Lust Murderers (Assassinos Sexuais) na Visão de Benjamin Karpman: Uma Análise do Discurso do Narrador sobre Cinco Casos

Introdução

Benjamin Karpman (1886-1962), psiquiatra forense de formação psicanalítica, desenvolveu uma compreensão profundamente humanista e clínica sobre as ofensas sexuais que ainda hoje influencia o campo da criminologia e psicologia forense. Em sua obra seminal The Sexual Offender and His Offenses (1954), ele propôs um modelo inovador que via os crimes sexuais não tão somente como atos de maldade, mas também como expressões sintomáticas de conflitos não resolvidos.

Karpman rejeitava veementemente as explicações simplistas que atribuíam o comportamento criminoso sexual à “degeneração moral” ou à “malignidade inata”. Em vez disso, sua abordagem integrava diversos fatores – psicológicos, biológicos e sociais – para entender a gênese desses comportamentos. Ele classificava os ofensores sexuais em categorias psicodinâmicas distintas, cada uma com suas particularidades etiológicas. Os ofensores neuróticos, por exemplo, agiam movidos por conflitos inconscientes profundos, muitas vezes relacionados às fixações em estágios infantis do desenvolvimento psicossexual ou aos traumas de infância não processados. Já os psicopáticos apresentavam uma estrutura de personalidade marcada pela ausência de culpa e pela impulsividade patológica, que Karpman associava a falhas graves no desenvolvimento emocional precoce.

A etiologia das ofensas sexuais, segundo Karpman, era multifatorial. No plano psicológico, ele dava especial atenção aos traumas infantis, particularmente experiências de abuso sexual, negligência emocional ou exposição precoce à violência, que podiam distorcer permanentemente o desenvolvimento da sexualidade adulta. Seus estudos de caso revelavam como muitos delinquentes sexuais reproduziam, em seus crimes, dinâmicas relacionais traumáticas da sua própria infância. Ao mesmo tempo, Karpman reconhecia a influência de fatores biológicos, como desequilíbrios hormonais ou anomalias neurológicas, embora sempre os considerasse em interação com aspectos psicodinâmicos e ambientais.

No âmbito social, Karpman chamava a atenção para o papel da repressão sexual cultural e das condições de vida precárias como fatores que podiam exacerbar tendências patológicas. Ele observava que sociedades com tabus sexuais mais rígidos tendiam a produzir mais casos de neuroses sexuais que, em alguns indivíduos vulneráveis, podiam se manifestar como comportamentos sexuais ofensivos.

O tratamento proposto por Karpman refletia a sua visão humanista. Ele era profundamente crítico em relação ao sistema penal tradicional, que punia sem oferecer tratamento adequado. Defendia a psicoterapia intensiva como meio de acessar os conflitos inconscientes subjacentes aos crimes, além de instituições psiquiátricas especializadas para casos mais graves. Sua abordagem preventiva enfatizava a importância da educação sexual e do apoio psicológico precoce para romper ciclos de violência intergeracional.

Embora algumas das suas ideias tenham sido criticadas por supervalorizar aspectos psicanalíticos em detrimento de fatores socioculturais mais amplos, ou por subestimar a periculosidade de certos perfis psicopáticos, o legado de Karpman permanece relevante. Sua insistência em ver o delinquente sexual como um paciente em sofrimento, e não apenas como um criminoso a ser punido, continua a inspirar abordagens mais terapêuticas no campo da justiça criminal. Sua obra nos lembra que por trás de todo ato criminoso sexual há uma história psicológica complexa que precisa ser compreendida para que se possa verdadeiramente prevenir a reincidência e promover a reintegração social.

Os Lust Murderers

Os lust murderers, ou assassinos por luxúria, representam uma das manifestações mais perturbadoras da violência sexual, onde o homicídio e o prazer sexual se entrelaçam de forma patológica. Esses indivíduos cometem crimes marcados por extrema brutalidade, frequentemente envolvendo mutilações, tortura e necrofilia, com o objetivo de alcançar excitação e satisfação sexual (Karpman, 1954). A motivação por detrás desses atos vai além do impulso sexual comum, mergulhando em distúrbios profundos da personalidade, muitas vezes associados com parafilias como sadismo sexual e necrofilia (Brittain, 1970).

De acordo com estudos psicopatológicos, os lust murderers exibem traços de psicopatia, narcisismo maligno e traumas infantis não resolvidos, particularmente ligados ao abandono ou abusos (DeRiver, 1949). Muitos desses assassinos apresentam históricos de rejeição parental, como no caso de K., descrito por DeRiver (1949), que, após ser abandonado em um orfanato, desenvolveu um ódio profundamente enraizado contra figuras femininas, culminando em assassinatos ritualísticos. Essa dinâmica sugere que a violência é uma forma de vingança simbólica contra objetos substitutos da figura materna ou de outras mulheres que representam frustrações emocionais não superadas (Abrahamsen, 1950).

A literatura forense destaca que os lust murderers frequentemente planejam seus crimes com meticulosidade, evidenciando uma desconexão entre a racionalidade do planejamento e a irracionalidade do ato em si (Hazelwood & Burgess, 2001). Eles podem manter comportamentos sociais aparentemente normais, o que dificulta sua identificação prévia. Por exemplo, casos como o de Earl McFarland e Alexander Meyer, citados por Wittels (1948), ilustram como indivíduos com históricos de delinquência precoce e traços psicopáticos evoluem para crimes sexuais extremos, sem que intervenções preventivas sejam realizadas a tempo.

Do ponto de vista etiológico, fatores constitucionais e ambientais interagem para moldar esse perfil criminoso. Enquanto alguns autores enfatizam predisposições biológicas, como anomalias neurológicas ou disfunções hormonais (Karpman, 1954), outros destacam o papel de ambientes familiares caóticos, abusivos ou negligentes (Michigan Report, 1951). A combinação de uma constituição emocional frágil com experiências traumáticas precoces parece criar um terreno fértil para o desenvolvimento de fantasias sadomasoquistas que, mais tarde, são externalizadas em atos criminosos (Revitch & Schlesinger, 1981).

O tratamento e a reabilitação desses indivíduos são desafios significativos. A maioria é diagnosticada como psicopatas ou portadora de transtornos de personalidade antissocial, condições com baixa responsividade às terapias convencionais (Hare, 1993). Programas de intervenção focados no controle de impulsos e na ressocialização mostram-se frequentemente ineficazes, levando muitos especialistas a defenderem a segregação permanente como medida de proteção social (Guttmacher, 1951).

Os lust murderers encarnam a intersecção entre a perversão sexual e a violência extrema, sendo seu estudo crucial tanto para a criminologia quanto para a psiquiatria forense. Suas histórias de vida e padrões comportamentais reforçam a necessidade de abordagens multidisciplinares que integrem a compreensão psicológica, a vigilância social e políticas públicas eficazes para a prevenção e a contenção desse fenômeno arrepiante.

Os Fatores Etiológicos na Concepção de B. Karpman

Karpman (1954), em sua obra seminal The Sexual Offender and His Offenses, examinou os fatores etiológicos dos crimes sexuais violentos, incluindo os lust murders, através de uma perspectiva psicodinâmica integrada, que combinava elementos constitucionais, desenvolvimentais e psicopatológicos. Seu modelo etiológico destacava a interação complexa entre predisposições inatas, experiências traumáticas precoces e falhas na estruturação psíquica, oferecendo uma análise multifatorial que ainda hoje influencia a psiquiatria forense.

1. Fatores Constitucionais e Biológicos

Karpman reconheceu a existência de substratos orgânicos que predispõem à violência sexual patológica, embora rejeitasse determinismos simplistas. Entre esses fatores, incluíam-se:

  • Anomalias neuroendócrinas: Disfunções em sistemas de neurotransmissores (como serotonina e dopamina) e desequilíbrios hormonais (testosterona elevada) podem amplificar impulsos agressivos e reduzir inibições morais (Karpman, 1954, pp. 88–90).

  • Predisposições genéticas: Embora não defenda uma “causa genética única”, Karpman sugere que históricos familiares de psicopatia ou transtornos de controle de impulsos podem criar vulnerabilidades hereditárias (Karpman, 1954, p. 76).

  • Lesões cerebrais: Casos de traumatismos cranianos ou epilepsia do lobo temporal são associados a comportamentos sexuais aberrantes, especialmente quando há comprometimento de áreas ligadas à regulação emocional (Karpman, 1954, pp. 91–94).

2. Dinâmicas Psicológicas e Desenvolvimentais

Karpman enfatizou que fatores constitucionais raramente agem isoladamente, sendo modulados por experiências infantis críticas:

  • Fixação em estágios pré-genitais: Seguindo Freud, Karpman postula que falhas na resolução de conflitos edipianos ou fixações em fases sádico-anais podem distorcer a sexualidade adulta, transformando-a em violência (Karpman, 1954, pp. 44–46).

  • Traumas de abuso e negligência: Crianças expostas a violência sexual, abandono ou pais sádicos internalizam modelos distorcidos de intimidade, associando dor e dominação com prazer (Karpman, 1954, pp. 81–86).

  • Frustração narcísica: A incapacidade de estabelecer vínculos empáticos leva à objetificação extrema da vítima, vista como um “meio” para gratificação, não como um ser humano (Karpman, 1954, p. 200).

3. Mecanismos de Defesa Patológicos

Karpman descreveu como os lust murderers utilizam mecanismos de defesa arcaicos para justificar seus crimes:

  • Deslocamento e projeção: O ódio inconsciente por figuras parentais (especialmente a mãe) é transferido para vítimas substitutas, frequentemente mulheres ou crianças (Karpman, 1954, p. 175).

  • Racionalização: Muitos assassinos por luxúria desenvolvem narrativas internas que glorificam a sua violência (ex.: “Ela merecia sofrer”), dissociando-se da culpa (Karpman, 1954, p. 192).

  • Regressão: Em momentos de estresse, o ego retorna a estágios primitivos de funcionamento, onde fantasias sádicas substituem a realidade (Karpman, 1954, p. 156).

4. Críticas e Atualizações ao Modelo de Karpman

Embora pioneiro, o modelo de Karpman recebeu críticas por subestimar fatores socioculturais (ex.: misoginia estrutural) e supervalorizar explicações psicanalíticas. Atuais pesquisas em neurociências (ex.: Raine, 2013) e criminologia (ex.: Hickey, 2016) ampliaram seu escopo, integrando:

  • Marcadores neurobiológicos: Estudos de neuroimagem mostram redução de volume em áreas pré-frontais (relacionadas ao autocontrole) em assassinos sádicos (Blair, 2010).

  • Influências ambientais: Karpman ignorou o papel de contextos sociais violentos (ex.: consumo de pornografia extrema) na modelagem de fantasias homicidas (Meloy, 2000).

Karpman (1954) ofereceu uma estrutura etiológica robusta para entender os lust murderers, equilibrando biologia, psicodinâmica e psicopatologia. Seu trabalho permanece relevante, mas deve ser complementado por abordagens contemporâneas que congreguem avanços em genética, neurociências e estudos em trauma complexo.

Casos de Lust Murderers Descritos por B. Karpman

Caso 1. Um jovem de 20 anos, branco, único filho de uma família desestruturada, via-se consumido por um profundo sentimento de inadequação sexual. Desde a adolescência, preocupava-se com o tamanho do seu pênis, evitando relações sexuais convencionais com a esposa, preferindo práticas como o cunnilingus. Sua raiva direcionava-se contra mulheres jovens e loiras, que ele atraía para situações de vulnerabilidade antes de estrangulá-las com um objeto. Ele confessou vários crimes, mas justificava-se dizendo que uma “força interior” o dominava. Apesar de reconhecer o mal que fazia, não demonstrava remorso profundo, apenas uma vaga culpa. Sua violência parecia ser uma compensação pelo ódio que nutria contra mulheres que simbolizavam tudo o que ele não podia ter.

Caso 2. Aos 20 anos, ele parecia um homem comum: concluíra o ensino médio, servira às forças armadas com distinção e até se casara. Por trás dessa fachada, no entanto, escondia-se um criminoso brutal. Seus pais haviam se divorciado quando ele era criança, e ele cresceu odiando a mãe, uma mulher de cabelos escuros. Esse ódio transferiu-se para todas as mulheres morenas, enquanto desenvolvia uma obsessão por ruivas. Ele estuprou duas jovens, matando uma e deixando a outra à beira da morte. Alegou não se lembrar dos crimes, mas a sua frieza ao descrevê-los revelava um sadismo enraizado. O método? Estrangulamento, uma forma de controle total sobre a vítima.

Caso 3. Ele tinha 21 anos, um filho recém-nascido e uma parceira com quem vivia. Socialmente, era visto como um jovem normal, até charmoso, que frequentava bares e conquistava mulheres com facilidade. Mas por trás dessa máscara, havia uma fúria latente. Certa noite, ofereceu-se para levar uma jovem para casa. Quando ela resistiu aos seus avanços, ele a estuprou repetidamente e, em um acesso de fúria, esmagou sua cabeça contra o concreto. Depois, chamou a polícia e confessou. A resistência da vítima havia sido o gatilho para sua explosão de violência, como se a rejeição o transformasse em um animal.

Caso 4. Trabalhando desde cedo em matadouros, ele se acostumou com sangue e morte. Aos 23 anos, já tinha um histórico de ataques sexuais contra meninas. Em uma noite, após beber com uma jovem em uma casa de dança, ele a acompanhou até sua casa. Horas depois, ela foi encontrada morta, estrangulada e com os genitais mutilados. Ele não demonstrou arrependimento, apenas uma frieza perturbadora. Seu trabalho com carne parecia ter borrado a linha entre humanos e animais, e sua sexualidade misturava-se com o desejo de dominar, cortar e destruir.

Caso 5. Filho de um pastor violento, ele cresceu em um ambiente de crueldade e instabilidade. Aos 37 anos, já tinha um histórico criminal extenso: bigamia, agressões e estupros. Sua esposa foi encontrada morta em sua cama, estrangulada e violentada. Na prisão, continuou agressivo, atacando outros detentos com facas. Seu comportamento sugeria uma mente perturbada, onde o sexo e a violência se confundiam. Ele ouvia vozes. Em vez disso, parecia um homem que canalizava toda sua raiva em atos brutais, usando facas não apenas para matar, mas também para marcar suas vítimas.

Método

Este estudo adotou uma abordagem qualitativa, com o objetivo de categorizar sistematicamente as análises dialógicas do discurso do narrador (B. Karpman) sobre assassinos sexuais em grupos distintos, com base em padrões discursivos e comportamentais. O processo foi estruturado em três etapas principais: coleta e preparação dos dados, análise bakhtiniana e clusterização assistida por MAXQDA-24.

Coleta e Preparação dos Dados

Os casos analisados foram extraídos da obra seminal de Benjamin Karpman, The Sexual Offender and His Offenses (1954), selecionando os cinco casos de criminosos sexuais brutais. Cada caso foi resumido e codificado com base em elementos discursivos, como vozes sociais, polifonia, gêneros do discurso e dialogismo (Bakhtin, 1981). Esses elementos serviram como insumo para a análise qualitativa inicial e para a modelagem computacional posterior.

Análise Dialógica Bakhtiniana

A análise foi conduzida com base na abordagem dialógica de Bakhtin (1981), que enfatiza a multiplicidade de vozes e a interação entre discursos em um texto. Para cada caso, foram identificados:

  1. Vozes narrativas: Como o narrador (Karpman) constrói a imagem do criminoso e suas motivações.

  2. Tensões dialógicas: Contradições entre a perspectiva do narrador e a do criminoso, ou entre diferentes interpretações dos atos.

  3. Elementos simbólicos: Significados socioculturais subjacentes às descrições dos crimes e das vítimas.

Por exemplo, no Caso 1, a voz narrativa tenta explicar os atos do criminoso a partir de sua “inadequação sexual” e “ódio contra mulheres”, enquanto o próprio criminoso justifica suas ações como sendo dominado por uma “força interior”. Essa tensão foi analisada como um diálogo entre discursos de culpa externa e interna.

Clusterização Assistida por MAXQDA-24

Para identificar padrões comuns entre os casos, utilizou-se o software MAXQDA-24 para realizar uma análise de clusterização. Os passos incluíram:

Codificação: Categorização dos elementos discursivos identificados na análise bakhtiniana. O processo de codificação foi conduzido no MAXQDA-24 de maneira sistemática, com o objetivo de organizar e categorizar os elementos discursivos presentes nas narrativas de Karpman sobre os lust murderers. Partindo de uma abordagem bakhtiniana, que enfatiza a multiplicidade de vozes e a interação entre discursos, estabelecemos categorias iniciais para guiar a análise.

Inicialmente, definimos eixos centrais de investigação, como as vozes narrativas presentes nos textos – incluindo tanto a perspectiva de Karpman ao descrever os criminosos quanto as justificativas dos próprios agressores para seus atos. Identificamos também tensões dialógicas, momentos em que surgiam contradições entre o olhar do narrador e o do criminoso, como nos casos em que o ódio contra as mulheres coexistia com uma atração obsessiva por determinados tipos físicos.

A análise buscou ainda decifrar elementos simbólicos profundamente arraigados nos relatos, como a associação entre mulheres ideais que pareciam “motivar” parte da violência. Paralelamente, mapeamos fatores psicopatológicos destacados por Karpman, desde traumas da infância até mecanismos de defesa como a projeção do ódio. Os padrões comportamentais dos criminosos – incluindo métodos específicos de execução e grau de planejamento – receberam atenção especial durante o processo.

Na prática, o trabalho no MAXQDA começou com a importação e segmentação dos cinco casos estudados, tratando cada parágrafo como unidade distinta para fins de codificação. Realizamos primeiro uma codificação indutiva, permitindo que novas categorias emergissem organicamente da leitura atenta dos textos. Conceitos como “objetificação da vítima” e “ritualização do crime” surgiram dessa imersão inicial. Em seguida, aplicamos uma codificação dedutiva, cruzando os dados com o modelo teórico de Karpman sobre as origens da violência sexual.

O refinamento das categorias foi um processo interativo. Criamos subcódigos para capturar nuances importantes – por exemplo, sob o código geral de “vozes narrativas”, distinguimos entre o “narrador médico” (a voz analítica de Karpman) e os depoimentos diretos dos criminosos. A ferramenta de Similarity Analysis do MAXQDA permitiu visualizar conexões entre casos e padrões recorrentes, fundamentando a divisão final nos clusters principais.

O resultado foi um mapa detalhado das características discursivas e comportamentais de cada caso, onde pudemos observar desde a “fúria latente” mascarada por uma fachada de normalidade até os efeitos da dessensibilização pela exposição precoce à violência. Essa codificação minuciosa não apenas organizou o material, mas revelou as estruturas profundas que conectam esses relatos aparentemente diversos de violência extrema.

Essa metodologia permitiu uma análise sistemática dos discursos de Karpman, integrando perspectivas qualitativas e ferramentas computacionais para identificar padrões comportamentais e discursivos entre os lust murderers.

Coleta e Preparação dos Dados

Os casos foram extraídos da obra de Benjamin Karpman, selecionando os cinco casos de criminosos sexuais brutais do século XX. Cada caso foi resumido e codificado com base em elementos discursivos, como vozes sociais, polifonia, gêneros do discurso e dialogismo (Bakhtin, 1981). Esses elementos serviram como insumo para a análise qualitativa inicial e para a modelagem computacional posterior.

Resultados

Análise Dialógica Bakhtiniana de Cada Caso

Com base na abordagem bakhtiniana, podemos realizar uma análise discursiva dos casos apresentados:

Caso 1: Neste caso, observa-se a presença de uma voz narrativa que busca compreender a motivação do jovem de 20 anos para seus atos violentos. Bakhtin enfatizaria a importância de analisar a construção dessa voz narrativa e como ela se relaciona com a perspectiva do próprio personagem. Nota-se que o narrador tenta explicar os atos do jovem a partir de sua “inadequação sexual” e “ódio contra mulheres”, revelando uma tentativa de compreender a lógica interna do personagem. No entanto, a falta de remorso profundo e a justificativa de ser “dominado por uma força interior” sugerem uma tensão entre a voz do narrador e a do próprio personagem, abrindo espaço para uma análise dialógica dos discursos em conflito.

Caso 2: Neste caso, a voz narrativa constrói uma imagem do personagem como um “homem comum” que, por trás dessa fachada, esconde um “criminoso brutal”. Bakhtin destacaria a importância de analisar como essa dicotomia entre a aparência e a essência do personagem é discursivamente construída. Além disso, o ódio do personagem pelas mulheres morenas e sua obsessão pelas ruivas revelam uma dimensão simbólica que merece ser explorada em uma análise bakhtiniana, buscando compreender os significados socioculturais subjacentes a essa preferência.

Caso 3: Neste caso, a voz narrativa apresenta o personagem como um “jovem normal, até charmoso” que, no entanto, possui uma “fúria latente”. Bakhtin enfatizaria a necessidade de analisar como essa dualidade é construída discursivamente e como ela se relaciona com a explosão de violência do personagem. Além disso, a menção à “rejeição” como gatilho para sua violência sugere uma análise da dinâmica entre o discurso do personagem e os discursos sociais que podem ter influenciado sua percepção e reação.

Caso 4: Neste caso, a voz narrativa destaca a familiaridade do personagem com “sangue e morte” devido ao seu trabalho em matadouros. Bakhtin enfatizaria a importância de analisar como essa experiência profissional é discursivamente relacionada à sua sexualidade “misturada com o desejo de dominar, cortar e destruir”. Essa conexão entre trabalho, violência e sexualidade merece ser explorada em uma análise bakhtiniana, buscando compreender os significados socioculturais e as tensões dialógicas presentes nessa construção discursiva.

Caso 5: Neste caso, a voz narrativa destaca o histórico de violência e instabilidade familiar do personagem, sugerindo que seu comportamento agressivo e sua confusão entre sexo e violência podem estar relacionados a esse ambiente de crueldade. Bakhtin enfatizaria a necessidade de analisar como esses discursos sobre a infância e a família do personagem se articulam com sua trajetória criminal e sua “mente perturbada”.

A abordagem bakhtiniana nos convida a uma análise discursiva mais profunda desses casos, buscando compreender as tensões, contradições e vozes em diálogo que permeiam a construção narrativa e a representação desses personagens. Essa perspectiva nos permite ir além de uma leitura superficial, explorando os significados socioculturais e as dinâmicas de poder subjacentes aos discursos apresentados.

Análise do Cotovelo

Para determinar o número mais coerente de tipos, a análise do cotovelo foi utilizada.

O gráfico abaixo mostra uma queda muito acentuada na inércia ao passar de k=1 para k=2, seguida de reduções muito menores para k>2, indicando que adicionar mais clusters após o segundo traz ganhos marginais de compactação — daí k=2 ser o “cotovelo” ótimo. Apesar de bastante subjetiva, a análise do cotovelo pode ser utilizada na determinação do número de clusters em uma análise qualitativa.

Tipologias Resultantes

Após esta análise, os casos foram agrupados em 2 tipos principais de assassinos sexuais a partir dos relatos de B. Karpman.

Tipo 1: Perpetradores motivados por inadequação sexual e ódio.
Este tipo inclui infratores que exibem “inadequação sexual” e um ódio profundo por mulheres jovens e loiras, bem como aqueles que transferem seu ódio de uma figura materna para todas as mulheres morenas. Esses agressores parecem canalizar sua frustração e ressentimento sexual por meio de atos violentos e controle total sobre suas vítimas.

Tipo 2: Agressores com transtornos mentais e histórico de violência.
Esse segundo tipo agrupa os agressores que apresentam “raiva latente” e dificuldade em lidar com a rejeição, bem como aqueles cuja “sexualidade se mistura com o desejo de dominar, cortar e destruir”, possivelmente influenciados pelo ambiente de trabalho. Também está incluído o agressor que “ouviu vozes” e tinha um “extenso histórico criminal” relacionado a um ambiente familiar de “crueldade e instabilidade”. Esses casos sugerem a presença de transtornos mentais e uma história de violência que pode ter contribuído para suas ações.

Em resumo, os dois principais tipos identificados são:

  1. Agressores motivados por obsessões sexuais e ódio às mulheres (Casos 1 e 2)

  2. Agressores com transtornos mentais e histórico de violência (Casos 3 a 5)

Esse agrupamento permite identificar padrões comuns entre os casos, embora seja importante ressaltar que se trata de uma classificação preliminar baseada nas informações limitadas fornecidas. De qualquer forma, essa tipologia permite agrupar discursos com dinâmica interna coerente e facilita comparações analíticas entre vozes e tensões heteroglóssicas.

Discussão

A análise dos lust murderers a partir da perspectiva de Benjamin Karpman, complementada pelas tipologias de Beech e Schlesinger e pelos estudos históricos de Kraft-Ebing (apresentados nos dois textos anteriores), revela uma complexa interação entre fatores psicológicos, sociais e criminais. Karpman (1954) enfatiza a natureza multifatorial desses crimes, destacando a convergência de traumas infantis, transtornos de personalidade e mecanismos de defesa patológicos, como a projeção do ódio e a racionalização da violência. Essa abordagem humanista, que vê o criminoso como um sujeito com problemas comportamentais, contrasta com visões reducionistas que atribuem tais atos à “malignidade inata” ou à degeneração moral, ecoando a crítica de Kraft-Ebing (1886/2016) às explicações simplistas do século XIX.

Os casos analisados por Karpman — como o do jovem que estrangulava mulheres por inadequação sexual ou o do trabalhador de matadouros que associava violência a prazer — ilustram padrões que se alinham parcialmente às tipologias contemporâneas. Por exemplo, o Tipo 1 (agressores motivados por ódio e inadequação) assemelha-se aos assassinos catatímicos de Schlesinger (2007), cujos crimes surgem de conflitos emocionais mal resolvidos, muitas vezes desencadeados por rejeição. Já o Tipo 2 (transtornos mentais e histórico de violência) aproxima-se dos compulsivos, que agem movidos por fantasias sádicas internalizadas, como no caso do indivíduo que ouvia vozes e mutilava vítimas (Karpman, 1954). Essa dualidade reflete a tipologia de Beech et al. (2005), que diferencia assassinos sádicos (ritualísticos) daqueles motivados por raiva (impulsivos), reforçando a heterogeneidade desse fenômeno.

A análise discursiva bakhtiniana aplicada aos relatos de Karpman revela ainda como a linguagem desses criminosos opera como instrumento de dominação e desumanização. A polifonia identificada — como a justificativa de uma “força interior” no Caso 1 ou a frieza ao descrever crimes no Caso 2 — expõe a dissonância entre suas narrativas e a realidade, um padrão também observado nos casos históricos de Kraft-Ebing, como o de Vacher, que alegava insanidade enquanto planejava meticulosamente seus crimes (Lacassagne, 1898). Essas estratégias discursivas, somadas à objetificação das vítimas, ecoam a “violência linguística” destacada no texto Os Sexual Killers, onde a palavra serve para silenciar e legitimar a barbárie.

No entanto, as limitações do modelo de Karpman tornam-se evidentes ao confrontá-lo com abordagens mais recentes. Enquanto ele focaliza conflitos intrapsíquicos, Beech et al. (2005) e Schlesinger (2007) incorporam dimensões situacionais e sociais, como o papel da misoginia estrutural ou do consumo de pornografia extrema na modelagem de fantasias violentas (Meloy, 2000). Além disso, a análise computacional com o MATA em Os Sexual Killers II demonstra como ferramentas quantitativas podem refinar tipologias, identificando clusters como os ritualísticos (e.g., Jack, o Estripador) que transcendem as categorias psicopatológicas de Karpman.

Em síntese, o estudo dos lust murderers beneficia-se de uma perspectiva interdisciplinar que integre:

  1. Psicopatologia, como propõe Karpman, para entender traumas e mecanismos de defesa;

  2. Tipologias comportamentais (Beech e Schlesinger), que auxiliam na investigação criminal;

  3. Análise discursiva, para desvendar como a violência é construída e justificada;

  4. Abordagens computacionais, como o MATA, para identificar padrões em volumes maiores de dados.

Essa integração não apenas aprofunda a compreensão desses crimes, mas também orienta estratégias de prevenção e intervenção. Por exemplo, a identificação precoce de fantasias sádicas em adolescentes (Schlesinger, 2007) ou a desconstrução de discursos misóginos podem ser tão cruciais quanto o tratamento psiquiátrico. O legado de Karpman, assim, permanece relevante, mas deve ser continuamente revisitado à luz de avanços teóricos e metodológicos que capturem a complexidade da violência sexual letal.

Limitações

O estudo apresentado traz algumas contribuições spara a compreensão dos assassinos sexuais sob a perspectiva de Benjamin Karpman, integrando análises psicodinâmicas, discursivas e metodologias qualitativas. No entanto, algumas limitações merecem destaque, as quais podem influenciar a interpretação dos resultados e a aplicabilidade das conclusões.

Uma das principais limitações reside na dependência exclusiva dos casos descritos por Karpman em sua obra The Sexual Offender and His Offenses (1954). Embora esses relatos sejam ricos em detalhes clínicos e psicopatológicos, eles refletem um contexto histórico específico, marcado pelas teorias psicanalíticas predominantes na época. Isso pode limitar a generalização dos achados para perfis contemporâneos de criminosos sexuais, que podem ser influenciados por fatores socioculturais mais recentes, como o impacto da internet e da pornografia extrema, não abordados por Karpman.

Além disso, a análise bakhtiniana, embora valiosa para explorar as vozes narrativas e as tensões dialógicas, apresenta um viés interpretativo que pode ser subjetivo. A categorização dos criminosos em dois tipos principais (motivados por inadequação sexual/ódio e aqueles com transtornos mentais/histórico de violência) simplifica uma realidade complexa e multifacetada. Essa tipologia, embora útil para fins analíticos, pode não capturar a diversidade de motivações e comportamentos presentes em outros casos não incluídos no estudo.

Por fim, a metodologia de clusterização, apoiada pelo software MAXQDA-24, embora inovadora para uma análise qualitativa, carece de validação empírica em amostras maiores e mais diversificadas. A análise do cotovelo, utilizada para determinar o número de clusters, é subjetiva por natureza, e a divisão em apenas dois grupos pode não refletir adequadamente a heterogeneidade dos lust murderers.

Em síntese, embora o paper ofereça insights valiosos sobre a psicopatologia e os discursos desses criminosos, suas limitações destacam a necessidade de estudos futuros que incorporem perspectivas multidisciplinares, amostras mais amplas e metodologias complementares para uma compreensão mais abrangente e atualizada dos assassinos por luxúria.

Referências

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