“Indivíduo X: Olá, Dra. A senhora está muito bonita hoje.
Dra.: Obrigada. Vamos, porém, nos ater ao que aconteceu naquele roubo do ano passado. Conte-me o que ocorreu.
Indivíduo X: Bom, Dra., ela era minha professora no ensino médio. Achei que ela tinha algum dinheiro e tentei ser sempre gentil com ela durante as aulas. Até mesmo levava maçãs para ela… Um sábado, eu e meu amigo mais velho decidimos ir até a casa dela e invadir para fazer algum dinheiro. Ela abriu a porta para mim e, quando eu e meu amigo entramos na casa, ele começou a bater nela enquanto eu procurava por dinheiro e outras coisas de valor… Ao descer do andar de cima da casa, encontrei a professora toda roxa e machucada, jogada no chão. Naquele momento, senti forte atração sexual por aquele corpo inerte, uma forte ereção mesmo. Pedi para o meu amigo sair da sala e a penetrei…”
(Conversa Anônima)
Excerto – A sua Fruta é Traiçoeira ao meu Paladar
A análise do discurso do diálogo apresentado, considerando o conceito de Narcisismo Maligno, pode ser realizada a partir de uma perspectiva foucaultiana, que examina as relações de poder, a subjetividade e a produção de sentidos no discurso. O Narcisismo Maligno, por sua vez, é uma condição psicológica que combina traços de narcisismo, psicopatia, maquiavelismo, ideação paranoide, caracterizada por uma grandiosidade exagerada, falta de empatia e manipulação do outro para satisfação própria.
Análise do Discurso do Indivíduo X:
Estrutura do Discurso: O discurso do Indivíduo X é marcado por uma narrativa que oscila entre a aparente normalidade e a descrição de atos violentos e abusivos. Ele inicia com um elogio à Dra., o que pode ser interpretado como uma tentativa de manipulação ou de estabelecer uma relação de simpatia, característica do Narcisismo Maligno, que busca controlar a percepção que o outro tem de si.
Construção da Subjetividade: O Indivíduo X se coloca como protagonista da narrativa, mas sua fala revela uma dissociação entre as suas ações e a gravidade dos fatos. Ele descreve o roubo e o estupro de forma quase banal, sem demonstrar remorso ou empatia pela vítima. Isso reflete a falta de conexão emocional com o outro, típica do Narcisista Maligno, onde o outro é visto apenas como um objeto para satisfação de desejos próprios.
Relações de Poder: O discurso do Indivíduo X revela uma relação de poder assimétrica, onde ele se coloca como agente ativo e dominador, enquanto a vítima é reduzida a um objeto passivo. A descrição do estupro como um ato de “forte atração sexual” evidencia uma distorção da realidade, onde o prazer próprio é colocado acima do sofrimento alheio, característica também do Narcisismo Maligno.
2. Análise do Discurso da Dra.:
Estrutura do Discurso: A Dra. mantém um discurso profissional e objetivo, buscando redirecionar a conversa para o fato em questão (o roubo). Ela não se deixa levar pelo elogio inicial do Indivíduo X, demonstrando uma postura de autoridade e controle sobre a situação.
Construção da Subjetividade: A Dra. se posiciona como uma figura de autoridade, que busca extrair informações relevantes para o caso. Sua fala é direta e focada, sem espaço para desvios ou manipulações emocionais. Isso contrasta com a tentativa do Indivíduo X de estabelecer uma relação mais pessoal e manipuladora.
Relações de Poder: A Dra. exerce um poder institucional, representando a ÉTICA e a ordem. Ela não se deixa manipular pelo discurso do Indivíduo X, mantendo o controle da interação e focando no objetivo profissional.
3. Narcisismo Maligno no Discurso do Indivíduo X:
Grandiosidade e Manipulação: O elogio inicial à Dra. pode ser visto como uma tentativa de manipulação, onde o Indivíduo X busca criar uma imagem positiva de si mesmo, típica do narcisismo. Ele tenta controlar a percepção que a Dra. tem dele, buscando estabelecer uma relação de simpatia.
Falta de Empatia: A descrição do roubo e do estupro é feita de forma fria e calculada, sem qualquer demonstração de remorso ou preocupação com o sofrimento da vítima. Isso reflete a falta de empatia, característica do Narcisismo Maligno, onde o outro é visto apenas como um meio para atingir seus próprios fins.
Distorção da Realidade: O Indivíduo X descreve o estupro como um ato de “forte atração sexual”, distorcendo a realidade e justificando seus atos de forma egoísta e patológica. Isso evidencia uma visão distorcida de si mesmo e dos outros, onde seus desejos e prazeres são colocados acima de qualquer consideração moral ou ética.
O diálogo revela uma clara manifestação de Narcisismo Maligno no discurso do Indivíduo X, que busca manipular a interação, justificar seus atos violentos e manter uma imagem grandiosa de si mesmo, enquanto demonstra total falta de empatia pela vítima. A Dra., por outro lado, mantém um discurso profissional e objetivo, exercendo o papel institucional e resistindo às tentativas de manipulação. A análise foucaultiana permite compreender como o discurso do Indivíduo X reflete uma subjetividade marcada pela grandiosidade, manipulação e falta de empatia, características do Narcisismo Maligno, enquanto a Dra. representa a ordem que busca controlar e direcionar o discurso para fins legais e éticos.
Outrossim, a sonoridade deste diálogo revela uma clara dicotomia entre o discurso do Indivíduo X e o da Dra.:
Indivíduo X: Sua sonoridade é marcada por uma tentativa de manipulação, com tons suaves e lisonjeiros no início, mas que se tornam frios e descritivos ao narrar os atos violentos. A falta de emoção e a ênfase em detalhes chocantes refletem sua frieza emocional e sua incapacidade de reconhecer a gravidade de suas ações.
Dra.: Sua sonoridade é firme, controlada e profissional, com ênfase nas palavras-chave que reforçam a seriedade do assunto. A Dra. mantém um tom de voz que não permite desvios ou manipulações, reafirmando sua autoridade e controle sobre a interação.
Uma análise da sonoridade reforça a interpretação do diálogo como uma manifestação de Narcisismo Maligno no discurso do Indivíduo X, enquanto a Dra. representa a ordem institucional que busca manter o foco na gravidade dos fatos e na busca pela verdade.
Introdução
O Narcisismo Maligno é uma forma extrema e patológica de narcisismo, caracterizada por uma combinação de traços narcisistas, comportamentos antissociais, tendências paranoides e sadismo. Este constructo foi inicialmente proposto por Erich Fromm e posteriormente desenvolvido por Otto Kernberg, que o descreveu como uma intersecção entre o Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN) e comportamentos antissociais graves, com uma propensão à agressividade ego sintônica direcionada a si mesmo ou aos outros (Kernberg, 1984). O Narcisismo Maligno é considerado uma variante particularmente perigosa e destrutiva do narcisismo, frequentemente associada a líderes autoritários e a indivíduos que causam danos significativos às pessoas ao seu redor.
Segundo Kernberg, “o líder caracterizado pelo Narcisismo Maligno experimenta e expressa uma grandiosidade desordenada, precisa ser admirado e temido ao mesmo tempo. Ele deseja a submissão dos outros e experimenta qualquer manifestação contrária aos seus desejos como um ataque intencional e grave contra si mesmo.”
O Narcisismo Maligno tem sido caracterizado, muitas vezes, por uma constelação de características que incluem grandiosidade, falta de empatia, exploração interpessoal, necessidade de admiração e um profundo desprezo pelos outros. Além disso, indivíduos com Narcisismo Maligno exibem comportamentos antissociais, como manipulação, mentira patológica e falta de remorso. Eles também podem apresentar tendências paranoides, desconfiança extrema e projeção de suas próprias agressões nos outros. O sadismo, ou o prazer em infligir dor emocional ou física aos outros, é outro componente central do Narcisismo Maligno (Kernberg, 1984; Wood, 2022).
Kernberg (1984) argumenta que o narcisismo maligno é uma forma de organização da personalidade que amiúde enquadra o Narcisismo Patológico dentro do conceito dimensional de Psicopatia. Ele destaca que esses indivíduos têm uma visão grandiosa de si mesmos, mas também são capazes de atos cruéis e desumanos, muitas vezes justificados por uma sensação de superioridade moral ou necessidade de vingança.
Como Identificar o Narcisismo Maligno
Identificar o Narcisismo Maligno pode ser desafiador, pois muitos dos seus traços se sobrepõem a outros transtornos de personalidade, como o Transtorno de Personalidade Antissocial e o Transtorno de Personalidade Paranóide. No entanto, algumas características distintivas podem ajudar na identificação:
Grandiosidade e Superioridade: Indivíduos com Narcisismo Maligno frequentemente se veem como superiores aos outros, acreditando que merecem tratamento especial e admiração constante.
Falta de Empatia: Eles demonstram uma incapacidade de se colocar no lugar dos outros, mostrando indiferença ou até prazer diante do sofrimento alheio.
Manipulação e Exploração: Esses indivíduos são altamente manipuladores, usando os outros para atingir seus objetivos sem consideração pelos sentimentos ou bem-estar alheios.
Tendências Paranoides: Eles podem ser extremamente desconfiados, acreditando que os outros estão constantemente tentando prejudicá-los ou humilhá-los.
Sadismo: O prazer em causar dor ou humilhação aos outros é uma característica marcante do Narcisismo Maligno. Esse sadismo pode ser emocional, psicológico ou físico.
Agressividade Ego-Sintônica: A agressividade é vista como justificada e necessária, muitas vezes sem remorso ou arrependimento.
Instrumentos para avaliar o Narcisismo Maligno
A avaliação do narcisismo maligno requer uma abordagem clínica cuidadosa, muitas vezes envolvendo entrevistas estruturadas, questionários e observação comportamental. Alguns dos instrumentos mais utilizados incluem:
Inventário de Personalidade Narcisista (NPI): O NPI é um dos instrumentos mais utilizados para avaliar traços narcisistas. Embora não seja específico para o narcisismo maligno, ele pode ajudar a identificar características como grandiosidade e necessidade de admiração (Raskin & Hall, 1979).
Escala de Psicopatia de Hare (PCL-R): A PCL-R é frequentemente usada para avaliar traços psicopáticos, que se sobrepõem ao Narcisismo Maligno. Ela mede características como falta de empatia, manipulação, irresponsabilidade, charme superficial e comportamento antissocial (Hare, 2003).
Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-5 (SCID-5): A SCID-5 é uma ferramenta clínica que ajuda a diagnosticar transtornos de personalidade, incluindo o Transtorno de Personalidade Narcisista e o Transtorno de Personalidade Antissocial, que são relevantes para o narcisismo maligno (First et al., 2016).
Escala de Narcisismo Maligno (MNS): Desenvolvida por alguns pesquisadores, a MNS é uma escala específica para avaliar os componentes do Narcisismo Maligno, incluindo grandiosidade, agressividade e tendências paranoides (Kernberg, 1984).
Questionário de Personalidade DSM-5 (PID-5): O PID-5 é uma ferramenta que avalia traços de personalidade com base no modelo dimensional do DSM-5. Ele pode ser útil para identificar traços como antagonismo, desinibição e psicoticismo, que são relevantes para o narcisismo maligno (Krueger et al., 2012).
Escala de Narcisismo Maligno: Itens e Características
A Escala de Narcisismo Maligno (MNS, na sigla em inglês) foi desenvolvida para avaliar os traços específicos. Essa escala é frequentemente utilizada em contextos clínicos e de pesquisa para identificar indivíduos que apresentam essa constelação de traços de personalidade. Abaixo, descrevemos os principais itens e características avaliados pela escala:
1. Grandiosidade
Descrição: Indivíduos com Narcisismo Maligno frequentemente exibem uma visão inflada de si mesmos, acreditando ser superiores aos outros em inteligência, talento ou status.
Exemplo de Item: “Eu sou uma pessoa extraordinária e mereço ser tratado com admiração e respeito.”
2. Falta de Empatia
Descrição: A incapacidade de se colocar no lugar dos outros ou de compreender e compartilhar os sentimentos alheios é uma característica marcante.
Exemplo de Item: “Eu não me importo com os sentimentos dos outros, desde que eu alcance meus objetivos.”
3. Manipulação e Exploração
Descrição: Esses indivíduos são altamente manipuladores, usando os outros para atingir seus próprios fins sem consideração pelo bem-estar alheio.
Exemplo de Item: “Eu não vejo problema em usar as pessoas para conseguir o que quero.”
4. Tendências Paranoides
Descrição: Desconfiança extrema e a crença de que os outros estão constantemente tentando prejudicá-los ou humilhá-los.
Exemplo de Item: “Eu acredito que as pessoas estão sempre tentando me trair ou me prejudicar.”
5. Sadismo
Descrição: O prazer em causar dor ou humilhação aos outros, seja emocional, psicológica ou fisicamente.
Exemplo de Item: “Eu gosto de ver os outros sofrerem, especialmente se eles merecerem.”
6. Agressividade Ego-Sintônica
Descrição: A agressividade é vista como justificada e necessária, muitas vezes sem remorso ou arrependimento.
Exemplo de Item: “Eu não me sinto mal por ser agressivo, pois é a única maneira de conseguir o que quero.”
7. Necessidade de Admiração
Descrição: Uma necessidade constante de ser admirado e validado pelos outros, muitas vezes buscando elogios e reconhecimento.
Exemplo de Item: “Eu preciso que as pessoas me admirem e me elogiem constantemente.”
8. Desprezo pelos Outros
Descrição: Um profundo desprezo e desvalorização dos outros, vendo-os como inferiores ou insignificantes.
Exemplo de Item: “Eu acho que a maioria das pessoas é fraca e não merece minha atenção.”
9. Impulsividade
Descrição: Comportamentos impulsivos e falta de controle sobre os próprios impulsos, muitas vezes resultando em ações prejudiciais.
Exemplo de Item: “Eu ajo sem pensar nas consequências, pois acredito que sempre posso me safar.”
10. Falta de Remorso
Descrição: Incapacidade de sentir remorso ou culpa por ações que prejudicam os outros.
Exemplo de Item: “Eu não me sinto mal por machucar os outros, pois eles merecem.”
Cada item da escala reflete uma característica central dessa condição, permitindo uma avaliação clínica mais precisa e abrangente. A identificação desses traços é crucial para o diagnóstico e tratamento adequados, especialmente em contextos em que o comportamento do indivíduo pode causar danos significativos a si mesmo e aos outros.
Aspectos Psicodinâmicos do Narcisismo Patológico
O Narcisismo Patológico é um conceito central na psicanálise e na psicologia clínica, sendo amplamente estudado por teóricos como Otto Kernberg, Heinz Kohut e Melanie Klein. Este transtorno de personalidade é caracterizado por uma grandiosidade excessiva, necessidade de admiração e falta de empatia, mas suas raízes psicodinâmicas são complexas e multifacetadas. Kernberg (1975) descreve o Narcisismo Maligno como uma estrutura de personalidade borderline, na qual há uma distorção significativa das relações objetais internalizadas e uma falha na integração do self.
De acordo com Kernberg (1975), o Narcisismo Patológico surge de falhas no desenvolvimento precoce das relações objetais. Durante a infância, a criança internaliza imagens de si mesma e dos outros (objetos) que são influenciadas pelas interações com os cuidadores. Em indivíduos com Narcisismo Patológico, essas internalizações são distorcidas por experiências de frustração excessiva ou gratificação inadequada, levando à formação de um self grandioso e idealizado, que serve como defesa contra sentimentos de inadequação e vulnerabilidade.
Kohut (1971), por outro lado, enfatiza a teoria do self, sugerindo que o Narcisismo Patológico resulta de falhas na resposta empática dos pais durante a infância. Essas falhas impedem a criança de desenvolver um self coeso e integrado, levando à formação de um self grandioso como compensação pela falta de reconhecimento e validação.
Os mecanismos de defesa predominantes no Narcisismo Patológico incluem a idealização primitiva, a desvalorização dos outros e a negação. Kernberg (1975) destaca que esses mecanismos servem para proteger o indivíduo de sentimentos de inferioridade e raiva, mas também perpetuam a distorção da realidade e a dificuldade em estabelecer relações genuínas. A idealização primitiva, por exemplo, envolve a atribuição de qualidades excessivamente positivas a si mesmo ou aos outros, enquanto a desvalorização é usada para depreciar aqueles que não atendem às expectativas grandiosas do indivíduo.
No contexto terapêutico, pacientes com Narcisismo Patológico frequentemente exibem padrões de transferência que refletem as suas distorções internas. Kernberg (1975) observa que esses pacientes podem alternar entre a idealização do terapeuta e a desvalorização abrupta, dependendo de como suas necessidades narcísicas são atendidas. Essa flutuação pode ser desafiadora para o terapeuta, que deve manter uma postura empática e interpretativa, sem se deixar envolver pelos jogos de poder e manipulação do paciente.
Kohut (1971) sugere que a terapia com pacientes narcisistas deve focar na restauração do self fragmentado, através da experiência de uma relação empática e uma comunicação não patológica com o terapeuta. Essa abordagem, conhecida como psicologia do self, enfatiza a importância de “transferências de self objeto”, nas quais o paciente projeta no terapeuta funções que falharam em ser internalizadas durante o desenvolvimento.
O Narcisismo Maligno é um transtorno complexo, com raízes profundas no desenvolvimento precoce e na estruturação psíquica. As teorias de Kernberg e Kohut oferecem perspectivas complementares sobre a natureza e o tratamento desse transtorno, destacando a importância das relações objetais internalizadas e da resposta empática do terapeuta. A compreensão dos aspectos psicodinâmicos do Narcisismo Maligno é essencial para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas eficazes, que visem não apenas à redução dos sintomas, mas também à integração do self e à melhoria das relações interpessoais.
Diferenças entre Narcisismo Maligno e Narcisismo Benigno
O narcisismo é um conceito amplo na psicanálise e na psiquiatria, que pode se manifestar de formas variadas, desde traços saudáveis até patologias graves. Otto Kernberg, em seu livroBorderline Conditions and Pathological Narcissism (1975), faz uma distinção clara entre o narcisismo benigno e o Narcisismo Maligno, destacando as diferenças em termos de estrutura psíquica, relações objetais e funcionamento geral do indivíduo. Essas diferenças são fundamentais para compreender como o narcisismo pode ser adaptativo ou disfuncional.
Narcisismo Benigno
O narcisismo benigno refere-se a uma forma saudável de autoestima e autoconfiança, essencial para o funcionamento psicológico equilibrado. Kernberg (1975) descreve o narcisismo benigno como uma capacidade de valorizar a si mesmo de maneira realista, sem distorções excessivas ou necessidade de validação externa constante. Esse tipo de narcisismo está associado a um self integrado, no qual o indivíduo consegue reconhecer suas qualidades e limitações sem desequilíbrios emocionais significativos.
No narcisismo benigno, as relações objetais são bem integradas. O indivíduo é capaz de estabelecer vínculos genuínos e empáticos com os outros, reconhecendo a independência e a individualidade das pessoas ao seu redor. A autoimagem é estável e baseada em uma avaliação realista das próprias capacidades e conquistas. Além disso, o narcisismo normal permite que o indivíduo experimente sentimentos de orgulho e satisfação sem depender excessivamente da admiração alheia.
Narcisismo Patológico
Em contraste, o Narcisismo Patológico é caracterizado por uma distorção significativa da autoimagem e das relações objetais. Kernberg (1975) descreve o Narcisismo Patológico como uma condição na qual o indivíduo desenvolve um self grandioso e idealizado, que serve como defesa contra sentimentos profundos de inadequação, raiva e vulnerabilidade. Esse self grandioso é frágil e depende constantemente da validação externa para se manter.
No Narcisismo Patológico, as relações objetais são distorcidas. O indivíduo tende a idealizar ou desvalorizar os outros, alternando entre a admiração excessiva e o desprezo, dependendo de como as suas necessidades narcísicas são atendidas. A empatia é severamente prejudicada, pois o indivíduo vê os outros principalmente como extensões de si mesmo ou como fontes de gratificação narcísica, em vez de pessoas independentes com suas próprias necessidades e sentimentos.
Outra característica marcante do narcisismo patológico é a presença de mecanismos de defesa primitivos, como a negação, a idealização primitiva e a desvalorização. Esses mecanismos servem para proteger o indivíduo de sentimentos dolorosos, mas também perpetuam a distorção da realidade e a dificuldade em estabelecer relações genuínas. A falta de integração do self é um traço central, levando a uma identidade difusa e a uma constante busca por validação externa.
A distinção entre narcisismo benigno e patológico é crucial para a compreensão das diferentes manifestações do narcisismo. Enquanto o narcisismo normal é essencial para uma autoestima saudável e relações interpessoais equilibradas, o Narcisismo Patológico representa uma distorção grave da autoimagem e das relações objetais, com sérias implicações para o funcionamento psicológico e social. Kernberg (1975) enfatiza que o tratamento do Narcisismo Patológico requer uma abordagem terapêutica focada na integração do self e na resolução das distorções nas relações objetais, visando à construção de uma identidade mais coesa e realista.
Abaixo, segue uma tabela que organiza as diferenças centrais entre o Narcisismo Benigno e o Narcisismo Maligno, com base nas teorias de Otto Kernberg e outros autores psicodinâmicos:
Aspecto | Narcisismo Benigno (Normal) | Narcisismo Patológico (Maligno) |
Autoimagem | Realista e integrada. Reconhece qualidades e limitações sem distorções excessivas. | Grandiosa e idealizada, mas frágil. Depende da admiração externa para manter a autoestima. |
Relações Objetais | Empáticas e genuínas. Reconhece a independência dos outros e estabelece vínculos saudáveis. | Distorcidas e utilitárias. Idealiza ou desvaloriza os outros, com pouca capacidade de empatia. |
Mecanismos de Defesa | Mecanismos maduros, como sublimação e racionalização. | Mecanismos primitivos, como negação, idealização primitiva e desvalorização. |
Funcionamento Social | Boa adaptação social e emocional. Capacidade de experimentar orgulho e satisfação equilibrada. | Dificuldades significativas nas relações interpessoais. Tendência à manipulação e à exploração. |
Empatia | Capacidade de empatia desenvolvida. Reconhece as necessidades e sentimentos dos outros. | Empatia severamente prejudicada. Vê os outros como extensões de si mesmo ou fontes de gratificação. |
Dependência Externa | Autoestima interna estável. Não depende excessivamente da validação externa. | Dependência constante de validação externa. Necessidade de admiração para manter a autoimagem. |
Identidade | Self coeso e integrado. Identidade clara e consistente. | Self fragmentado e difuso. Identidade instável e grandiosa como defesa contra sentimentos de inadequação. |
Expressão Emocional | Emoções equilibradas e adaptativas. Capacidade de lidar com frustrações de forma saudável. | Emoções intensas e desreguladas. Raiva, inveja e vulnerabilidade mascaradas por grandiosidade. |
Objetivos e Aspirações | Metas realistas e alcançáveis. Baseadas em uma avaliação realista das próprias capacidades. | Metas grandiosas e irrealistas. Frequentemente inatingíveis, levando a frustração e desilusão. |
Impacto nas Relações | Relações saudáveis e mutuamente satisfatórias. Respeito pela individualidade do outro. | Relações conflituosas e exploratórias. Dificuldade em manter vínculos duradouros e significativos. |
Essa tabela resume as principais diferenças entre o narcisismo saudável e o patológico, destacando como o narcisismo benigno contribui para um funcionamento psicológico equilibrado, enquanto o Narcisismo Patológico está associado com distorções graves na autoimagem, nas relações interpessoais e no funcionamento emocional.
Palavras Finais
O Narcisismo Maligno é uma condição complexa e multifacetada que requer uma avaliação clínica cuidadosa e abrangente. A combinação de traços narcisistas, comportamentos antissociais, tendências paranoides e sadismo torna essa forma de narcisismo particularmente perigosa, tanto para o indivíduo quanto para aqueles ao seu redor. A identificação precoce e a intervenção adequada são essenciais para mitigar os danos causados por essa condição.
Referências First, M. B., Williams, J. B. W., Karg, R. S., & Spitzer, R. L. (2016). Structured Clinical Interview for DSM-5 Disorders (SCID-5). American Psychiatric Association. Hare, R. D. (2003). Manual for the Hare Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R). Multi-Health Systems. Kernberg, O. F. (1975). Borderline Conditions and Pathological Narcissism. Jason Aronson. Kernberg, O. F. (1984). Severe Personality Disorders: Psychotherapeutic Strategies. Yale University Press. Kohut, H. (1971). The Analysis of the Self: A Systematic Approach to the Psychoanalytic Treatment of Narcissistic Personality Disorders. International Universities Press. Krueger, R. F., Derringer, J., Markon, K. E., Watson, D., & Skodol, A. E. (2012). Initial construction of a maladaptive personality trait model and inventory for DSM-5. Psychological Medicine, 42(9), 1879-1890. Raskin, R., & Hall, C. S. (1979). A narcissistic personality inventory. Psychological Reports, 45(2), 590-590. Wood, R. (2022). A Study of Malignant Narcissism: Personal and Professional Insights. Routledge
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.