“Sim, Dr., eu sempre gostei de mostrar o meu pênis para crianças… Isso desde os meus 14 anos de idade. Nunca fui pego pela polícia, mesmo tendo me exposto para mais de mil crianças. Até que a minha esposa me viu e falou para os familiares. Assim, tive que buscar tratamento para parar com esse comportamento delicioso. Eu me excitava demais. Acho que é de família. Lembro-me de que meus pais me contaram que meu avô mexia com crianças…, mas não sei direito…”
(Anônimo)
Excerto – A Justificativa Familiar
Uma análise dialógica desse discurso revela um complexo entrelaçamento de vozes sociais, contradições internas e estratégias de justificativa que merecem atenção. O falante inicia com uma aparente admissão de culpa (“Sim, Dr.”), sugerindo um diálogo com uma figura de autoridade, como um terapeuta ou juiz, mas rapidamente o tom se transforma em uma narrativa quase orgulhosa, marcada por expressões como “comportamento delicioso” e “me excitava demais”. Essa contradição entre a voz da confissão e a voz do prazer revela uma tensão dialógica entre o discurso socialmente aceito (que condena tal comportamento) e uma tentativa de normalizar o ato, como se fosse um traço familiar (“Acho que é de família”).
A menção ao avô introduz outra voz no discurso, a da suposta herança familiar, que serve como estratégia para diluir a responsabilidade individual. No entanto, a frase “não sei direito…” demonstra uma ambiguidade calculada, como se o falante oscilasse entre o desejo de justificar-se e o reconhecimento da gravidade dos atos. A fala da esposa, citada indiretamente (“minha esposa me viu e falou para os familiares”), representa a voz da moralidade social que força o sujeito a buscar tratamento, mas mesmo esse elemento é minimizado pela ênfase no prazer e na impunidade (“Nunca fui pego pela polícia”).
O discurso é, portanto, polifônico: nele coexistem a voz da lei, a voz do desejo, a voz da família e a voz da justificativa, sem que nenhuma delas alcance completa dominância. A falta de remorso explícito e a naturalização da violência criam um efeito perturbador, evidenciando como o falante se coloca em diálogo com normas sociais que ele simultaneamente reconhece e subverte. A análise revela não apenas uma mente que tenta racionalizar o inaceitável, mas também como a linguagem pode ser usada para construir realidades alternativas onde o crime é reinterpretado como prazer ou destino hereditário.
Introdução
O diagnóstico e a avaliação do Transtorno Pedofílico são processos intricados que envolvem uma combinação de métodos clínicos, psicológicos e neurobiológicos, visando a identificar padrões de atração sexual por crianças pré-púberes e diferenciá-los de outras condições ou comportamentos. A pedofilia, conforme definida pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (5ª ed.; DSM-5; American Psychiatric Association [APA], 2013), é caracterizada por fantasias, impulsos ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos envolvendo crianças menores de 13 anos, persistindo por pelo menos seis meses e causando sofrimento significativo ou prejuízo funcional. No entanto, é crucial distinguir entre a pedofilia como uma preferência sexual e o Transtorno Pedofílico, que inclui critérios adicionais de sofrimento ou comportamento prejudicial (Seto, 2009).
A avaliação começa com uma entrevista clínica detalhada, na qual o profissional explora a história sexual do indivíduo, incluindo fantasias, impulsos e comportamentos. A colaboração do paciente é essencial, pois muitos podem relutar em admitir as suas preferências devido ao estigma social e às consequências legais (Schaefer et al., 2010). Em casos em que há envolvimento judicial, como em autores de ofensa sexual contra crianças, a veracidade das informações pode ser ainda mais difícil de ser obtida, exigindo técnicas adicionais para confirmar ou descartar a presença da pedofilia (Blanchard et al., 2001).
Entre os métodos objetivos de avaliação, a penile plethysmography (PPG) ou falometria é considerada o “padrão-ouro” (Freund, 1963). Esse procedimento mede a resposta genital a estímulos visuais ou auditivos de diferentes faixas etárias, permitindo identificar preferências sexuais. A PPG pode ser realizada de forma circunferencial (medindo mudanças no perímetro peniano) ou volumétrica (avaliando o volume de ar deslocado durante a ereção) (Bancroft et al., 1966). Embora eficaz, a PPG enfrenta críticas por questões éticas e pela possibilidade de os indivíduos manipularem os resultados (Kuban et al., 1999). Além disso, a sua aplicação é limitada a contextos específicos, como instituições forenses.
Outras técnicas incluem paradigmas de tempo de visualização, que avaliam o tempo gasto pelo indivíduo observando imagens de crianças versus adultos, assumindo que há um interesse maior por estímulos sexualmente relevantes (Abel et al., 1998). Testes implícitos, como o Stroop Pictórico, também são utilizados para detectar associações automáticas entre crianças e conteúdo sexual, minimizando a influência de respostas socialmente desejáveis (Ciardha & Gormley, 2012). Recentemente, métodos de rastreamento ocular (eye tracking) e dilatação pupilar têm sido explorados, com resultados promissores na identificação de preferências pedofílicas, embora ainda necessitem de validação em amostras maiores (Fromberger et al., 2012a).
O eye tracking, ou rastreamento ocular, tem sido estudado como uma ferramenta promissora para avaliar padrões atencionais em indivíduos com pedofilia. Esta técnica consiste em medir os movimentos dos olhos enquanto a pessoa visualiza diferentes estímulos, permitindo identificar preferências de forma indireta e menos suscetível a manipulação consciente do que métodos baseados em autorrelatos. Os principais parâmetros analisados incluem a duração das fixações oculares, a velocidade de movimentação entre pontos de interesse e alterações no tamanho da pupila, que podem indicar respostas emocionais ou de excitação. Na aplicação prática para avaliação de pedofilia, os estudos geralmente utilizam paradigmas experimentais específicos. Um dos mais comuns apresenta simultaneamente imagens de adultos e crianças, registrando para quais estímulos os olhos se dirigem primeiro e por quanto tempo permanecem fixados. Pesquisas demonstram que indivíduos com interesse sexual por crianças tendem a apresentar fixações mais rápidas e prolongadas em figuras infantis, mesmo quando instruídos a evitar esse comportamento. Outra abordagem envolve tarefas cognitivas que exigem concentração, nas quais imagens de crianças são apresentadas como distratores – nesses casos, os padrões oculares podem revelar dificuldade em inibir a atenção para esses estímulos. As vantagens do eye tracking incluem seu caráter não invasivo em comparação com métodos como a penile plethysmography, além da dificuldade em falsificar os resultados devido ao caráter automático das respostas oculares. Estudos indicam que a técnica pode alcançar altos índices de precisão na discriminação entre indivíduos com e sem interesse pedófilo, com sensibilidade em torno de 86% e especificidade de 90% em algumas amostras. Além disso, o método mostra potencial para aplicação no monitoramento de respostas às intervenções terapêuticas, permitindo avaliar mudanças nos padrões atencionais ao longo do tratamento. Entretanto, importantes limitações devem ser consideradas. O eye tracking não constitui um método diagnóstico isolado, pois padrões atencionais atípicos podem estar associados a outros fatores além do interesse sexual, como curiosidade ou mesmo aversão. A falta de padronização nos protocolos experimentais entre diferentes estudos também dificulta a comparação direta de resultados. Questões éticas adicionais surgem quanto ao risco de falsos positivos e à potencial estigmatização de indivíduos identificados por esses métodos. Apesar desses desafios, o eye tracking representa uma abordagem complementar valiosa no campo da avaliação forense e clínica, especialmente quando integrado a outras medidas neuropsicológicas e fisiológicas. Pesquisas futuras devem focar na validação de protocolos em amostras maiores e mais diversificadas, além de explorar seu potencial para aplicações terapêuticas e de prevenção.
Avanços na neurociência têm realmente incorporado técnicas de imagem cerebral, como ressonância magnética funcional (fMRI), para identificar padrões de ativação neural específicos em resposta a estímulos sexuais (Ponseti et al., 2012). Estudos demonstram que indivíduos pedófilos exibem padrões de ativação distintos em regiões como o córtex pré-frontal, a amígdala e o hipotálamo, áreas associadas ao controle inibitório, processamento emocional e excitação sexual (Schiffer et al., 2007). A classificação por padrões de ativação cerebral tem mostrado alta precisão na diferenciação entre pedófilos e não pedófilos, oferecendo uma ferramenta potencialmente objetiva para o diagnóstico (Ponseti et al., 2012).
Além disso, a avaliação neuropsicológica é fundamental para identificar déficits cognitivos, como prejuízos em funções executivas, memória e velocidade de processamento, que podem estar associados ao Transtorno Pedofílico (Suchy et al., 2009). Comorbidades psiquiátricas, como transtornos de personalidade, ansiedade e depressão, também são frequentes e devem ser cuidadosamente investigadas, pois podem influenciar o comportamento e o tratamento (Kruger & Schiffer, 2011).
Apesar dos progressos, desafios persistem, como a heterogeneidade das amostras (incluindo diferenças entre pedófilos ofensores e não ofensores) e a necessidade de métodos menos invasivos e mais acessíveis (Mohnke et al., 2014). A integração de abordagens multidisciplinares, combinando avaliações clínicas, psicológicas e neurobiológicas, é essencial para um diagnóstico preciso e para o desenvolvimento de intervenções eficazes. O objetivo final é não apenas entender a pedofilia, mas também prevenir o abuso sexual infantil e oferecer suporte adequado aos indivíduos que buscam ajuda (Beier et al., 2009).
A Pedofilia como um Transtorno do Neurodesenvolvimento
A pedofilia tem sido objeto de estudo em diversas áreas, incluindo a psicologia, a psiquiatria e as neurociências. Recentemente, pesquisas têm sugerido que a pedofilia pode estar associada a alterações neurobiológicas e do neurodesenvolvimento, indicando que esse transtorno pode ter bases biológicas significativas. Essa perspectiva desafia a visão tradicional que atribui a pedofilia exclusivamente a fatores psicológicos ou ambientais, como abuso sexual na infância ou problemas de personalidade (Tenbergen et al., 2015).
Estudos de neuroimagem estrutural e funcional têm revelado diferenças significativas no cérebro de indivíduos pedófilos em comparação com grupos controle. Por exemplo, reduções no volume de matéria cinzenta em regiões como o córtex orbitofrontal, a ínsula e o estriado ventral foram observadas em pedófilos, sugerindo possíveis disfunções em áreas relacionadas ao controle de impulsos e à regulação emocional (Schiffer et al., 2007). Além disso, alterações na amígdala, uma estrutura crucial para o processamento de emoções e respostas a estímulos sociais, também foram reportadas, indicando uma possível desregulação nos circuitos neurais envolvidos na atração sexual (Schiltz et al., 2007). Essas descobertas apoiam a hipótese de que a pedofilia pode ser entendida como um transtorno do neurodesenvolvimento, no qual anomalias na organização cerebral durante fases precoces do desenvolvimento podem contribuir para a manifestação do transtorno.
A teoria do neurodesenvolvimento também é corroborada por evidências de marcadores físicos e cognitivos. Indivíduos pedófilos apresentam taxas mais altas de canhotismo e uma maior incidência de lesões cerebrais antes dos 13 anos, fatores que estão associados a perturbações no desenvolvimento neurológico (Blanchard et al., 2003). Além disso, estudos indicam que pedófilos tendem a ter QI mais baixo e menor estatura em comparação com a população geral, características que podem refletir alterações no desenvolvimento pré-natal ou infantil (Cantor et al., 2005). Esses achados sugerem que a pedofilia pode estar ligada a uma trajetória de desenvolvimento atípica, possivelmente influenciada por fatores genéticos e epigenéticos.
A epigenética, que estuda como fatores ambientais podem modular a expressão gênica sem alterar a sequência de DNA, tem emergido como uma área promissora para entender a pedofilia. Alterações epigenéticas decorrentes de experiências adversas na infância, como estresse ou exposição a hormônios pré-natais, podem afetar o desenvolvimento de circuitos cerebrais envolvidos na sexualidade e no comportamento social (Tenbergen et al., 2015). Embora ainda não haja estudos conclusivos sobre marcadores epigenéticos específicos para a pedofilia, a interação entre predisposição genética e ambiente pode desempenhar um papel crucial na etiologia do transtorno.
Apesar desses avanços, desafios metodológicos persistem, como a heterogeneidade das amostras de estudo, que frequentemente incluem indivíduos com histórico de crimes sexuais, tornando difícil distinguir entre características associadas à pedofilia e aquelas relacionadas ao comportamento criminoso. Além disso, a estigmatização social do transtorno dificulta o recrutamento de participantes não ofensores para pesquisas, limitando a generalização dos resultados (Mohnke et al., 2014).
De qualquer forma, a pedofilia pode ser compreendida como um transtorno do neurodesenvolvimento com bases biológicas significativas, envolvendo alterações estruturais e funcionais no cérebro, bem como fatores genéticos e epigenéticos. Essa perspectiva não apenas amplia a compreensão do transtorno, mas também pode orientar abordagens terapêuticas mais eficazes, focadas em intervenções precoces e no manejo dos aspectos neurobiológicos subjacentes. No entanto, pesquisas futuras devem adotar desenhos mais rigorosos e inclusivos para elucidar completamente os mecanismos envolvidos e desenvolver estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes.
Biomarcadores para a Pedofilia: Uma Questão nada pacífica
A pedofilia e o transtorno pedofílico são temas sensíveis que também envolvem questões éticas e legais. A busca por biomarcadores para identificar ou prever essas condições tem ganhado atenção na pesquisa científica. Biomarcadores são características mensuráveis que podem indicar processos biológicos normais, patológicos ou respostas a intervenções terapêuticas (Atkinson et al., 2001). No contexto da pedofilia, a identificação de biomarcadores poderia auxiliar no diagnóstico, avaliação de risco e tratamento, mas também levanta preocupações éticas significativas, como o potencial para estigmatização e uso inadequado dessas informações (Jordan et al., 2020).
Atualmente, não existem biomarcadores validados e clinicamente aplicáveis para diagnosticar pedofilia ou transtorno pedofílico. No entanto, pesquisas recentes exploraram diversas abordagens, incluindo neuroimagem, genética, hormônios e medidas psicofisiológicas. Por exemplo, estudos de ressonância magnética funcional (fMRI) identificaram diferenças na ativação cerebral de indivíduos pedófilos em resposta a estímulos sexuais, particularmente em regiões como o córtex pré-frontal e o sistema límbico (Schiffer et al., 2008; Cantor et al., 2016). Essas descobertas sugerem que a pedofilia pode estar associada a padrões distintos de processamento neural, mas ainda não são suficientemente específicas ou sensíveis para servir como biomarcadores diagnósticos.
Outra linha de investigação envolve a genética e fatores pré-natais. Alguns estudos apontam para influências genéticas modestas e alterações epigenéticas relacionadas ao sistema androgênico, como polimorfismos no gene do receptor de andrógenos (Krüger et al., 2019). Além disso, anomalias físicas menores (MPAs) e medidas de lateralidade (como preferência manual) foram associadas à pedofilia, embora essas correlações sejam fracas e não exclusivas dessa condição (Dyshniku et al., 2015; Fazio et al., 2014). Esses achados reforçam a hipótese de que a pedofilia tem bases neurodesenvolvimentais, mas ainda não fornecem marcadores confiáveis para uso clínico.
Métodos psicofisiológicos, como a penile plethysmography (PPG) e o rastreamento ocular (eye tracking), têm sido utilizados para avaliar o interesse sexual em crianças. A PPG, embora considerada o “padrão ouro” em alguns contextos, é invasiva e sujeita a críticas éticas e metodológicas (Marshall, 2014). Já o rastreamento ocular demonstrou potencial para discriminar indivíduos pedófilos com alta precisão, mas sua susceptibilidade a manipulação e a necessidade de replicação em amostras maiores limitam sua aplicação atual (Fromberger et al., 2012; Jordan et al., 2018).
A avaliação do controle inibitório, por meio de tarefas cognitivas e neuroimagem, também tem sido explorada como um possível biomarcador para risco de ofensa sexual. Indivíduos que cometem abuso sexual contra crianças podem apresentar déficits no controle inibitório, refletidos em alterações na conectividade fronto-límbica (Kärgel et al., 2015; Kneer et al., 2019). No entanto, essas alterações não são específicas da pedofilia, sendo observadas em outros transtornos comportamentais, o que reduz sua utilidade como biomarcadores exclusivos.
Questões éticas são centrais nessa discussão. A identificação de biomarcadores para pedofilia pode levar à estigmatização e ao uso inadequado em contextos forenses ou legais (Singh & Rose, 2009). Além disso, a distinção entre interesse sexual e comportamento ofensivo é crucial, pois nem todos os indivíduos com pedofilia cometem crimes sexuais (Seto, 2009). Portanto, qualquer avanço nessa área deve ser acompanhado por diretrizes éticas robustas para proteger os direitos individuais e evitar danos.
Embora pesquisas recentes tenham avançado na compreensão das bases neurobiológicas da pedofilia, ainda não existem biomarcadores validados para diagnóstico ou avaliação de risco. Abordagens multimodais, que combinam neuroimagem, medidas psicofisiológicas e comportamentais, parecem ser as mais promissoras para o futuro (Jordan et al., 2020). No entanto, é essencial equilibrar o potencial científico com as implicações éticas, garantindo que qualquer aplicação clínica seja feita com cuidado e responsabilidade. A colaboração interdisciplinar e a padronização de métodos são passos importantes para avançar nesse campo desafiador.
A Pedofilia e o Genograma
Apesar de multifatorial, o genograma de alguns portadores de pedofilia tem chamado a atenção de clínicos e pesquisadores ao redor do mundo. Um estudo pioneiro de Labelle et al. (2012), intitulado “Familial Paraphilia: A Pilot Study with the Construction of Genograms“, investigou a possível agregação familiar da pedofilia por meio da construção de genogramas, oferecendo insights valiosos sobre a transmissão potencialmente genética ou ambiental desse comportamento.
O estudo de Labelle et al. (2012) analisou cinco famílias com histórico de parafilias, incluindo pedofilia, e construiu genogramas para mapear a ocorrência desses comportamentos ao longo das gerações. Os resultados revelaram uma agregação significativa de pedofilia em parentes de primeiro e segundo graus, sugerindo uma possível predisposição familiar. Por exemplo, em uma das famílias estudadas, a pedofilia foi identificada em três membros de uma mesma geração, com variações entre pedofilia heterossexual e homossexual, além de comportamentos sádicos associados (Labelle et al., 2012). Esses achados corroboram a antiga hipótese de Gaffney et al. (1984), que também observaram padrões familiares específicos para a pedofilia, destacando a necessidade de investigar mecanismos de transmissão biológica ou psicossocial.
A construção de genogramas permitiu visualizar não apenas a presença de pedofilia, mas também comorbidades psiquiátricas e condições médicas que poderiam estar relacionadas. Por exemplo, em algumas famílias, condições como deficiência intelectual, transtornos de personalidade antissocial e abuso de substâncias foram frequentes entre os membros afetados (Labelle et al., 2012). Isso sugere que a pedofilia pode estar inserida em um espectro mais amplo de disfunções neuropsicológicas e comportamentais, possivelmente ligadas a anomalias cerebrais ou desregulações hormonais. Estudos anteriores já haviam apontado alterações no eixo hipotálamo-hipófise-gonadal em indivíduos com pedofilia, como respostas exacerbadas de hormônio luteinizante (LH) a estímulos específicos (Gaffney & Berlin, 1984; Bain et al., 1988).
Além disso, o estudo destacou a heterogeneidade fenotípica da pedofilia, com manifestações variadas, como sadismo sexual e comportamentos hipersexuais concomitantes, que podem compartilhar bases etiológicas comuns (Labelle et al., 2012). Essa complexidade fenotípica dificulta a identificação de um padrão único de herança genética, mas abre caminho para a hipótese de um espectro de transtornos relacionados, influenciados por fatores ambientais e epigenéticos. Por exemplo, a presença de “portadores” assintomáticos ou com comportamentos menos graves (como múltiplos relacionamentos afetivos) em algumas famílias sugeriria penetrância incompleta ou modulação ambiental (Labelle et al., 2012).
Apesar desses avanços, o estudo de Labelle et al. (2012) reconhece limitações metodológicas, como viés de seleção (famílias com múltiplos casos são mais propensas a participar) e subnotificação devido ao sigilo e estigma associados ao transtorno. Além disso, a confiabilidade dos relatos de comportamentos parafílicos em parentes pode ser questionável, já que muitos casos não são formalmente diagnosticados. Esses desafios ressaltam a necessidade de pesquisas futuras com amostras maiores e métodos mais robustos, como estudos de genética molecular ou análises de gêmeos, para elucidar os mecanismos subjacentes à agregação familiar.
O uso de genogramas no estudo da pedofilia também consiste em uma ferramenta valiosa para explorar padrões familiares e hipóteses etiológicas. Embora os resultados sugiram uma possível contribuição genética, a interação com fatores ambientais, como histórico de abuso infantil ou disfunção familiar, não pode ser descartada (Labelle et al., 2012). Futuras pesquisas devem buscar integrar abordagens biológicas e psicossociais para um entendimento mais global desse transtorno, visando melhorar estratégias de prevenção e intervenção.
Pedofilia, Fatores Pré-Natais e os Receptores Androgênicos
A pedofilia, entendida como uma atração sexual primária ou exclusiva por crianças pré-púberes, tem sido alvo de diferentes tipos de estudo, principalmente de 2007 para cá. Entre os fatores estudados, destacam-se as influências pré-natais, particularmente aquelas relacionadas à exposição androgênica durante o desenvolvimento fetal, e a regulação dos receptores androgênicos, que desempenham um papel crucial na diferenciação sexual do cérebro e no comportamento (Krüger et al., 2019). Estudos recentes sugerem que alterações no sistema androgênico, incluindo variações genéticas e epigenéticas, podem estar associadas não apenas à pedofilia, mas também ao comportamento de ofensa sexual contra crianças (Jordan et al., 2020).
Durante o desenvolvimento fetal, os andrógenos, como a testosterona, exercem efeitos organizacionais no cérebro, influenciando a diferenciação de circuitos neurais relacionados ao comportamento sexual e à regulação emocional (Bao & Swaab, 2011). Um dos marcadores indiretos dessa exposição é a razão entre os dedos indicador e anelar (2D:4D), que tem sido associada a níveis pré-natais de testosterona. Indivíduos com uma razão 2D:4D menor (indicando maior exposição androgênica fetal) apresentam maior probabilidade de desenvolver características associadas a comportamentos externalizantes, incluindo agressividade e impulsividade (Kornhuber et al., 2011; Lenz et al., 2016).
No estudo de Krüger et al. (2019), ofensores sexuais de crianças (independentemente de terem ou não pedofilia) exibiram uma razão 2D:4D significativamente menor em comparação com não ofensores, sugerindo que uma maior exposição androgênica pré-natal pode estar ligada a um aumento no risco de comportamentos sexuais ofensivos. Além disso, essa associação foi correlacionada com o número total de ofensas sexuais, indicando que fatores pré-natais podem influenciar não apenas a predisposição, mas também a gravidade do comportamento delituoso.
Receptores Androgênicos e Regulação Epigenética
O receptor androgênico (RA) é codificado por um gene no cromossomo X, e sua atividade é modulada pelo comprimento de repetições de trinucleotídeos CAG (citosina-adenina-guanina) em sua região regulatória. Repetições mais curtas estão associadas a uma maior eficiência na transcrição do RA, potencialmente amplificando os efeitos da testosterona (Chamberlain et al., 1994). Estudos anteriores vinculam repetições CAG mais curtas a comportamentos agressivos e criminais violentos (Cheng et al., 2008; Rajender et al., 2008).
No entanto, Krüger et al. (2019) observaram que ofensores sexuais de crianças apresentavam níveis mais elevados de metilação do gene do RA — um mecanismo epigenético que reduz sua expressão. Curiosamente, essa hiper metilação foi mais pronunciada em indivíduos com repetições CAG mais curtas, sugerindo uma tentativa do organismo de compensar uma maior sensibilidade androgênica. Essa desregulação epigenética pode estar ligada a dificuldades em modular impulsos agressivos ou sexuais, aumentando o risco de ofensas.
Interação entre Fatores Pré-Natais e Ambientais
Embora a exposição androgênica pré-natal e as variações no RA possam predispor a certos comportamentos, fatores ambientais, como trauma na infância e negligência, também desempenham um papel significativo. Ofensores sexuais de crianças no estudo de Krüger et al. (2019) relataram níveis mais altos de experiências traumáticas na infância, o que pode interagir com vulnerabilidades biológicas para aumentar a probabilidade de comportamentos abusivos.
Todos esses achados sugerem que a pedofilia e o comportamento de ofensa sexual contra crianças podem estar enraizados em uma combinação de fatores pré-natais (como a exposição androgênica), genéticos (comprimento das repetições CAG no RA) e epigenéticos (metilação do gene do RA). No entanto, é importante ressaltar que nenhum desses marcadores é específico para pedofilia ou crime sexual — eles também são observados em outros transtornos externalizantes, como agressividade e impulsividade (Tutanovic et al., 2017).
Além disso, estudos transversais como o de Krüger et al. (2019) não podem estabelecer causalidade. A exposição androgênica pré-natal pode predispor a traços de personalidade que, em conjunto com fatores psicossociais, aumentam o risco de ofensas sexuais, mas não determinam diretamente a pedofilia.
Esta seção do capítulo aponta para uma interação complexa entre fatores pré-natais, genética e ambiente na etiologia da pedofilia e do abuso sexual infantil. Embora marcadores como a razão 2D:4D e a metilação do RA ofereçam insights valiosos, eles não são diagnósticos e devem ser interpretados com cautela. Futuros estudos longitudinais e integrativos, combinando neuroimagem, genética e avaliações comportamentais, são necessários para esclarecer como esses mecanismos biológicos se traduzem em risco clínico e como podem ser alvos de intervenções preventivas.
Outros Genes Potencialmente Relacionados
Embora os estudos sobre a genética da pedofilia sejam limitados e controversos, pesquisas recentes sugerem que variantes genéticas relacionadas a hormônios, neurotransmissores e desenvolvimento cerebral podem estar associadas a comportamentos pedofílicos. Esses achados, no entanto, devem ser interpretados com cautela devido à complexidade do fenótipo e à interação entre fatores biológicos, psicológicos e ambientais.
Genes Hormonais e Pedofilia
Estudos exploratórios têm investigado a relação entre genes envolvidos na regulação hormonal e a pedofilia. Por exemplo, Alanko et al. (2016) analisaram polimorfismos de nucleotídeo simples (SNPs) em genes associados a andrógenos, estrogênios e prolactina em uma amostra de 1.672 homens. Embora nenhuma associação tenha permanecido significativa após correção para múltiplos testes, os autores observaram associações preliminares entre pedofilia e variantes no gene SRD5A2(que codifica a enzima 5-alfa-redutase, envolvida no metabolismo da testosterona) e no receptor de estrogênio (ESR1). Esses achados sugerem que disfunções no eixo hipotálamo-hipófise-gonadal podem modular a expressão de preferências sexuais atípicas, embora os efeitos sejam pequenos e necessitem de replicação (Alanko et al., 2016).
Outro estudo destacou o papel do gene MAOA (monoamina oxidase A), que regula a degradação de neurotransmissores como a serotonina e a dopamina. Briken et al. (2006) relataram uma maior prevalência da variante MAOA-L (associada a menor atividade enzimática) em indivíduos com comportamentos sexualmente agressivos, incluindo pedofilia. Essa variante já foi vinculada a comportamentos impulsivos e agressivos em contextos de estresse, o que pode contribuir para atos criminais (Briken et al., 2006). No entanto, a generalização desses achados é limitada pela heterogeneidade das amostras e pela falta de estudos controlados.
Neurotransmissores e Sistema de Recompensa
Genes relacionados ao sistema serotoninérgico também têm sido investigados. Alanko et al. (2016) identificaram SNPs nos genes HTR1B e HTR3B (receptores de serotonina) como potencialmente associados à pedofilia. A serotonina está envolvida no controle de impulsos e na regulação do humor, e a sua desregulação pode estar ligada a comportamentos compulsivos ou parafílicos. Além disso, variantes no gene OXTR (receptor de ocitocina) foram preliminarmente associadas à pedofilia, sugerindo que disfunções no sistema de vinculação social e empatia possam desempenhar um papel (Alanko et al., 2016).
O sistema dopaminérgico, crucial para a motivação e o prazer, também foi explorado. Estudos em outras parafilias, como o transtorno hipersexual, apontam para alterações nos genes DRD1 e DRD2 (receptores de dopamina), que poderiam estar envolvidas na busca por estímulos sexuais atípicos (Alanko et al., 2016). No entanto, faltam evidências diretas que liguem essas variantes à pedofilia especificamente.
Genes de Desenvolvimento Cerebral
Alterações em genes que regulam o desenvolvimento cerebral, como aqueles envolvidos na migração neuronal ou na conectividade sináptica, também foram hipotetizadas como fatores de risco. Por exemplo, Casanova et al. (2002) relataram atrofia hipocampal em indivíduos com parafilias, sugerindo que anomalias neurodesenvolvimentais possam estar envolvidas. Além disso, estudos sobre lateralidade cerebral (como o aumento de canhotos em pedófilos) indicam que alterações na organização cerebral podem influenciar preferências sexuais (Cantor et al., 2005).
Apesar desses achados, é essencial destacar as limitações desses estudos. A maioria das associações genéticas identificadas tem efeitos pequenos e não é específica para pedofilia, podendo estar relacionada a traços mais amplos, como impulsividade ou agressividade. Além disso, fatores ambientais (como abuso na infância) e epigenéticos desempenham um papel crucial na manifestação do comportamento (Labelle et al., 2012). A falta de replicação em amostras independentes e a dificuldade em definir fenótipos precisos (como diferenciar pedofilia de outros transtornos parafílicos) também desafiam a validade dos resultados.
As pesquisas genéticas sobre pedofilia levantam questões éticas complexas. Embora a identificação de marcadores biológicos possa auxiliar na compreensão e no tratamento do transtorno, há riscos de estigmatização e uso inadequado dessas informações em contextos forenses. Por exemplo, em alguns casos judiciais, argumentos genéticos já foram usados para atenuar ou agravar sentenças, como no caso italiano em que uma variante do MAOA foi citada para reduzir a pena de um réu (de Kogel & Westgeest, 2015). No entanto, especialistas alertam que a presença de uma variante genética não deve ser equiparada à diminuição da responsabilidade criminal sem evidências claras de comprometimento neurofuncional (Morse, 2011).
Embora estudos preliminares sugiram que genes relacionados a hormônios, neurotransmissores e desenvolvimento cerebral possam estar envolvidos na pedofilia, as evidências atuais são insuficientes para estabelecer relações causais. A interação entre predisposição genética, ambiente e desenvolvimento psicológico é complexa e ainda pouco compreendida. Pesquisas futuras devem adotar desenhos rigorosos, como estudos de genoma completo (GWAS) e análises epigenéticas, para elucidar melhor esses mecanismos. Paralelamente, é crucial desenvolver diretrizes éticas para o uso responsável dessas informações tanto em contextos clínicos quanto legais.
Genes e Variantes Genéticas: Um Contraponto
A investigação sobre a influência de fatores genéticos em comportamentos complexos, como os relacionados a parafilias e crimes sexuais, tem sido alvo de debates acalorados na comunidade científica. O estudo de Jakubczyk et al. (2017) oferece um contraponto relevante às hipóteses que sugerem uma forte associação entre variantes genéticas e comportamentos criminais sexuais. A pesquisa analisou polimorfismos em genes associados aos sistemas dopaminérgico e serotoninérgico em um grupo de ofensores sexuais parafílicos e não encontrou diferenças significativas na distribuição de genótipos ou alelos quando comparados a um grupo controle. Esses resultados desafiam a noção de que predisposições genéticas são determinantes primários para tais comportamentos, destacando a complexidade da interação entre biologia, ambiente e psicologia.
O estudo focou em polimorfismos funcionais de genes como DRD1, DRD2, DRD4, COMT, DAT, SLC6A4, 5HTR2A, TPH2, MAOA e BDNF, todos previamente associados a controle comportamental, funções sexuais e comportamentos aditivos. A escolha desses genes baseou-se em teorias que vinculam desregulações nos sistemas de dopamina e serotonina à impulsividade, à busca por recompensa e aos comportamentos parafílicos. No entanto, a ausência de associações significativas sugere que outros fatores, como experiências traumáticas na infância, condições socioeconômicas desfavoráveis e dinâmicas familiares, podem desempenhar papéis mais críticos (Jakubczyk et al., 2017). Essa perspectiva é reforçada pelas diferenças observadas entre os grupos no estudo: ofensores sexuais apresentaram maior prevalência de abuso sexual na infância, menor nível educacional e pior situação econômica em comparação ao grupo controle.
A discussão sobre a hereditariedade de comportamentos criminais sexuais não é nova. Estudos anteriores, como os de Alanko et al. (2013) e Langstrom et al. (2015), sugeriram que fatores genéticos poderiam explicar parte da variância em interesses sexuais atípicos ou comportamentos criminais. No entanto, Jakubczyk et al. (2017) argumentam que tais influências, quando existem, são modestas e devem ser contextualizadas dentro de um quadro multifatorial. Por exemplo, a hipótese de “síndrome de deficiência de recompensa”, que relaciona baixa atividade dopaminérgica a comportamentos aditivos e parafilias, não foi sustentada pelos dados do estudo. Isso ressalta a importância de evitar reducionismos biológicos ao explicar comportamentos tão complexos e socialmente sensíveis.
Além disso, o estudo levanta questões metodológicas desafiadoras. A dificuldade em recrutar amostras grandes e representativas de ofensores sexuais, a heterogeneidade dos diagnósticos de parafilias e a falta de instrumentos padronizados para avaliação são limitações significativas (Jakubczyk et al., 2017). Esses desafios não invalidam os resultados, mas destacam a necessidade de pesquisas com amostras maiores, análises epigenéticas e uma abordagem mais integrativa que considere tanto marcadores biológicos quanto experiências de vida.
O estudo de Jakubczyk et al. (2017) serve como um importante contraponto às narrativas que supervalorizam determinismos genéticos em comportamentos criminais sexuais. Os resultados reforçam a ideia de que a etiologia desses comportamentos é multifatorial, envolvendo uma intrincada rede de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Enquanto a genética pode oferecer insights valiosos, ela não deve ser vista como uma explicação única ou definitiva. Futuras pesquisas devem buscar integrar dados genéticos com variáveis ambientais e psicológicas para um entendimento mais abrangente desses fenômenos complexos.
Pontos aos Contrapontos
A partir deste artigo e da busca preliminar no GeneCards.com, destacam-se como candidatos mais fortes:
MAOA
• Documentação: variante MAOA-L ligada a menor atividade enzimática em ofensores sexuais.
• GeneCards: elevada expressão no córtex pré-frontal e hipocampo; score clínico-funcional alto; envolve degradação de monoaminas.
DRD2
• Documentação: receptor D2 dopaminérgico é chave no sistema de recompensa, embora estudos diretos não tenham sido conclusivos.
• GeneCards: expressão acentuada no estriado e sistema límbico; score moderado-alto; papel na modulação de comportamento social.
SLC6A4
• Documentação: transportador de serotonina (5-HTT), alvo em estudos de impulsividade e controle de impulsos.
• GeneCards: alta expressão em córtex e ínsula; score moderado; implicado em transtornos do humor e regulação emocional.
COMT
• Documentação: metila dopamina, influencia níveis de dopamina no córtex; polimorfismo Val158Met associado a variações funcionais.
• GeneCards: expressão relevante no córtex pré-frontal; score moderado; vinculado a cognição executiva e resposta ao estresse.
Resumo sobre os Genes
Os genes MAOA e DRD2 surgem como os mais promissores, por combinarem evidência bibliográfica (variantes funcionais) e perfil de expressão cerebral relevante. SLC6A4 e COMT complementam como moduladores de sistemas de serotonina e dopamina, respectivamente. Investigações futuras devem integrar análise de variantes funcionais, níveis de expressão tissular (especialmente em regiões de recompensa e controle inibitório) e dados clínicos comportamentais.
Outrossim, embora haja indícios biológicos atraentes, nenhuma das variantes genéticas isoladas explica o comportamento pedofílico per si. Estudos futuros deverão unir genômica de larga escala (GWAS), transcriptômica e caracterização neurofuncional em coortes maiores para elucidar o papel relativo de MAOA, DRD2, SLC6A4, COMT e outros candidatos genéticos.
Discussão
O artigo em análise aborda a complexa etiologia do Transtorno Pedofílico, destacando as bases neurobiológicas e genéticas que podem estar associadas a essa condição. A discussão sobre esse tema é delicada, pois envolve não apenas questões científicas, mas também éticas, legais e sociais. O texto apresenta uma revisão abrangente dos métodos de diagnóstico, das alterações cerebrais e dos possíveis marcadores genéticos, oferecendo uma visão multifatorial do transtorno.
Um dos pontos centrais do artigo é a caracterização da pedofilia como um transtorno do neurodesenvolvimento. Evidências de neuroimagem estrutural e funcional apontam para reduções no volume de matéria cinzenta em regiões como o córtex orbitofrontal, a ínsula e o estriado ventral, além de alterações na amígdala. Essas áreas estão envolvidas no controle de impulsos, regulação emocional e processamento de estímulos sociais, sugerindo que anomalias no desenvolvimento cerebral possam contribuir para a manifestação do transtorno. Além disso, a associação com marcadores físicos, como canhotismo e menor estatura, reforça a hipótese de uma trajetória de desenvolvimento atípica, possivelmente influenciada por fatores genéticos e epigenéticos. Esses achados desafiam a visão tradicional que atribui a pedofilia exclusivamente a fatores psicológicos ou ambientais, como abuso na infância, e destacam a necessidade de abordagens biopsicossociais integradas.
A busca por biomarcadores para o Transtorno Pedofílico é outro tema explorado no artigo. Métodos como a ressonância magnética funcional (fMRI), a penile plethysmography (PPG) e o rastreamento ocular (eye tracking) têm sido utilizados para identificar padrões distintivos em indivíduos pedófilos. Embora promissores, esses métodos enfrentam limitações significativas, como a falta de especificidade, questões éticas e a dificuldade de aplicação em contextos clínicos. A fMRI, por exemplo, revela padrões de ativação cerebral distintos, mas ainda não é suficientemente sensível para servir como um biomarcador diagnóstico isolado. Já a PPG, considerada o “padrão ouro” em alguns contextos, é invasiva e suscetível a manipulação. O eye tracking surge como uma alternativa menos invasiva, com alta precisão na discriminação de preferências sexuais, mas requer validação em amostras maiores. Essas limitações ressaltam a importância de abordagens multimodais, que combinem diferentes técnicas para aumentar a confiabilidade dos resultados.
No campo da genética, o artigo discute a possível contribuição de variantes genéticas relacionadas a hormônios, neurotransmissores e desenvolvimento cerebral. Genes como o MAOA, DRD2, SLC6A4 e COMT são destacados por seu papel em sistemas de recompensa, controle inibitório e regulação emocional. Por exemplo, a variante MAOA-L, associada a menor atividade enzimática, foi vinculada a comportamentos impulsivos e agressivos, que podem estar presentes em alguns indivíduos pedófilos. No entanto, as evidências são preliminares e não conclusivas, com efeitos pequenos e falta de especificidade para a pedofilia. Além disso, o estudo de Jakubczyk et al. (2017) oferece um contraponto relevante, mostrando que fatores ambientais, como trauma na infância e condições socioeconômicas desfavoráveis, podem desempenhar um papel mais crítico do que as predisposições genéticas. Essa complexidade reforça a ideia de que a pedofilia é um fenômeno multifatorial, influenciado pela interação entre biologia, psicologia e ambiente.
A epigenética também é abordada como uma área promissora para entender a pedofilia. Alterações epigenéticas, como a metilação do gene do receptor androgênico (RA), podem modular a expressão gênica em resposta a fatores ambientais, como estresse pré-natal ou experiências adversas na infância. Esses mecanismos podem explicar, em parte, como fatores ambientais interagem com predisposições genéticas para influenciar o comportamento. No entanto, como destacado no artigo, ainda não há marcadores epigenéticos validados para o diagnóstico ou avaliação de risco, e pesquisas futuras são necessárias para elucidar esses processos.
As implicações éticas da pesquisa em pedofilia são outro ponto crucial discutido no artigo. A identificação de biomarcadores genéticos ou neurobiológicos pode levar à estigmatização e ao uso inadequado dessas informações em contextos forenses ou legais. Por exemplo, a presença de uma variante genética não deve ser equiparada à diminuição da responsabilidade criminal sem evidências claras de comprometimento neurofuncional. Além disso, é essencial distinguir entre interesse sexual e comportamento ofensivo, pois nem todos os indivíduos com pedofilia cometem crimes sexuais. Essas questões destacam a necessidade de diretrizes éticas robustas para garantir que os avanços científicos sejam aplicados de forma responsável e justa.
Por fim, o artigo ressalta a importância de pesquisas futuras com desenhos metodológicos mais rigorosos, como estudos longitudinais, análises de genoma completo (GWAS) e abordagens integrativas que combinem dados genéticos, neurobiológicos e ambientais. A padronização de métodos e a colaboração interdisciplinar são essenciais para avançar no entendimento do Transtorno Pedofílico e desenvolver estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes.
Em síntese, o artigo oferece uma visão abrangente e atualizada da neurobiologia e genética da pedofilia, destacando a complexidade do transtorno e os desafios éticos e metodológicos envolvidos em sua investigação. Embora os avanços sejam promissores, ainda há muito a ser explorado para que a ciência possa contribuir de forma significativa para a prevenção do abuso sexual infantil e o apoio aos indivíduos afetados. A abordagem multifatorial e a integração de diferentes áreas do conhecimento são fundamentais para um entendimento mais completo e humanizado desse fenômeno.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.

