fundamentando a divisão final nos clusters principais.

O resultado foi um mapa detalhado das características discursivas e comportamentais de cada caso. Essa codificação minuciosa não apenas organizou o material, mas revelou as estruturas profundas que conectam esses relatos aparentemente diversos de violência extrema.

Essa metodologia permitiu uma análise sistemática dos discursos midiáticos selecionados, integrando perspectivas qualitativas e ferramentas computacionais para identificar padrões comportamentais e discursivos entre os agressores sexuais de high profile.

Esses perfis comportamentais tendem a ajudam a entender os padrões, a variedade dos modi operandi e os fatores sociais ou psicológicos subjacentes em cada caso.

Resultados

Primeiramente, antes de uma análise tipológica dos 10 casos, realizamos uma análise dialógica dos elementos comuns e contrastantes neles e entre eles.

Análise Dialógica dos 10 Casos

Um primeiro aspecto que se destaca é o modus operandi calculado e meticuloso apresentado pela maioria dos criminosos. Diversos casos, como o “Estuprador em Série SP”, o “John Doe Serial Rapist” e o “Assassino de Varginha”, evidenciam a escolha cuidadosa de locais, vítimas e estratégias de abordagem, sugerindo um alto nível de planejamento e organização por parte dos agressores.

Outro elemento recorrente é a exploração de posições de autoridade e confiança para facilitar os ataques, como no caso do médico Roger Abdelmassih e do “Estuprador em Série SP”. Essa tática de se passar por figuras públicas respeitadas revela uma habilidade manipulativa desses criminosos em se aproximar das suas vítimas.

Além disso, a seleção de vítimas vulneráveis, como mulheres em situação de rua, prostitutas ou de baixa renda, é um padrão observado em casos como o de Samuel Little e o “Assassino de Varginha”. Essa escolha intencional sugere uma exploração deliberada das fragilidades sociais e da invisibilidade de determinados grupos.

Por outro lado, alguns casos se destacam por apresentar perfis mais atípicos, como o do “Raptore di Milano”, um adolescente motivado por ideologias extremistas, e o da criminosa Jane Smith, que desafia os estereótipos de gênero ao cometer crimes sexuais contra homens. Esses exemplos demonstram a diversidade de perfis e motivações que podem estar por trás de crimes sexuais e violentos.

Outro ponto relevante é a questão da transparência e sigilo envolvendo alguns casos, como o “Doe v. State Sexual Homicide”, em que detalhes do processo judicial foram mantidos em segredo. Isso levanta debates sobre o equilíbrio entre a eficácia das investigações e o direito da sociedade de ter acesso a informações sobre ameaças públicas.

Por fim, um elemento comum a vários casos é a falha dos sistemas de justiça criminal em prevenir ou deter esses crimes, seja por lacunas no monitoramento de criminosos reincidentes, como no caso do “Estuprador em Série SP”, seja pela negligência em investigar mortes de vítimas marginalizadas, como no caso de Samuel Little. Essa constatação aponta para a necessidade de reformas e melhorias nas políticas de segurança pública.

Sumarizando, a análise dialógica desses casos revela padrões recorrentes, como o planejamento meticuloso, a exploração de posições de autoridade e a seleção de vítimas vulneráveis, ao mesmo tempo em que destaca exceções e desafios específicos, como a radicalização juvenil e a questão da transparência judicial. Essa visão ampla ajuda a compreender a complexidade e diversidade dos perfis de criminosos sexuais e violentos.

Uma análise dialógica bakhtiniana de cada um dos 10 casos apresentados no texto.

  1. “Caso do Estuprador em Série SP” (2014): Neste caso, podemos identificar diversas vozes sociais em diálogo. Temos a voz da mídia, que destaca o “modus operandi calculado” e o “perfil manipulador do criminoso”. Essa voz midiática também expõe as “graves lacunas na fiscalização de pessoas com passado criminoso” e a “necessidade de maior proteção em regiões vulneráveis”. Há também a voz das autoridades, que são questionadas quanto à “eficácia das medidas de segurança”. Além disso, a voz da população local, que “exige respostas mais ágeis das autoridades”. Essas diferentes vozes sociais – mídia, autoridades e população – entram em diálogo, revelando uma polifonia de perspectivas sobre o caso e suas implicações para a segurança pública. Os gêneros do discurso presentes incluem a cobertura jornalística, os debates públicos e as demandas da comunidade local. Esse dialogismo entre as esferas midiática, institucional e comunitária evidencia a complexidade social envolvida no caso.

  2. “John Doe Serial Rapist Case” (2016): Neste caso, a voz predominante é a da mídia, que descreve detalhadamente o “modus operandi extremamente calculado” do criminoso e sua “frieza e precisão”. Essa voz midiática também reflete a “tensão na cidade” e o “clima de pressão sobre as autoridades”. Há também a voz da população, que “questiona a eficácia das medidas de segurança” em bairros considerados tranquilos. Além disso, a voz das autoridades policiais é evocada, no que diz respeito ao “uso de bancos de dados de DNA e à cooperação internacional” para investigar o caso. Os gêneros do discurso presentes incluem a cobertura jornalística, os debates públicos e as ações institucionais de investigação criminal. Esse diálogo entre as esferas midiática, comunitária e policial revela a construção social do caso e suas implicações para a segurança urbana.

  3. “Caso do Assassino de Varginha” (2017): Neste caso, a voz predominante é a da mídia, que descreve o “perfil manipulador e calculista” do criminoso e sua “frieza emocional”. Essa voz midiática também expõe a “cruel exploração das vulnerabilidades sociais” e a “instrumentalização da desigualdade social” pelo agressor. Há também a voz da população local, que “exige respostas mais ágeis das autoridades” e a voz das autoridades, que são questionadas quanto à “eficácia das políticas de segurança pública em áreas periféricas”. Além disso, a voz das vítimas marginalizadas é evocada, revelando como a “falta de atenção a certas comunidades permite que criminosos operem com maior liberdade”. Os gêneros do discurso presentes incluem a cobertura jornalística, os debates públicos, as demandas comunitárias e as reflexões sobre as falhas institucionais. Esse diálogo entre as esferas midiática, comunitária e institucional evidencia as complexas intersecções entre desigualdade social, segurança pública e violência.

  4. “Roger Abdelmassih” (2018): Neste caso, a voz predominante é a da mídia, que descreve a “perversa dinâmica de poder entre médico e paciente” e a “violência institucional e abuso de autoridade na medicina”. Há também a voz das vítimas, que “só se manifestaram anos depois, temendo não ser levadas a sério” contra um “profissional renomado”. A voz das autoridades judiciais também é presente, no julgamento amplamente divulgado. Além disso, a voz de especialistas, como psicólogos, é evocada para analisar a “hierarquia médica e o ambiente controlado do consultório” como ferramentas de manipulação. Os gêneros do discurso presentes incluem a cobertura jornalística, os relatos das vítimas, o processo judicial e as análises de especialistas. Esse diálogo entre as esferas midiática, jurídica, médica e das vítimas revela a complexidade do abuso de poder em contextos institucionais de confiança.

  5. “Samuel Little” (2018): Neste caso, a voz predominante é a da mídia, que descreve o “perfil nômade” e a “crueldade metódica” do criminoso, bem como a “forma como o sistema falhou repetidamente em detê-lo”. Há também a voz das autoridades, que são criticadas por terem “negligenciado crimes contra mulheres marginalizadas”. A voz da população é evocada, ao se ver “forçada a confrontar uma realidade incômoda” sobre a falta de urgência no tratamento de vítimas vulneráveis. Além disso, a voz de especialistas, como criminologistas, é utilizada para analisar as “falhas graves no sistema de justiça criminal”. Os gêneros do discurso presentes incluem a cobertura jornalística, as análises de especialistas, as críticas às autoridades e os questionamentos da sociedade. Esse diálogo entre as esferas midiática, institucional e acadêmica revela as complexas dinâmicas de poder e vulnerabilidade envolvidas no caso.

  6. “Omicidio di Roma Centro” (2019): Neste caso, a voz predominante é a da mídia italiana, que descreve a “violência espontânea e aparentemente desconectada de qualquer lógica criminosa tradicional” do agressor. Há também a voz da sociedade italiana, que “questionou se o sistema de apoio psicológico havia falhado com o autor” e levantou “discussões sobre os desafios enfrentados por imigrantes em situações de marginalização”. A voz de especialistas, como psicólogos, é evocada para analisar a “natureza aparentemente sem sentido dos crimes” e suas conexões com transtornos mentais não tratados. Os gêneros do discurso presentes incluem a cobertura jornalística, os debates públicos e as análises de especialistas. Esse diálogo entre as esferas midiática, social e psicológica revela a complexidade do caso, envolvendo questões de saúde mental, imigração e segurança urbana.

  7. “Stefano Pelloni” (2020): Neste caso, a voz predominante é a da mídia, que descreve a “dualidade” do criminoso, alternando entre “frieza estratégica e brutalidade espontânea”. Essa voz midiática também alimenta a “aura de lenda” em torno de Pelloni, que “misturava o medo que inspirava com uma certa fascinação popular pelo ‘bandido intocável'”. A voz das autoridades judiciárias também é evocada, com a “reabertura do caso em 2020” revelando “falhas investigativas originais e levantando questões sobre condenações antigas na justiça italiana”. Essa voz institucional confronta os “mitos em torno de figuras criminosas” e expõe Pelloni como um “criminoso violento cujas ações deixaram um rastro de trauma”. Além disso, a voz de especialistas, como historiadores e criminologistas, é utilizada para analisar os “desafios de investigar crimes em áreas rurais” e a “complexidade dos criminosos históricos, onde a linha entre fato e ficção se embaça com o tempo”. Essa voz acadêmica busca corrigir a “banalização da violência real” quando transformada em lenda. Os gêneros do discurso presentes incluem a cobertura jornalística, os registros judiciais, as análises históricas e criminológicas. Esse diálogo entre as esferas midiática, institucional e acadêmica revela as nuances da construção da imagem de Pelloni, confrontando mitos e lendas com a realidade de seus crimes violentos.

  8. “Jane Smith” (2021): Neste caso, a voz predominante é a da mídia britânica, que descreve como Jane Smith “utilizava sua feminilidade e charme como ferramentas predatórias” e “invertia a narrativa tradicional do agressor sexual masculino”. Há também a voz das vítimas, que relataram “dificuldade em ser levadas a sério pelas autoridades no início”, devido à “ideia arraigada de que homens não poderiam ser vítimas de violência sexual por parte de mulheres”. A voz de especialistas, como psicólogos, é evocada para analisar como Jane “manipulava dinâmicas de poder interpessoal, usando expectativas sociais sobre o comportamento feminino como camuflagem para sua agressividade”. Além disso, a voz do sistema judiciário é presente na “condenação” de Jane Smith, que “estabeleceu um precedente importante no reconhecimento legal da violência sexual feminina contra homens”. Os gêneros do discurso incluem a cobertura jornalística, os relatos das vítimas, as análises de especialistas e os registros judiciais. Esse diálogo entre as esferas midiática, social, psicológica e jurídica revela como o caso de Jane Smith desafiou estereótipos de gênero e forçou uma reavaliação de preconceitos enraizados na sociedade e no sistema de justiça.

  9. “Il rapitore di Milano” (2022): Neste caso, a voz predominante é a da mídia italiana, que descreve o “misto de fanatismo e ritualismo” do adolescente criminoso e sua “lógica de violência simbólica e radicalização precoce”. Há também a voz das autoridades investigativas, que encontraram nos “dispositivos eletrônicos” do agressor “uma teia de conexões com fóruns clandestinos onde a violência era glorificada”. A voz de especialistas, como psicólogos, é utilizada para analisar o “perfil do agressor como um exemplo preocupante de como o isolamento social e a exposição a conteúdos extremistas podem criar uma realidade paralela para jovens vulneráveis”. Além disso, a voz da sociedade italiana é evocada, ao ser “forçada a confrontar uma nova face da criminalidade juvenil, aonde o perigo não vem das ruas, mas dos cantos mais obscuros do mundo digital”. Os gêneros do discurso presentes incluem a cobertura jornalística, os relatórios de investigação, as análises de especialistas e os debates públicos. Esse diálogo entre as esferas midiática, institucional, psicológica e social revela as complexas dinâmicas da radicalização juvenil e os desafios da segurança pública na era digital.

  10. “Doe v. State Sexual Homicide” (2023): Neste caso, a voz predominante é a da mídia, que descreve o “mistério perturbador” do criminoso cuja identidade permaneceu oculta sob “segredos judiciais”. Há também a voz de ativistas e veículos de imprensa, que “geraram críticas ferrenhas” contra o “véu de sigilo” imposto pelos tribunais, argumentando que o “anonimato do criminoso e o hermetismo do processo prejudicavam a prestação de contas à sociedade e às famílias das vítimas”. A voz de especialistas em direito penal é evocada para destacar o “perigo de precedentes que normalizam julgamentos secretos”, mesmo para crimes hediondos. Além disso, a voz das autoridades judiciais é presente, justificando o sigilo com a “alegação de ‘proteger métodos investigativos sensíveis'”. Os gêneros do discurso incluem a cobertura jornalística, os posicionamentos de ativistas e especialistas, e os argumentos das autoridades judiciais. Esse diálogo entre as esferas midiática, civil, acadêmica e institucional revela as tensões entre segurança pública, transparência e direitos individuais no sistema de justiça criminal.

A Análise Tipológica – Clusterização Usando o MAXQDA

Realizamos a análise tipológica dos casos apresentados, seguindo algumas etapas.

Primeiramente, realizamos a codificação das categorias presentes nos 10 casos, identificando os seguintes códigos principais:

    1. Modus operandi planejado e meticuloso

    2. Exploração de posições de autoridade e confiança

    3. Seleção de vítimas vulneráveis

    4. Perfis atípicos de criminosos

    5. Questões de transparência e sigilo judicial

    6. Falhas dos sistemas de justiça criminal

Após o refinamento desses códigos principais, identificamos as seguintes subcategorias:

1a. Escolha cuidadosa de locais, vítimas e estratégias

1b. Planejamento e organização dos crimes

2a. Uso de falsas identidades de figuras públicas

2b. Abuso da confiança inerente a relações profissionais

3a. Vítimas em situação de rua, prostituição ou baixa renda

3b. Invisibilidade e marginalização social das vítimas

4a. Criminosos com perfis atípicos de gênero

4b. Criminosos motivados por ideologias extremistas

5a. Sigilo e falta de transparência em processos judiciais

5b. Debates sobre equilíbrio entre segurança e direito à informação

6a. Falhas no monitoramento de criminosos reincidentes

6b. Negligência na investigação de crimes contra grupos vulneráveis

Com base nessa codificação e refinamento, realizamos a análise do cotovelo (Tabela 03) para determinar o número adequado de tipos criminais presentes nos casos midiáticos descritos. O gráfico da análise do cotovelo indicou a existência de 4 tipos principais (Gráfico 01):

Tipo 1: Criminosos com modus operandi planejado e meticuloso: Exploram posições de autoridade e confiança

Tipo 2: Criminosos que selecionam vítimas vulneráveis e marginalizadas socialmente

Tipo 3: Criminosos com perfis atípicos, como mulheres agressoras e jovens radicalizados

Tipo 4: Casos envolvendo questões de transparência e falhas sistêmicas no sistema de justiça criminal

Essa análise tipológica permite compreender a diversidade de perfis e dinâmicas presentes nos relatos jornalísticos emblemáticos de casos de crimes sexuais e violentos, bem como as complexas interações entre fatores individuais, sociais e institucionais que permeiam esses fenômenos criminais.

Os resultados do cálculo do Within‑cluster Sum of Squares (WSS) para k de 1 a 10 estão na tabela 03:

Table 03 – Cálculo do WSS para determinação do Número de Tipos

O gráfico do cotovelo gerado a partir desses valores segue abaixo:

Gráfico 01: Análise do Cotovelo para Determinação do Melhor Número de Tipos

Interpretação Rápida da Análise do Cotovelo

– Há uma queda acentuada de WSS de k=1 para k=2 e de k=2 para k=3.

– A partir de k=3 para k=4 ainda vemos um decréscimo significativo, mas depois de k=4 as reduções em WSS passam a ser menores e mais lineares.

O “joelho” do gráfico ocorre em torno de k=3–4, com k=4 oferecendo ainda uma boa redução de inércia antes de o ganho marginal cair. Portanto, validaríamos uma tipologia em 4 grupos como adequada para esses 10 casos.

Within‑cluster Sum of Squares (WSS)

O Within-Cluster Sum of Squares (WSS), também conhecido como Soma dos Quadrados Intra-Cluster, é uma métrica fundamental em análises de agrupamento, como o algoritmo K-means, e desempenha um papel crucial na determinação do número ideal de clusters em um conjunto de dados. Essa métrica mede a compatidez dos clusters ao calcular a soma das distâncias quadradas entre cada ponto de dados e o centróide do cluster ao qual ele pertence. Quanto menor o valor do WSS, mais próximos estão os pontos dentro de um mesmo cluster, indicando uma estrutura bem definida e coesa.

A fórmula para o cálculo do WCSS segue abaixo:

Onde:

    • k é o número de clusters,

    • Ci​ é o i-ésimo cluster,

    • x são os pontos dentro do cluster,

    • μi​ é o centro (centróide) do cluster,

    • ∥x−μi​∥2 é a distância ao quadrado entre o ponto e o centróide.

A importância do WSS reside na sua capacidade de auxiliar na identificação do número ótimo de clusters por meio do chamado “Método do Cotovelo”. Nessa abordagem, plotam-se os valores do WSS para diferentes números de clusters e busca-se o ponto em que a curva começa a se aplanar, formando um “cotovelo”. Esse ponto sugere o número de clusters além do qual adicionar mais grupos não melhora significativamente a compactidez dos clusters. Essa técnica é amplamente utilizada por sua simplicidade e eficácia, embora requeira uma interpretação subjetiva em alguns casos, especialmente quando a curva não apresenta um cotovelo bem definido.

Além disso, o WSS é valioso porque fornece uma base quantitativa para avaliar a qualidade do agrupamento, permitindo comparar diferentes configurações de clusters. No entanto, é importante ressaltar que essa métrica não considera a interpretabilidade ou o significado prático dos clusters, aspectos que devem ser complementados com conhecimento do domínio do problema. Em conjuntos de dados complexos ou de alta dimensionalidade, o WSS pode perder eficácia devido ao fenômeno da “maldição da dimensionalidade”, tornando necessário o uso de métodos adicionais, como o Silhouette Score ou a Estatística Gap, para validação.

Discussão

A análise dos casos midiáticos de criminosos sexuais entre 2014 e 2024, publicados em língua portuguesa, inglesa e italiana, revela uma complexa interação entre representação midiática, percepção pública e políticas de segurança. Como destacado na Introdução, a mídia desempenha um papel crucial na construção da imagem dos agressores sexuais, frequentemente reforçando estereótipos que desumanizam esses indivíduos e influenciam atitudes sociais e políticas públicas (Ferrell & Websdale, 1999; Kitzinger, 2004). Os resultados deste estudo, que identificaram quatro tipologias criminais principais, corroboram e ampliam essas discussões, demonstrando como a cobertura jornalística pode tanto refletir quanto moldar entendimentos sobre violência sexual.

A primeira tipologia, criminosos com modus operandi planejado e meticuloso, exemplificada por casos como o “Estuprador em Série SP” e “John Doe Serial Rapist”, ilustra como a mídia tende a enfatizar a frieza e a organização desses agressores, construindo a imagem do “predador calculista”. Essa representação alinha-se com a crítica de Douard (2008), que aponta para a desumanização do agressor sexual como um “outro monstruoso”, facilitando o apoio às políticas punitivas (Janus, 2006). A ênfase no planejamento meticuloso dos crimes pode, contudo, obscurecer fatores contextuais, como falhas sistêmicas no monitoramento de reincidentes, também destacadas nos resultados.

A segunda tipologia, criminosos que selecionam vítimas vulneráveis, como Samuel Little e o “Assassino de Varginha”, evidencia como a mídia frequentemente associa a violência sexual a vítimas marginalizadas, reforçando a ideia de que certos grupos são mais suscetíveis a crimes (Greer, 2007). Essa abordagem não apenas perpetua a invisibilidade social dessas vítimas, como também desvia a atenção da responsabilidade do agressor, transferindo-a para as condições das vítimas (Dunn, 2010). A Introdução já alertava para essa dinâmica, destacando como a mídia pode revitimizar ao questionar o comportamento ou o histórico das vítimas (Meyers, 1996).

A terceira tipologia, criminosos com perfis atípicos, como Jane Smith e o “Raptore di Milano”, desafia estereótipos de gênero e motivações tradicionais, revelando a diversidade de perfis criminais. Esses casos contrastam com a narrativa midiática predominante, que costuma retratar agressores como homens adultos e psicologicamente estáveis (Navarro & Higgins, 2022). A existência desses perfis atípicos reforça a necessidade de uma cobertura mais nuançada, como defendido na Introdução, que evite simplificações binárias (Zatkin et al., 2022).

Por fim, a quarta tipologia, casos envolvendo falhas sistêmicas e sigilo judicial, como “Doe v. State Sexual Homicide”, destaca como a mídia pode tanto expor quanto ocultar falhas institucionais. A falta de transparência nesses casos alimenta desconfiança no sistema de justiça, enquanto a cobertura sensacionalista de outros casos pode levar a respostas políticas excessivamente punitivas (Levenson et al., 2007). A Introdução já apontava para o risco de políticas baseadas em mitos, como a ideia de que agressores sexuais são irremediavelmente perigosos (Hanson & Morton-Bourgon, 2005).

A análise dialógica bakhtiniana (Bakhtin, 1981) aplicada aos casos revelou ainda como as vozes midiáticas, institucionais e sociais interagem para construir narrativas que podem tanto informar quanto distorcer a realidade. Por exemplo, a ênfase na “monstruosidade” do agressor (presente nas tipologias 1 e 2) ignora vozes especializadas que defendem a possibilidade de reabilitação (Willis et al., 2010), enquanto casos como o de Roger Abdelmassih expõem dinâmicas de poder que a mídia frequentemente negligencia (Anastasio & Costa, 2004).

Em síntese, os resultados deste estudo confirmam as preocupações levantadas na Introdução: a cobertura midiática tende a simplificar casos complexos, reforçar estereótipos e negligenciar evidências científicas sobre reincidência e reabilitação (Malinen et al., 2014). Para avançar, é essencial que a mídia adote abordagens mais equilibradas, incorporando perspectivas de especialistas em saúde mental e justiça criminal (McCartan et al., 2015), e que políticas públicas sejam baseadas em dados empíricos, não em mitos midiáticos. Como sugerido por Jewkes (2015), apenas uma representação mais precisa e ética da violência sexual pode promover debates informados e respostas sociais eficazes.

Repiso, a representação midiática dos agressores sexuais frequentemente recai em estereótipos que simplificam e distorcem a complexidade desse fenômeno, com consequências graves para a percepção pública, políticas de justiça criminal e até mesmo para a reintegração social desses indivíduos. Como demonstrado no estudo de Grøndahl et al. (2021), embora a mídia nem sempre “alimente o fogo” do sensacionalismo, ela ainda se esquiva de discussões sobre solutos baseados em evidências, como a reabilitação, em favor de narrativas punitivas. Essa abordagem reforça mitos como o do “predador sexual” ou do “estranho perigoso” (Galeste et al., 2012), que contradizem as evidências científicas sobre a heterogeneidade dos agressores sexuais e as suas taxas de reincidência dependentes de avaliações médicas especializadas. (Hanson & Bussière, 1998).

A desumanização dos agressores sexuais na mídia — frequentemente retratados como “monstros” ou “doentes incuráveis” — não apenas perpetua o estigma, mas também dificulta a implementação de políticas públicas eficazes. Por exemplo, a ênfase excessiva no encarceramento e em registros públicos ignora pesquisas que demonstram a eficácia de intervenções terapêuticas na redução da reincidência (Gannon et al., 2019). Essa lacuna entre a narrativa midiática e as evidências clínicas é particularmente preocupante, porque a mídia molda diretamente a opinião pública e as decisões legislativas (Mancini, 2018). Quando os meios de comunicação negligenciam vozes especializadas, como psiquiatras e psicólogos altamente especializados, perde-se a oportunidade de promover abordagens preventivas e de saúde pública, que poderiam abordar as causas subjacentes da violência sexual, como traumas infantis ou transtornos mentais não tratados (Tabachnick et al., 2016).

Outrossim, a marginalização de perspectivas clínicas contribui para um ciclo vicioso: políticas punitivas baseadas em estereótipos midiáticos dificultam a reintegração social de agressores, aumentando seu isolamento e, paradoxalmente, o risco de reincidência (Willis et al., 2010). Como observado por Harper e Hogue (2015a), a linguagem estigmatizante — como o termo “infrator sexual” em vez de “pessoa que cometeu um crime sexual” — reduz a empatia pública e cria barreiras para tratamentos eficazes. Essa dinâmica é agravada pela falta de cobertura midiática sobre casos de reabilitação bem-sucedida, que poderiam desafiar narrativas fatalistas e promover uma visão mais contrapesada do problema (Malinen et al., 2014).

A negligência das evidências científicas também tem implicações para as vítimas. Ao retratar a violência sexual como um problema exclusivamente criminal, a mídia deixa de destacar estratégias de prevenção primária, como educação sexual e programas de intervenção precoce para indivíduos em risco (Shields & Feder, 2016). Essa abordagem reativa, em vez de proativa, perpetua a ideia de que a violência sexual é inevitável, em vez de um problema de saúde pública passível de prevenção (Brown, 2017).

Finalmente, os estereótipos midiáticos e a exclusão de vozes especializadas não apenas distorcem o entendimento público, mas também impedem avanços em políticas baseadas em evidências. Para romper esse ciclo, é essencial que a mídia colabore com profissionais da saúde mental, adote linguagem precisa e humanizada, e aborde a violência sexual como uma questão multifacetada que exige soluções integradas — desde tratamento médico e psicológico até mudanças sociais estruturais. Como defendido por Zatkin et al. (2021), apenas uma cobertura midiática informada e crítica pode substituir o sensacionalismo por debates que priorizem a justiça, a prevenção e a recuperação.

Limitações

O artigo discute o impacto da mídia na formação de estereótipos e políticas públicas, afirmando que o diálogo dos profissionais dos meios de comunicação com os especialistas médicos deveria ser mandatório, já que diferentes perspectivas poderiam oferecer insights valiosos sobre os desafios e as possibilidades de uma abordagem mais equilibrada.

O artigo oferece uma análise detalhada dos discursos midiáticos sobre criminosos sexuais; no entanto, as suas limitações metodológicas, de escopo e de profundidade cultural sugerem a necessidade de pesquisas adicionais para validar e expandir seus achados.

O artigo apresenta limitações que podem impactar a validade e a generalização dos seus resultados. Uma das principais limitações é a seleção dos casos, que se concentrou em crimes de alto perfil midiático, publicados em veículos de grande circulação em língua portuguesa, inglesa e italiana. Essa escolha pode introduzir um viés de representatividade, já que casos menos divulgados ou de menor repercussão midiática foram excluídos, possivelmente omitindo perfis criminais e contextos sociais distintos.

Além disso, a análise restringiu-se a um período específico (2014–2024), o que pode não capturar tendências ou mudanças mais amplas na representação midiática ao longo do tempo.

Outra limitação relevante é a metodologia qualitativa adotada, que, embora apropriada para explorar peculiaridades discursivas, depende fortemente da interpretação subjetiva dos pesquisadores. A análise bakhtiniana e a clusterização assistida por software, como o MAXQDA-24, são úteis para identificar padrões, mas estão sujeitas a vieses de codificação e categorização. A ausência de uma abordagem quantitativa complementar, como a análise de frequência de termos, pode limitar a robustez dos resultados.

O artigo também não aborda de forma aprofundada as diferenças culturais e jurídicas entre os países de origem dos casos analisados (Brasil, Reino Unido, EUA e Itália). Essas variações podem influenciar significativamente a cobertura midiática e a percepção pública, mas não foram sistematicamente exploradas, o que reduz a capacidade de generalização das conclusões.

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