“Na Noruega, um homem de 32 anos estuprou seu filho de dois meses e enviou imagens dos abusos para uma rede internacional de pedofilia. O pai admitiu os crimes cometidos em um dos mais aterrorizantes eventos criminais no país. A promotoria pública descreveu como um dos casos de abuso mais graves da história jurídica norueguesa.
O pai foi acusado junto com outros dois homens e duas mulheres de envolvimento em uma rede de pedofilia que filmava os seus próprios filhos em posições ou atos sexuais.
A promotora distrital afirmou: “As pessoas envolvidas têm interesse sexual por crianças muito pequenas. O tribunal de Drammen foi informado de que a polícia começou a rastrear a rede de pedofilia no ano anterior, depois de encontrar imagens repugnantes do estupro no computador de um suposto abusador de crianças…”
(Mailonline News, 03/03/2015)
A pedofilia apareceu pela primeira vez no contexto dos transtornos mentais no final do século XIX, quando foi rotulada como Paedophilia Erótica por Krafft-Ebing (von Kraft-Ebing, 1886). Posteriormente, a Pedofilia foi incluída na nomenclatura diagnóstica do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 2ª edição, em 1968, e continuou a ser definida como um Transtorno Mental nas revisões subsequentes.
A definição diagnóstica mais atual da Pedofilia vem do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição revisada (DSM-5-TR) (APA, 2022). Denominado, agora, de Transtorno Pedofílico, esse diagnóstico denota não apenas o interesse sexual por crianças pré-púberes, mas também a presença de sofrimento significativo, comprometimento interpessoal ou outras dificuldades como resultado desses interesses sexuais. O DSM-5-TR contém uma série de elementos-chave de diagnóstico que estavam presentes de forma semelhante na edição anterior e na revisão do texto do Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM-IV). Dentro desta definição estão várias características cruciais:
1. Fantasias, impulsos ou comportamentos sexualmente excitantes recorrentes e intensos envolvendo crianças pré-púberes
2. Agir de acordo com os impulsos ou experimentar sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo interpessoal
3. Os critérios relacionados ao tempo, incluindo uma duração de pelo menos 6 meses para fantasias, impulsos ou comportamentos e uma idade mínima de 16 anos para o indivíduo em questão, com pelo menos 5 anos de diferença de idade entre o indivíduo e as vítimas de interesse sexual mantêm-se.
Especificadores adicionais incluem preferência pelo sexo biológico da criança (se masculino, feminino e/ou ambos), interesse sexual incestuoso ou não (ou ambos), e se o indivíduo também se sente atraído por adultos (ou não). Embora se note que o interesse sexual envolve uma criança pré-púbere, isto é simplesmente definido como “geralmente 13 anos ou menos”, dado que os sinais da pubescência são fluidos ao longo do desenvolvimento puberal inicial e variam de criança para criança.
Parece que, apesar das variações culturais sobre a idade legal para consumar um casamento, as percepções sobre o desenvolvimento sexual, o interesse e a excitação sexual associados aos bebês e às crianças muito pequenas são quase universalmente percebidos como não convencionais e, ao mesmo tempo, totalmente inadequados.
O desenvolvimento sexual e a idade de início dos interesses sexuais pedofílicos não parecem ser substancialmente diferentes do desenvolvimento sexual ou da idade dos primeiros interesses e experiências sexuais em homens não pedófilos, embora estes indivíduos difiram em termos da natureza dos seus interesses sexuais. É, portanto, provável que os interesses sexuais pedofílicos tenham se manifestado pela primeira vez na adolescência, juntamente com o advento da puberdade. Pesquisas sugerem taxas mais altas de abuso sexual ou trauma sexual nas histórias de adolescentes e de adultos agressores sexuais de crianças do que naqueles agressores sexuais de adultas, talvez implicando alguns distúrbios precoces nas experiências e no desenvolvimento sexual normativo, ou mesmo, um problema do neurodesenvolvimento (Seto, 2008.).
Nas palavras de John Money (Money, 1993), a Pedofilia é uma parafilia estigmática. Como já mencionado em texto anterior neste site, as parafilias estigmáticas e de eligibilidade são aquelas em que o triunfo sexual-erótico é arrancado da tragédia por meio de uma estratégia que incorpora a luxúria pecaminosa no mapa do amor, embora apenas com a condição de que o parceiro seja, como um infiel pagão, inelegível social, moral e juridicamente. Para ser inelegível como um parceiro, nessas parafilias o “parceiro” escolhido deve ser socialmente “estigmatizado”, ou seja, alguém proibido para a concretização de uma união erótica. O critério para a proibição é a idade. Os mapas de amor individuais, embora estejam em conformidade com a tradição social, podem ser extremamente detalhados na especificação de diversas características do parceiro. Existem dois grupos principais de parafilias estigmáticas ou de elegibilidade, ou seja, aquelas que especificam o status morfológico do corpo de um parceiro desejado, as chamadas morfofilias; e aqueles que especificam a faixa etária cronológica de um parceiro desejado, as chamadas cronofilias.
A escolha de parceiros sexuais de acordo com uma idade cronológica equivalente é mais ou menos uma norma social e moral da elegibilidade sexual-erótica. Nas cronofilias, essa norma não se sustenta. Entre os dois parceiros, há uma discrepância na idade cronológica. A idade cronológica não é a única discrepância, no entanto. Frequentemente, se não sempre, há uma discrepância dentro do cronófilo entre a idade cronológica e a idade sexual-erótica. Na literatura clássica, por exemplo, Peter Pan ilustra esse ponto. Imortalizado como o menino que nunca cresceu, ele parece ser o eu sexual-erótico do seu criador, Sr. James Barrie (1860-1937). Outro famoso supostamente apontado por alguns como tendo interesses sexuais por meninas, Charles L. Dodgson (1832-1898), aliás Lewis Carroll, contou histórias em “Através do Espelho” e “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas” para muitas jovens a quem ele se apegou. Algumas delas, com o consentimento das suas mães, foram “fotografadas” nuas por Carroll. As imagens estavam em placas de vidro naquela época. Carroll as tingiu em paisagens ou marinhas pintadas sobre ou atrás de vidros. Barrie e Carrol espelham a discrepância da idade cronológica em um presumido interesse sexual-erótico do indivíduo com Pedofilia.
Ao nomear uma cronofilia, o estágio de desenvolvimento da idade sexual-erótica é comparado com o da idade cronológica. Este último é vagamente assumido como a idade adulta. A idade sexual-erótica pode ser infantil, juvenil ou adolescente.
No interesse da precisão científica, o estágio de desenvolvimento da pessoa mais jovem deve ser reconhecido como infantil, juvenil ou adolescente, e a Pedofilia poderia ser subdividida em Infantofilia (ou Nepiofilia), Pedofilia e Hebefilia.
No mapa do amor pedofílico, a imagem idealizada do parceiro sexual não avança em sincronia com o avanço da sua idade cronológica. Em vez disso, permanece para sempre infantil. Assim, a excitação sexual do indivíduo com Pedofilia por um menino de 5 anos não sobrevive ao avanço cronológico desse menino na adolescência e pós-adolescência. O vazio que se segue no indivíduo com Pedofilia pode ser preenchido apenas com outro pré-púbere. Essa sequência de desenvolvimento não é exclusiva da Pedofilia. Tem sua similitude na efebofilia e, embora não seja amplamente conhecida, na gerontofilia, também.
Em relação às cronofilias pedofílicas, autores têm assim classificado:
Infantofilia (ou Nepiofilia) → Bebês e crianças pequenas até 4 anos
Pedofilia propriamente dita → Crianças pré-púberes, com idades aproximadas entre 5 e 10 anos
Hebefilia → Crianças púberes, com idades aproximadas de 11 e 14 anos (Seto, 2017).
Focaremos, aqui, na Infantofilia (ou Nepiofilia)
Muito pouco se sabe sobre a Nepiofilia (interesse sexual em bebês e em crianças pequenas) além das descrições de alguns adultos agressores sexuais masculinos. Poucos estudos têm comparado agressores sexuais de crianças menores do que 5 anos com aqueles que ofendem crianças maiores do que essa idade. A principal diferença encontrada refere-se à questão da oportunidade, ou seja, os “Infantófilos” são muito mais amiúde os cuidadores das vítimas do que os “Pedófilos” propriamente ditos, de acordo com a classificação das cronofilias. Quanto à produção pornográfica infantil, também parece que crianças menores do que 5 anos estão presentes em menor frequência do que aquelas maiores (Finkelhor, Ormrod, & Chaffin, 2009). Apenas 1% de uma amostra de 286 infratores por consumir pornografia infantil tinha imagens dessas crianças (menores de 5 anos), em comparação a um terço com imagens de crianças pré-púberes e 20% com imagens de crianças púberes (Seto & Eke, 2015). Em outro estudo, 1–2% das mais de 24.000 imagens de pornografia infantil de um grande banco de dados policial retratou crianças muito pequenas parecendo ser bebês ou crianças menores de 5 anos de idade (Quayle & Jones, 2011).
Apesar de dados como os mencionados, as ações preventivas, de contenção, de tratamento e de coibição dos comportamentos sexualmente inadequados e violentos contra crianças ainda estão muito aquém do necessário. As denúncias ainda não correspondem ao que de fato está ocorrendo nas casas, nas comunidades, nas cidades. As denúncias são essenciais para que a Lei possa ter o seu efeito. O tratamento para aqueles que de fato padecem da Nepiofilia, Pedofilia, Hebefilia (de acordo com a classificação das cronofilias) deve ser disponibilizado pelo Estado. Até onde chegaremos?
Referências American Psychiatric Association (APA). (2022). DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS- FIFTH EDITION (DSM-5-TR). Washington: American Psychiatric Association Publishing. Finkelhor, D., Ormrod, R., & Chaffin, M. (2009). Juveniles who commit sex offenses against minors. Juvenile Justice Bulletin. Washington: Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention. Money, J. (1993). Lovemaps. Clinical Concepts of Sexual/Erotic Health and Pathology, Paraphilia, and Gender Transposition in Childhood, Adolescence, and Maturity. New York: Irvington Publishers. Quayle, E., & Jones, T. (2011). Sexualized images of children on the Internet. Sex Abuse, 23(1), 7-21. Seto, M. C. (2008.). Pedophilia and Sexual Offending against Children. Theory, Assessment and Intervention. Washington: American Psychological Association Press. Seto, M. C. (2017). The Puzzle of Male Chronophilias: Response to Commentaries. Arch Sex Behav, 46(1), 53-58. Seto, M. C., & Eke, A. W. (2015). Predicting recidivism among adult male child pornography offenders: Development of the Child Pornography Offender Risk Tool (CPORT). Law Hum Behav, 39(4), 416-429. von Kraft-Ebing, R. (1886). Psychopathia Sexualis with special reference to the Antipathic Sexual Instinct: A Medico-Forensic Study. New York: Rebman Company.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.