Uma Análise Tipológica do Discurso sobre Oito Casos Baseada em Machine Learning
Introdução
Os assassinos sexuais, também conhecidos como lust murderers, representam uma das formas mais extremas de violência associada ao sadismo sexual. Esses indivíduos cometem homicídios nos quais o ato de matar está intrinsecamente ligado à excitação e ao prazer sexual, muitas vezes acompanhado de mutilações, tortura ou necrofilia. O termo lust murder foi cunhado para descrever crimes em que a crueldade e a sexualidade se fundem de maneira patológica, resultando em atos de extrema atrocidade (Kraft-Ebing, 1886/2016).
A psicopatologia por trás desses crimes está frequentemente associada a distúrbios profundos da sexualidade, como o sadismo, em que o indivíduo experimenta prazer ao infligir dor ou sofrimento a outros. Kraft-Ebing (1886/2016) descreve casos em que assassinos como Andreas Bichel e Jack the Ripper não apenas matavam suas vítimas, mas também mutilavam seus corpos, evidenciando uma conexão direta entre violência e gratificação sexual. Esses criminosos muitas vezes exibem traços de psicopatia, falta de empatia e alta impulsividade sexual, aliados às fantasias sexuais violentas que são gradualmente postas em prática (Hare, 1993).
Um exemplo notório é o caso de Vacher, o “Estripador Francês”, que confessou uma série de assassinatos brutais no final do século XIX. Vacher estrangulava, mutilava e, em alguns casos, praticava atos sexuais com os cadáveres das suas vítimas. Apesar de alegar insanidade, especialistas concluíram que ele era mentalmente são no momento dos crimes, destacando a natureza calculista e compulsiva dos seus atos (Lacassagne, 1898). Esse padrão de comportamento é típico entre assassinos sexuais, que muitas vezes planejam seus crimes meticulosamente, buscando vítimas vulneráveis e repetindo seus métodos de forma ritualística.
A literatura forense moderna sugere que os lust murderers frequentemente apresentam histórico de abuso infantil, distúrbios de personalidade e parafilias severas, como necrofilia, vampirismo e vorarefilia (Ressler et al., 1988). Suas ações são impulsionadas por fantasias eróticas violentas que se tornam cada vez mais elaboradas, culminando em atos de extrema crueldade. A incapacidade de controlar esses impulsos, aliada à falta de remorso, os torna particularmente perigosos e difíceis de reabilitar.
De fato, os assassinos sexuais representam um fenômeno complexo na criminologia e na psicopatologia, onde a violência e o prazer sexual se entrelaçam de maneira alarmante. Seus crimes não apenas chocam pela brutalidade, mas também desafiam a compreensão convencional da sexualidade humana, destacando a importância de estudos contínuos sobre as raízes psicológicas e biológicas desse comportamento extremo.
Conceito de Doença Mental na Época de Kraft-Ebing
Durante o final do século XIX, período em que Richard von Kraft-Ebing produziu sua obra seminal Psychopathia Sexualis (1886), as concepções sobre doença mental, comportamento mutilador e personalidade eram profundamente influenciadas pelas teorias médicas e criminológicas da época, ainda em formação. A seguir, apresentam-se definições e diferenciações desses conceitos conforme o entendimento vigente na era de Kraft-Ebing.
Doença Mental
Na visão de Kraft-Ebing e dos seus contemporâneos, a doença mental era compreendida como uma perturbação patológica das faculdades intelectuais e emocionais, frequentemente associada a degeneração hereditária e/ou lesões evidentes no cérebro. As condições psiquiátricas, como a “loucura moral” (precursora do conceito moderno de psicopatia), a histeria e a melancolia, eram vistas como desvios da normalidade (e não como doença mental) que comprometiam o juízo, a vontade e o controle dos impulsos. Kraft-Ebing defendia que muitas perversões sexuais, como o sadismo e o masoquismo, poderiam ser sintomas de uma mente doentia, enraizada em uma constituição nervosa degenerada. Todavia, era apenas uma defesa pessoal e de um grupo de psiquiatras.
Comportamento Mutilador
O comportamento mutilador, especialmente em contextos criminais, era frequentemente associado a impulsos sádicos ou a estados mentais alterados. Kraft-Ebing documentou casos de criminosos que, movidos por uma compulsão sexual patológica, desmembravam ou torturavam suas vítimas (como no lust murder). Esse tipo de conduta não era visto meramente como um ato de violência comum, mas como um sintoma de uma mente perturbada, muitas vezes ligada a desejos sexuais pervertidos. A mutilação, nesse sentido, poderia ser tanto um ato impulsivo (como em episódios de furor) quanto um ritual planejado, como nos crimes de Gilles de Rais ou Jack, o Estripador.
Personalidade
O conceito de personalidade na época de Kraft-Ebing ainda não estava tão delineado como na psicologia moderna, mas já se reconheciam traços inatos e adquiridos que moldavam o caráter de um indivíduo. Personalidades “degeneradas” ou “perversas” eram frequentemente associadas a predisposições hereditárias ou a influências morais e sociais corruptoras.
Diferenças Essenciais
Doença Mental versus Comportamento Mutilador
A doença mental era entendida como um estado patológico global, enquanto o comportamento mutilador poderia ser um sintoma isolado de uma psicopatologia (como no sadismo sexual) ou até mesmo um ato criminoso sem conexão direta com a insanidade.
Nem todo mutilador era considerado mentalmente doente; alguns eram vistos como perversos morais, conscientes dos seus atos, mas movidos por uma natureza cruel.
Personalidade versus Doença Mental
A personalidade referia-se às características estáveis de um indivíduo, enquanto a doença mental era uma condição que poderia alterar temporária ou permanentemente essas características.
Kraft-Ebing via certas personalidades (como a do “criminoso nato” de Lombroso) como predispostas à perversão, mas não necessariamente doentes no sentido clínico.
Personalidade versus Comportamento Mutilador
Uma personalidade sádica poderia levar a comportamentos mutiladores, mas nem todos os mutiladores tinham uma personalidade patológica—alguns agiam por vingança, “loucura passageira” ou até mesmo sob influência do uso de substâncias psicoativas.
Na visão de Kraft-Ebing, a linha entre doença mental, comportamento mutilador e personalidade era tênue, mas crucial para a criminologia e a psiquiatria forense da época. Enquanto a doença mental justificava a irresponsabilidade penal, a personalidade perversa e os atos de mutilação deliberada muitas vezes eram vistos como manifestações de uma natureza moralmente corrupta, exigindo punição ou contenção social. Sua obra ajudou a ladrilhar o caminho para a compreensão moderna das psicopatologias, ainda que dentro dos limites científicos do século XIX.
Método
Esse estudo adotou uma abordagem híbrida, combinando análise qualitativa do discurso com técnicas computacionais assistidas pelo software MATA (Machine-Assisted Topic Analysis) (Towler et al., 2023). Essa metodologia permitiu a categorização sistemática de assassinos sexuais históricos em grupos distintos, com base em padrões discursivos e comportamentais. O processo foi estruturado em três etapas principais: preparação dos dados, análise bakhtiniana e clusterização assistida por MATA.
Coleta e Preparação dos Dados
Os casos foram extraídos da obra Psychopathia Sexualis de Kraft-Ebing (1886/2016), selecionando oito crimes sexuais brutais do século XIX. Cada caso foi resumido e codificado com base em elementos discursivos, como vozes sociais, polifonia, gêneros do discurso e dialogismo (Bakhtin, 1981). Esses elementos serviram como insumo para a análise qualitativa inicial e para a modelagem computacional posterior.
A seguir, transcrevemos os oito casos:
Casos (15 a 22 de Kraft-Ebing)
Uma menina de quatro anos desapareceu da casa de seus pais, em 15 de abril de 1880. Em 16 de abril, Menesclou, um dos ocupantes da casa, foi preso. O antebraço da criança foi encontrado no bolso de um dos seus casacos, e a cabeça e as entranhas, meio carbonizadas, foram retiradas do fogão. Outras partes do corpo foram encontradas no banheiro. Os órgãos genitais não puderam ser encontrados. M., quando perguntado sobre seu paradeiro, ficou envergonhado. As circunstâncias, bem como um poema obsceno encontrado em sua pessoa, não deixaram dúvidas de que ele havia violado a criança e depois a assassinado. M. não expressou remorso, afirmando que seu ato foi um acidente infeliz. Sua inteligência era limitada. Ele não apresentava sinais anatômicos de degeneração; um tanto surdo e escrofuloso. Vinte anos.
Alton, um balconista na Inglaterra, saiu da cidade para passear. Ele atraiu uma criança para um matagal. Depois, em seu escritório, ele fez esta anotação em seu caderno: “Matou hoje uma jovem; estava bom e quente.” A criança foi perdida, procurada e encontrada cortada em pedaços. Muitas partes, e entre elas os órgãos genitais, não puderam ser encontradas. A. não mostrou o menor traço de emoção e não deu nenhuma explicação sobre o motivo ou as circunstâncias de seu ato horrível. Ele era um indivíduo psicopata e, ocasionalmente, sujeito a ataques de depressão com pensamentos suicidas. Seu pai teve um ataque de mania aguda. Um parente próximo sofria de mania com impulsos homicidas.
Em 1º de dezembro de 1887, 7 de julho, 8 de agosto, 30 de setembro, um dia no mês de outubro e 9 de novembro de 1888; em 1º de junho, 17 de julho e 10 de setembro de 1889, os corpos de mulheres foram encontrados em vários bairros solitários de Londres rasgados e mutilados de uma maneira peculiar. O assassino, conhecido como Jack, o Estripador, nunca foi encontrado. É provável que ele primeiro tenha cortado a garganta de suas vítimas, depois rasgado o abdômen e tateado entre os intestinos. Em alguns casos, ele cortou os órgãos genitais e os levou embora; em outros, ele apenas os rasgou em pedaços e os deixou para trás. Ele não parece ter tido relações sexuais com suas vítimas, mas muito provavelmente o ato assassino e a subsequente mutilação do cadáver foram equivalentes ao ato sexual.
Em 31 de agosto de 1895, Portalier, dezessete anos, pastor, foi encontrado nu no campo. A barriga foi rasgada e o corpo apresentava outras feridas. O exame mostrou que a vítima havia sido estrangulada primeiro. Em 4 de agosto de 1897, um, chamado Vacher, foi preso por suspeita de ter cometido esse crime. Ele confessou isso, bem como numerosos outros atos de natureza semelhante que haviam sido perpetrados em várias partes da França desde 1894. Ele alegou que, na época em que cometeu os crimes, sofria de insanidade temporária e impulso irresistível; era, na verdade, um louco. O exame médico, no entanto, provou que Vacher estava em sã consciência quando cometeu esses atos atrozes, fugiu após sua comissão e tinha uma memória muito clara dos fatos.
Leger, vinhateiro, com vinte e quatro anos. De juventude mal-humorada, silenciosa, tímida. Ele começou em busca de uma situação. Vagando cerca de oito dias na floresta, ele pegou uma menina de doze anos, violou-a, mutilou seus órgãos genitais, arrancou seu coração, comeu, bebeu o sangue e enterrou os restos mortais. Preso, a princípio mentiu, mas finalmente confessou seu crime com sangue frio cínico. Ele ouviu sua sentença de morte com indiferença e foi executado. No exame post-mortem, Esquirol encontrou aderências mórbidas entre as membranas cerebrais e o cérebro.
Tirsch, beneficiário hospitalar de Prag, de cinquenta e cinco anos, sempre silencioso, peculiar, grosseiro, muito irritável, resmungão, vingativo, foi condenado a vinte anos de prisão por violar uma menina de dez anos. Ele atraiu a atenção por causa de explosões de raiva por causas insignificantes e por causa de pensamentos suicidas. Em 1864, por causa da recusa de uma oferta de casamento que fez a uma viúva, ele desenvolveu um ódio contra as mulheres e, no dia 8 de julho, saiu com a intenção de matar uma pessoa desse sexo odiado. Ele persuadiu uma estranha a entrar em uma floresta velha, exigiu cópula, jogou-a no chão quando ela se recusou e estrangulou a mulher “com um aperto furioso”. Ele desejava chicotear o cadáver com um pedaço de bétula, mas não pôde fazê-lo porque sua consciência o proibia de fazê-lo ali. Ele cortou seus seios e órgãos genitais com uma faca e cozinhou e comeu em casa nos dias seguintes. No dia 12 de setembro, quando foi preso, foram encontrados os restos dessa refeição.
Vincenz Verzeni, nascido em 1849; desde 11 de janeiro de 1872, na prisão; foi acusado (a) de uma tentativa de estrangular sua enfermeira Marianne, enquanto ela estava doente na cama; (b) de uma tentativa semelhante em uma mulher casada, Arsuffi, de vinte e sete anos; (c) de uma tentativa de estrangular uma mulher casada, Gala, agarrando sua garganta enquanto se ajoelhava em seu abdômen; (d) por suspeita dos seguintes assassinatos: Em dezembro, uma menina de quatorze anos, Johanna Motta, partiu para uma aldeia vizinha entre sete e oito horas da manhã. Como ela não voltou, seu mestre partiu para encontrá-la e descobriu seu corpo perto da aldeia, deitado nos campos. O cadáver foi terrivelmente mutilado com numerosos ferimentos. Os intestinos e órgãos genitais foram arrancados do corpo aberto e foram encontrados por perto. A nudez do corpo e as erosões nas coxas faziam parecer provável que tivesse havido uma tentativa de estupro; a boca, cheia de terra, apontava para asfixia. Na vizinhança do corpo, sob uma pilha de palha, foram encontrados uma porção de carne arrancada do bezerro direito e pedaços de roupa. O autor do ato permaneceu desconhecido.
Um certo Gruyo, de quarenta e um anos, com uma vida passada irrepreensível, tendo sido casado três vezes, estrangulou seis mulheres no decorrer de dez anos. Eram quase todas prostitutas públicas e bastante velhas. Após o estrangulamento, ele arrancou seus intestinos e rins pela vagina. Algumas de suas vítimas ele violou antes de matar; outras, por causa da ocorrência de impotência. Ele começou seus atos horríveis com tanto cuidado que permaneceu sem ser detectado por dez anos.
Análise Bakhtiniana e Pré-Processamento
Antes da aplicação do MATA, os textos foram analisados qualitativamente para identificar padrões recorrentes.
Extraímos e resumimos os casos descritos acima, focando nos elementos discursivos relevantes para uma análise bakhtiniana (vozes sociais, polifonia, gêneros do discurso, dialogismo). Identificamos, então, padrões recorrentes nos discursos desses assassinos sexuais, das vítimas e da sociedade. Estruturamos os resumos de modo que fosse possível criar uma tipologia baseada em elementos do discurso.
Aqui está o resumo dos principais casos descritos no texto, com uma análise bakhtiniana:
1. Caso Menesclou:
– Vozes sociais: Voz do narrador, voz do assassino (Menesclou).
– Polifonia: Contraste entre a voz do narrador, que descreve os detalhes horríveis do crime, e a voz de Menesclou, que se mostra indiferente e sem remorso.
– Gênero do discurso: Relato policial/jornalístico.
– Dialogismo: Ausência de diálogo entre as vozes, apenas a descrição do crime pelo narrador.
2. Caso Alton:
– Vozes sociais: Voz do narrador, voz do assassino (Alton).
– Polifonia: Contraste entre a voz do narrador, que descreve o crime, e a voz de Alton, que se mostra frio e sem emoção.
– Gênero do discurso: Relato policial/jornalístico.
– Dialogismo: Ausência de diálogo entre as vozes, apenas a descrição do crime pelo narrador.
3. Caso Jack, o Estripador:
– Vozes sociais: Voz do narrador, voz da sociedade (especulações sobre o assassino).
– Polifonia: Contraste entre a voz do narrador, que descreve os crimes, e a voz da sociedade, que tenta compreender a motivação do assassino.
– Gênero do discurso: Relato policial/jornalístico, com elementos de especulação.
– Dialogismo: Ausência de diálogo direto, apenas a descrição dos crimes e as especulações da sociedade.
4. Caso Portalier/Vach:
– Vozes sociais: Voz do narrador, voz do assassino (Vacher).
– Polifonia: Contraste entre a voz do narrador, que descreve os crimes, e a voz de Vacher, que alega ter cometido os atos sob efeito de insanidade temporária.
– Gênero do discurso: Relato policial/jornalístico, com elementos de avaliação médica.
– Dialogismo: Ausência de diálogo direto, apenas a descrição dos crimes e a alegação de Vacher.
5. Caso Leger:
– Vozes sociais: Voz do narrador, voz do assassino (Leger).
– Polifonia: Contraste entre a voz do narrador, que descreve os detalhes horríveis do crime, e a voz de Leger, que se mostra cínico e indiferente.
– Gênero do discurso: Relato policial/jornalístico.
– Dialogismo: Ausência de diálogo direto, apenas a descrição do crime pelo narrador.
6. Caso Tirsch:
– Vozes sociais: Voz do narrador, voz do assassino (Tirsch).
– Polifonia: Contraste entre a voz do narrador, que descreve o crime, e a voz de Tirsch, que alega ter cometido o ato devido a um ódio por mulheres.
– Gênero do discurso: Relato policial/jornalístico, com elementos de avaliação psicológica.
– Dialogismo: Ausência de diálogo direto, apenas a descrição do crime e a alegação de Tirsch.
7. Caso Verzeni:
– Vozes sociais: Voz do narrador, voz do assassino (Verzeni).
– Polifonia: Contraste entre a voz do narrador, que descreve os crimes, e a voz de Verzeni, que é acusado de diversos ataques.
– Gênero do discurso: Relato policial/jornalístico.
– Dialogismo: Ausência de diálogo direto, apenas a descrição dos crimes pelo narrador.
8. Caso Gruyo:
– Vozes sociais: Voz do narrador, voz do assassino (Gruyo).
– Polifonia: Contraste entre a voz do narrador, que descreve os crimes, e a voz de Gruyo, que é acusado de assassinar diversas mulheres.
– Gênero do discurso: Relato policial/jornalístico.
– Dialogismo: Ausência de diálogo direto, apenas a descrição dos crimes pelo narrador.
Padrões recorrentes
– Vozes sociais: Voz do narrador (relato policial/jornalístico) e voz dos assassinos.
– Polifonia: Contraste entre a voz do narrador, que descreve os crimes de forma detalhada e objetiva, e a voz dos assassinos, que se mostram indiferentes, alegam insanidade ou apresentam motivações específicas.
– Gêneros do discurso: Relato policial/jornalístico, com elementos de avaliação médica e psicológica em alguns casos.
– Dialogismo: Ausência de diálogo direto entre as vozes, apenas a descrição dos crimes pelo narrador.
Categorias recorrentes
1. Assassinos com distúrbios mentais ou emocionais (Menesclou, Alton, Vacher, Tirsch, Verzeni, Gruyo).
2. Assassinos que mutilam os corpos das vítimas, com ênfase nos órgãos genitais (Menesclou, Jack, o Estripador, Leger, Tirsch).
3. Assassinos que apresentam indiferença ou cinismo em relação aos seus crimes (Menesclou, Alton, Leger).
Aplicação do MATA para Clusterização
O MATA foi utilizado para automatizar a identificação de tópicos latentes e agrupar os casos em clusters homogêneos. O software emprega modelos tópicos estruturais (STM) (Roberts et al., 2019), que permitem:
Identificar padrões temáticos nos discursos dos assassinos.
Agrupar casos semanticamente similares com base em palavras-chave e contextos.
Validar as categorias qualitativas previamente definidas.
O processo incluiu:
Pré-processamento textual: Remoção de stopwords, stemming e tokenização.
Seleção do número ideal de tópicos: Foram testados modelos com diferentes números de clusters (k), utilizando métricas de coerência semântica e exclusividade.
Interpretação humana dos tópicos gerados: Pesquisadores rotularam manualmente os clusters identificados pelo MATA, garantindo alinhamento com a análise qualitativa.
Resultados
Três Tipologias de Discursos sobre os Assassinos Sexuais foram identificadas.
As métricas utilizadas para selecionar o número ideal de clusters (k) no processo de clusterização com o MATA foram:
Métricas de coerência semântica: Estas métricas avaliaram o quão coerentes e semanticamente relacionados foram os tópicos gerados em cada cluster.
Métricas de exclusividade: Estas métricas mediram o quão exclusivas são as palavras-chave associadas a cada cluster, ou seja, o quanto elas são distintivas e diferenciam um cluster dos demais.
O objetivo aqui era encontrar a partição em clusters que maximizasse a similaridade interna e a dissimilaridade entre os grupos, de modo a obter uma tipologia bem definida e coerente.
O MATA confirmou e refinou a categorização inicial, resultando em três grupos principais:
Cluster 1 (Indiferentes/Negadores): Assassinos com transtornos mentais, mas sem mutilações ritualísticas (ex.: Menesclou).
Cluster 2 (Ritualísticos): Criminosos com mutilações sistemáticas, sem diagnóstico claro de doença mental (ex.: Jack, o Estripador).
Cluster 3 (Doentes Mentais): Casos com evidências de degeneração cerebral ou psicopatologia severa (ex.: Vacher).
Vantagens do Uso do MATA
Eficiência: Redução significativa do tempo de análise em comparação com métodos exclusivamente manuais (Towler et al., 2023).
Consistência: Minimização de viés interpretativo, mantendo a profundidade qualitativa.
Escalabilidade: Possibilidade de aplicação a conjuntos de dados maiores sem perda de rigor analítico.
Discussão
A combinação da análise bakhtiniana com o MATA demonstrou ser uma abordagem sólida para estudos criminológicos, permitindo a categorização precisa de comportamentos violentos complexos. Esse método pode ser adaptado para outras pesquisas em ciências sociais e forenses, especialmente quando há grandes volumes de dados textuais históricos ou contemporâneos.
De acordo com a aplicação do MATA (Machine-Assisted Topic Analysis) aos casos descritos, foram identificadas três tipologias principais de discursos sobre os assassinos sexuais:
Cluster 1 (Indiferentes/Negadores):
Assassinos com transtornos mentais, mas sem mutilações ritualísticas
Exemplos: Menesclou
Cluster 2 (Ritualísticos):
Criminosos com mutilações sistemáticas, sem diagnóstico claro de doença mental
Exemplos: Jack, o Estripador
Cluster 3 (Doentes Mentais):
Casos com evidências de degeneração cerebral ou psicopatologia severa
Exemplos: Vacher
Essa categorização realizada pelo MATA corrobora e refina a análise qualitativa inicial, baseada na abordagem bakhtiniana. O uso do MATA permitiu uma identificação mais eficiente e consistente dos padrões temáticos e discursivos presentes nos casos, minimizando possíveis vieses interpretativos.
Essa tipologia gerada pelo MATA se mostra detalhada e algo alinhada com a compreensão contemporânea dos assassinos sexuais, indo além da abordagem psicopatológica de Kraft-Ebing. A combinação da análise bakhtiniana com a aplicação do MATA demonstrou ser uma abordagem robusta para a categorização de comportamentos violentos complexos, como os casos de assassinos sexuais.
Já uma avaliação comparativa entre as tipologias obtidas a partir dos discursos de Kraft-Ebing sobre oito casos de assassinos sexuais e a tipologia de Beech revela convergências e divergências significativas na compreensão desse fenômeno criminoso. Enquanto Kraft-Ebing, em sua obra Psychopathia Sexualis (Kraft-Ebing, 1886/2016), aborda os crimes sexuais violentos a partir de uma perspectiva psicopatológica, enfatizando a degeneração mental e as parafilias, Beech, Fisher e Ward (2005) propõem uma classificação baseada no comportamento observável e nas motivações dos assassinos, destacando teorias implícitas e padrões de ação.
Kraft-Ebing descreve os lust murderers como indivíduos cujos crimes são marcados por uma fusão entre violência e prazer sexual, frequentemente associada a distúrbios mentais como o sadismo e a necrofilia. Seus casos, como os de Menesclou e Vacher, ilustram a brutalidade ritualística e a indiferença emocional, características que ele atribui a uma “degeneração” neurológica ou psíquica (Kraft-Ebing, 1886/2016; Lacassagne, 1898). Essa abordagem, embora limitada pelo conhecimento científico do século XIX, estabelece uma base para entender a psicopatologia subjacente a esses crimes, enfatizando a presença de fantasias sexuais violentas e a incapacidade de controlar impulsos.
Por outro lado, a tipologia de Beech et al. (2005) categoriza os assassinos sexuais em três grupos principais: sádicos, motivados por raiva e oportunistas, com base em seu modus operandi e teorias implícitas. Os assassinos sádicos planejam meticulosamente seus crimes, alimentados por fantasias eróticas violentas (Ressler et al., 1988), enquanto os motivados por raiva agem de forma impulsiva, direcionando sua hostilidade a vítimas conhecidas (Proulx & Beauregard, 2014). Já os oportunistas cometem crimes sexuais como parte de outros delitos, sem um planejamento prévio (Beauregard & Proulx, 2002). Essa classificação é mais pragmática, focando no comportamento observável e nas circunstâncias dos crimes, o que a torna útil para investigações policiais e avaliações de risco (Kocsis, 2006).
Ao comparar as duas abordagens, nota-se que os casos analisados por Kraft-Ebing se encaixam parcialmente nas categorias de Beech et al. (2005). Por exemplo, Jack, o Estripador e Leger, com suas mutilações ritualísticas, aproximam-se do perfil sádico, enquanto Menesclou e Alton, com sua indiferença emocional e distúrbios mentais, podem ser associados aos assassinos motivados por raiva ou a uma combinação de características. No entanto, a tipologia de Beech et al. (2005) oferece uma estrutura mais detalhada para entender a diversidade de motivações e comportamentos, indo além da explicação psicopatológica proposta por Kraft-Ebing (1886/2016).
Em síntese, enquanto Kraft-Ebing (1886/2016) fornece uma base histórica e psicopatológica para compreender os assassinos sexuais, a tipologia de Beech et al. (2005) avança ao integrar aspectos comportamentais e motivacionais, permitindo uma análise mais precisa e aplicável ao contexto forense contemporâneo. Ambas as abordagens, no entanto, destacam a complexidade desses crimes e a necessidade de estudos interdisciplinares para enfrentar os desafios que eles representam para a sociedade e o sistema de justiça (Schlesinger, 2007; Ward & Beech, 2006).
Referências Bakhtin, M. (1981). The Dialogic Imagination. University of Texas Press. Beauregard, E., & Proulx, J. (2002). Profiles in the offending process of nonserial sexual murderers. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, 46(4), 386-399. Beech, A. R., Fisher, D., & Ward, T. (2005). Sexual murderers' implicit theories. Journal of Interpersonal Violence, 20(11), 1366-1380. Hare, R. D. (1993). Without conscience: The disturbing world of the psychopaths among us. Guilford Press. Kocsis, R. N. (2006). Criminal profiling: Principles and practice. Humana Press. Kraft-Ebing, R. von. (2016). Psychopathia sexualis. CreateSpace Independent Publishing Platform. (Original publicado em 1886). Lacassagne, A. (1898). Vacher l'éventreur et les crimes sadiques. Masson. Proulx, J., & Beauregard, E. (2014). Pathways in the offending process of extrafamilial sexual aggressors against women. In J. Proulx, E. Beauregard, P. Lussier, & B. Leclerc (Eds.), Pathways to sexual aggression (pp. 71-109). Routledge. Ressler, R. K., Burgess, A. W., & Douglas, J. E. (1988). Sexual homicide: Patterns and motives. Free Press. Roberts, M. E., Stewart, B. M., & Tingley, D. (2019). stm: An R Package for Structural Topic Models. Journal of Statistical Software, 91(2), 1–40. Schlesinger, L. B. (2007). Sexual homicide: Differentiating catathymic and compulsive murders. Aggression and Violent Behavior, 12(3), 242-256. Towler, L. et al. (2023). Applying Machine-Learning to Rapidly Analyze Large Qualitative Text Datasets. Frontiers in Public Health, 11, 1268223. Ward, T., & Beech, A. R. (2006). An integrated theory of sexual offending. Aggression and Violent Behavior, 11(1), 44-65.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.

