“Dr., eu gostaria de ser forte e musculoso. Isso atrairia muitas mulheres, mas eu não sou. Porém, elas gostam daqueles que passam o dia todo nas academias. Tenho raiva delas. E não só eu… no meu quarto, passando horas e dias diante da tela do computador, percebi que outras pessoas eram como eu e sentiam a mesma raiva. Em um grupo da plataforma Y, começamos a amedrontar meninas, chantageá-las e estuprá-las virtualmente. Essa era a nossa vitória sobre essas prostitutas”
(Anônimo)
Excerto – O Compartilhamento do Ódio
Uma análise do discurso Foucaultiana sobre o trecho fornecido pode ser realizada a partir de vários conceitos-chave como poder, sujeito, discurso, práticas discursivas e relações de poder.
Abaixo, desenvolvo uma análise com base nesses conceitos:
1. Discurso e Poder:
O discurso apresentado revela uma relação de poder que se manifesta através de práticas discursivas e não discursivas. O sujeito que fala expressa uma insatisfação com a sua própria imagem corporal e com a forma como as mulheres o percebem. Ele constrói um discurso que justifica suas ações violentas (amedrontar, chantagear e estuprar virtualmente) como uma forma de “vitória” sobre as mulheres, que ele descreve de maneira depreciativa (“prostitutas”). Aqui, o discurso funciona como um mecanismo de poder, pois ele legitima e justifica ações violentas, ao mesmo tempo em que reforça estereótipos de gênero e hierarquias sociais.
Foucault argumenta que o discurso não é apenas uma expressão de pensamentos ou ideias, mas uma prática que produz efeitos de poder. Nesse caso, o discurso do sujeito produz e reproduz uma visão misógina e violenta, que é compartilhada e reforçada por um grupo online.
2. Sujeito e Subjetivação:
O sujeito que fala se constitui como tal através de um processo de subjetivação. Ele se identifica como alguém que não se encaixa nos padrões de beleza e força física valorizados socialmente, o que gera nele sentimentos de raiva e frustração. Essa raiva é direcionada às mulheres, que ele vê como responsáveis por sua exclusão social e sexual.
Foucault discute como os sujeitos são formados através de práticas discursivas e não discursivas. Nesse caso, o sujeito se constitui como um “fracassado” em relação aos padrões hegemônicos de masculinidade (forte e musculoso) e, em resposta, adota uma identidade de “vingador” que busca compensar sua frustração através da violência virtual. A plataforma Y e o grupo online funcionam como espaços onde essa identidade é reforçada e legitimada.
3. Relações de Poder e Resistência:
O discurso revela uma relação de poder assimétrica entre o sujeito e as mulheres. O sujeito se sente excluído e inferiorizado pelos padrões de beleza e atração que as mulheres supostamente valorizam. Em resposta, ele busca inverter essa relação de poder através da violência virtual, que ele descreve como uma “vitória”.
Foucault argumenta que o poder não é apenas repressivo, mas também produtivo. Ele produz saberes, discursos e práticas. Nesse caso, o poder dos padrões hegemônicos de masculinidade produz no sujeito sentimentos de inadequação e raiva, que são então redirecionados para práticas violentas contra as mulheres. A violência virtual é uma forma de resistência distorcida, na qual o sujeito busca recuperar um senso de poder e controle.
4. Disciplina e Controle:
O discurso também pode ser analisado à luz do conceito de disciplina de Foucault. O sujeito internaliza os padrões de beleza e força física como normas que ele deve seguir para ser aceito e desejado. Quando ele percebe que não consegue atender a essas normas, ele se sente disciplinado e controlado por elas. A violência virtual é uma forma de rebelar-se contra esse controle, mas de uma maneira que reproduz e reforça outras formas de opressão (misoginia, violência de gênero).
Foucault discute como a disciplina funciona através de mecanismos de vigilância e normalização. No caso do sujeito, ele se sente inferiorizado pelas mulheres, o que gera nele um sentimento de inadequação. A violência virtual é uma tentativa de escapar dessa inferiorização, mas de uma forma que perpetua ciclos de violência e opressão.
5. Tecnologias do Eu e da Dominação:
O sujeito utiliza a plataforma Y e o grupo online como tecnologias do eu, onde ele constrói e reforça a sua identidade de “vingador”. Essas tecnologias também funcionam como tecnologias da dominação, pois são usadas para controlar e oprimir as mulheres através do medo e da violência virtual.
Foucault argumenta que as tecnologias do eu são formas pelas quais os indivíduos se constituem como sujeitos. Nesse caso, o sujeito se constitui como um agressor virtual, utilizando a internet como uma ferramenta para exercer poder sobre as mulheres.
6. Normalização e Exclusão:
O discurso revela um processo de normalização, no qual o sujeito internaliza os padrões hegemônicos de masculinidade e se sente excluído por não atender a eles. Essa exclusão gera nele sentimentos de raiva e frustração, que são então direcionados para as mulheres, que ele vê como responsáveis por sua exclusão.
Foucault discute como a normalização funciona através da exclusão de quem não se encaixa nos padrões estabelecidos. No caso do sujeito, ele se sente excluído e inferiorizado, e busca compensar essa exclusão através da violência virtual.
Em suma, a análise Foucaultiana do discurso revela como o poder, o sujeito e as práticas discursivas estão entrelaçados. O sujeito se constitui como tal através de um processo de subjetivação que é marcado por sentimentos de inadequação e raiva, direcionados às mulheres. O discurso funciona como um mecanismo de poder que justifica e legitima práticas violentas, ao mesmo tempo em que reforça estereótipos e hierarquias. A violência virtual é uma forma de resistência distorcida, na qual o sujeito busca recuperar um senso de poder e controle, mas de uma maneira que perpetua ciclos de violência e opressão.
Introdução
Um Pouco de História
A história dos Incels (abreviação de “involuntary celibates”, ou celibatários involuntários) remonta à década de 1990, quando o termo foi cunhado por uma mulher queer de Toronto, Canadá, chamada Alana. Ela criou o “Involuntary Celibacy Project”, um site destinado a pessoas que lutavam para formar relacionamentos amorosos. Inicialmente, o termo “incel” era usado para descrever qualquer pessoa, independentemente do gênero, que se sentia solitária, não tinha experiência sexual ou estava há muito tempo sem um relacionamento. No entanto, ao longo dos anos, o termo foi apropriado por uma comunidade online predominantemente masculina, que passou a adotar uma visão misógina e extremista (Jasper, 2022).
A virada significativa na percepção pública dos Incels ocorreu em 2014, com o caso de Elliot Rodger, um jovem que cometeu um massacre em Isla Vista, Califórnia, matando seis pessoas e ferindo outras 14 antes de tirar a própria vida. Elliot Rodger, que se autodenominava “o verdadeiro cavalheiro”, deixou um manifesto de 141 páginas no qual expressava seu ódio intenso por mulheres e sua frustração por não conseguir atraí-las romanticamente. Ele se tornou um mártir para muitos Incels, que passaram a idolatrá-lo como um símbolo de sua causa (Jasper, 2022; O’Donnell, 2021).
A comunidade Incel é composta principalmente por homens heterossexuais que acreditam em princípios da psicologia evolutiva, argumentando que as mulheres detêm uma vantagem sexual na sociedade moderna. Eles frequentemente se referem a termos como “Chad” (homens altamente atraentes que supostamente têm acesso fácil a relacionamentos sexuais) e “Stacy” (mulheres que preferem se relacionar com esses homens). Essa visão é reforçada por teorias como a “blackpill”, que defende que a atratividade física é o fator mais importante para o sucesso nos relacionamentos, e que homens considerados “geneticamente inferiores” não têm chance de conseguir parceiras (Jasper, 2022; Hoffman, Ware, & Shapiro, 2020).
A comunidade Incel também está associada a movimentos como a “manosfera”, que inclui grupos como os Men’s Rights Activists (MRA) e os Men Going Their Own Way (MGTOW). Esses grupos compartilham uma visão antifeminista e frequentemente culpam as mulheres e a sociedade moderna por suas dificuldades em encontrar parceiras românticas. Essa mentalidade pode levar a comportamentos extremos, incluindo violência. Estudos mostram que muitos Incels apresentam altos níveis de rejeição romântica, sintomas depressivos e ansiosos, e um sentimento profundo de ostracismo social (Jasper, 2022; Williams, 1997).
A violência associada aos Incels tem sido classificada como uma ameaça emergente de extremismo violento. Ataques como o de Alek Minassian em Toronto, em 2018, onde ele atropelou deliberadamente pedestres, matando 11 pessoas, foram justificados por ele como parte de uma “rebelião Incel”. Minassian fez referência a Elliot Rodger em suas comunicações, reforçando a ideia de que Elliot Rodger é um ícone para a comunidade (Hoffman, Ware, & Shapiro, 2020; Wood, Tanteckchi, & Keatley, 2022).
Apesar da violência associada a alguns membros da comunidade, é importante notar que nem todos os Incels são violentos. Muitos simplesmente lutam com sentimentos de solidão e rejeição. No entanto, a comunidade online frequentemente reforça narrativas de ódio e desespero, o que pode exacerbar sentimentos de isolamento e raiva (Daly & Reed, 2022).
Em suma, a história dos Incels é marcada por uma evolução de um termo originalmente neutro para uma comunidade online complexa e muitas vezes problemática. Suas crenças e comportamentos têm repercussões significativas, tanto para os próprios membros da comunidade quanto para a sociedade em geral. A compreensão desse fenômeno requer uma abordagem multifacetada, que leve em consideração fatores psicológicos, sociais e culturais.
Características e Perfil dos Incels
Os Incels são, em sua maioria, homens heterossexuais que acreditam que a sociedade está estruturada de forma a privá-los de relacionamentos românticos e sexuais. Eles frequentemente postulam que a atratividade física é o fator determinante para o sucesso nos relacionamentos (Jasper, 2022; Papadamou et al., 2020).
O perfil típico de um Incel inclui altos níveis de rejeição romântica, sintomas de depressão e ansiedade, e um sentimento profundo de ostracismo social. Muitos Incels também apresentam um histórico de experiências adversas na infância e tendem a se envolver em comportamentos de stalking ou assédio online (Jasper, 2022).
A ideologia Incel é profundamente pessimista e baseia-se na crença de que a sociedade moderna é injusta com homens que não se encaixam nos padrões de beleza ou status social. Eles frequentemente expressam sentimentos de raiva e ressentimento em relação às mulheres, que são vistas como responsáveis por sua condição de celibatários involuntários. Essa raiva pode se manifestar em discursos de ódio misógino, homofóbico e, em alguns casos, racista.
A presença dos Incels em plataformas online como o YouTube e o Reddit tem levantado preocupações sobre a disseminação de conteúdo tóxico e misógino. Estudos mostram que a atividade relacionada aos Incels no YouTube tem crescido significativamente nos últimos anos, com um aumento no número de vídeos e comentários que promovem ideologias extremistas (Papadamou et al., 2020). O algoritmo de recomendação do YouTube pode expor usuários a conteúdo relacionado aos Incels (Papadamou et al., 2020).
As comunidades Incels representam um fenômeno complexo e preocupante, caracterizado por uma ideologia profundamente pessimista e misógina. Infelizmente, a retórica do ódio e a glorificação de figuras como Elliot Rodger criam um ambiente propício para a radicalização e a violência. A presença online dessas comunidades em plataformas diversas exige uma atenção cuidadosa para evitar a disseminação de conteúdo tóxico e garantir a segurança pública.
Transtornos Mentais e Incels
Os Incels frequentemente atribuem o insucesso amoroso a fatores como a própria aparência física, o próprio status social ou a própria genética. Essa comunidade, que se organiza principalmente em fóruns online, tem sido alvo de crescente atenção acadêmica e midiática devido aos relatos de problemas de saúde mental entre seus membros e à associação de alguns indivíduos com atos de violência (Baele et al., 2021; Speckhard et al., 2021).
Estudos recentes têm destacado que os Incels apresentam níveis significativamente mais altos de depressão em comparação com a população geral. Por exemplo, Delaney et al. (2024) encontraram que os Incels pontuaram mais alto em escalas de depressão, embora não tenham mostrado diferenças significativas em relação à ansiedade e ao estresse. Essa descoberta é consistente com pesquisas anteriores que indicam que a falta de conexões românticas e a percepção de baixo valor como parceiro estão associadas a sintomas depressivos (Raque-Bogdan et al., 2011). Além disso, análises de postagens em fóruns de Incels revelam temas recorrentes de auto ódio, desesperança e, em alguns casos, ideação suicida (Hoffman et al., 2020; Pelzer et al., 2021).
A depressão entre os Incels pode ser explicada, em parte, por sua incapacidade de imaginar um futuro positivo, especialmente no que diz respeito a relacionamentos românticos duradouros. A teoria sugere que a falta de perspectiva positiva sobre o futuro está fortemente ligada à depressão (Stöber, 2000). Para os Incels, a crença de que nunca serão capazes de atrair um parceiro romântico pode perpetuar um ciclo de desesperança e desespero.
As raízes dos problemas mentais entre os Incels são multifacetadas. Em primeiro lugar, a percepção de exclusão do mercado sexual e a crença de que são geneticamente inferiores (um conceito frequentemente referido como “blackpill”) contribuem para uma visão de mundo adversa (Speckhard et al., 2021). Essa visão é reforçada pela retórica misógina e antifeminista que permeia muitos fóruns de Incels, onde os membros frequentemente culpam as mulheres e a sociedade por sua condição (Baele et al., 2021).
Além disso, a sensação de baixo valor como parceiro (mate value) está fortemente associada a atitudes misóginas e a uma visão distorcida das dinâmicas sociais e românticas (Bosson et al., 2022; Grunau et al., 2022). Essa percepção de inferioridade pode levar ao isolamento social, onde os Incels se afastam ainda mais das interações sociais, exacerbando sentimentos de solidão e depressão.
Por que o Celibato?
Os Incels frequentemente justificam seu celibato involuntário com base em uma combinação de fatores biológicos, sociais e psicológicos. Eles acreditam que características físicas, como altura, rosto ou estrutura óssea, determinam seu valor no mercado, e que as mulheres preferem homens no topo da hierarquia social, bem como os “Chads” (Speckhard et al., 2021). Como já repisada, essa crença é reforçada por uma visão determinista conhecida como “blackpill”, que sugere que o sucesso romântico é predeterminado por fatores genéticos e, portanto, imutável.
Além disso, os Incels frequentemente culpam as mudanças culturais e sociais, como o feminismo e a liberação sexual, por sua exclusão da felicidade romântica. Eles argumentam que essas mudanças criaram um ambiente onde apenas uma porcentagem de homens (os “Chads”) têm acesso a relacionamentos, enquanto a outra é abandonada (Preston et al., 2021). Isso pode levar a um radicalismo do tipo “tudo ou nada”, promovendo sentimentos de vingança e ódio real.
Por que os Atos de Violência?
A violência praticada por membros das comunidades Incels tem sido um tema de crescente preocupação. A frustração sentida pelos Incels, combinada com uma série de outros fatores psicológicos, sociais e ideológicos, tem sido associada a atos de violência, especialmente contra mulheres e, em alguns casos, contra a sociedade em geral.
Uma das teorias mais citadas para explicar a violência entre Incels é a Teoria da Frustração-Agressão, adaptada por Lankford (2021) para o contexto da frustração sexual. Segundo essa teoria, a agressão pode surgir quando indivíduos experimentam uma desconexão entre seus desejos sexuais e sua realidade, especialmente quando essa frustração é percebida como injusta ou causada por rejeição por parte das mulheres. Novamente, os Incels frequentemente atribuem sua falta de sucesso romântico a uma suposta hierarquia baseada na aparência, na qual homens considerados pouco atraentes (os “incels”) são sistematicamente excluídos (Baele et al., 2021).
Essa percepção de injustiça é exacerbada por uma visão distorcida das mulheres, que são frequentemente retratadas nos fóruns Incels como superficiais, manipuladoras e hipergâmicas. Essa narrativa alimenta sentimentos de ressentimento, que podem se transformar em agressão, especialmente quando combinados com a sensação de impotência (Sparks et al., 2022).
Outro fator crucial é o isolamento social e a solidão experimentada por muitos Incels. Estudos mostram que a maioria dos Incels relata ter poucos ou nenhum amigo, o que os priva de redes de apoio emocional que poderiam ajudar a mitigar os efeitos negativos da dita rejeição romântica (Maxwell et al., 2020). A solidão, combinada com altos níveis de depressão e ansiedade, cria um ambiente propício para o desenvolvimento de pensamentos violentos. Em alguns casos, essa violência é direcionada para dentro, com altas taxas de ideação suicida entre os Incels (Daly & Laskovtsov, 2021). Em outros, a violência é externalizada, muitas vezes como uma forma de represália contra a sociedade ou contra as mulheres, que são vistas como responsáveis por sua exclusão sexual (Williams & Arnfield, 2020).
A ideologia Incel, especialmente na sua forma mais radicalizada, conhecida como “BlackPill”, desempenha um papel significativo na justificação da violência. A BlackPill é uma visão niilista que afirma que a hierarquia baseada na aparência é imutável e que os Incels estão condenados a uma vida de celibato involuntário, a menos que ocorra uma mudança drástica na sociedade, como o retorno a um sistema patriarcal rígido (Glace et al., 2021). Essa ideologia pode levar alguns Incels a acreditar que a violência é a única maneira de chamar atenção para sua causa ou de se vingar de um sistema que os oprime.
Por vezes, Incels violentos podem até mesmo ser retratados como heróis que “acordaram” para as “verdades” da BlackPill e tomaram medidas para se desforrar da sociedade (Byerly, 2020).
Dito isso, a violência praticada por Incels é o resultado de uma combinação complexa de frustração sexual, isolamento social, problemas de saúde mental e uma ideologia radicalizada que justifica e até glorifica a agressão. Embora a maioria dos Incels não cometa atos violentos, a intersecção desses fatores cria um ambiente em que a violência pode parecer uma solução viável para alguns membros da comunidade. Para combater essa tendência, é essencial abordar não apenas a ideologia Incel, mas também os problemas subjacentes de saúde mental e o isolamento social que contribuem para a radicalização.
Problemas Metodológicos com os Estudos Envolvendo os Incels
Os estudos sobre a comunidade Incels têm crescido significativamente nos últimos anos, especialmente após uma série de ataques violentos atribuídos a membros desse grupo. No entanto, apesar do aumento no interesse acadêmico, essas pesquisas apresentam várias limitações e fraquezas que precisam ser consideradas para uma compreensão mais precisa e abrangente do fenômeno.
Abaixo, discuto algumas das principais fraquezas nos estudos sobre Incels:
1. Dependência Excessiva de Dados Online
Uma das principais limitações dos estudos sobre Incels é a dependência excessiva de dados coletados em fóruns online. A maior parte da pesquisa sobre Incels é baseada na análise de postagens em fóruns como Incels.co, Reddit (especialmente o subreddit r/Braincels, antes de ser banido) e outras plataformas semelhantes (Baele et al., 2021). Embora esses fóruns forneçam insights valiosos sobre as ideologias e comportamentos dos Incels, eles não representam necessariamente a totalidade da comunidade.
Esses fóruns tendem a ser dominados por uma minoria vocal, muitas vezes composta por indivíduos com traços de personalidade mais extremos, como narcisismo ou psicopatia (Fox & Rooney, 2015). Além disso, a prática de “shitposting” (postagens provocativas feitas para gerar reações) é comum nesses espaços, o que pode distorcer a percepção dos pesquisadores sobre as verdadeiras crenças e intenções dos Incels (Jaki et al., 2019).
2. Falta de Diversidade nas Amostras
Outra fraqueza significativa é a falta de diversidade nas amostras estudadas. A maioria das pesquisas sobre Incels concentra-se em homens heterossexuais de países ocidentais, especialmente dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido (Speckhard et al., 2021). Isso limita a compreensão de como a identidade Incel pode se manifestar em diferentes contextos culturais, econômicos e sociais. Além disso, há pouca pesquisa sobre mulheres ou indivíduos LGBTQIA+ que possam se identificar como Incels, o que restringe a visão geral do fenômeno.
3. Viés de Seleção e Generalização
Os estudos sobre Incels frequentemente sofrem de viés de seleção, já que os participantes tendem a ser recrutados a partir de fóruns online ou comunidades já conhecidas por seu conteúdo extremista. Isso pode levar a uma super-representação de indivíduos com visões mais radicais e violentas, enquanto aqueles que não participam ativamente desses espaços podem ser sub representados (Daly & Reed, 2022). Como resultado, há um risco de generalização excessiva, em que todos os Incels são retratados como potencialmente violentos ou misóginos, o que não reflete necessariamente a realidade de todos os membros da comunidade.
4. Falta de Pesquisas Longitudinais
A maioria dos estudos sobre Incels é transversal, ou seja, baseia-se em dados coletados em um único momento no tempo. Isso limita a capacidade dos pesquisadores de entender como a identidade Incel se desenvolve ao longo do tempo e quais fatores podem levar à radicalização ou, ao contrário, ao abandono da comunidade. Pesquisas longitudinais seriam essenciais para explorar questões como: Como os indivíduos entram na comunidade Incel? Quais fatores os levam a adotar visões mais extremistas? E, finalmente, como alguns conseguem sair dessa comunidade?
5. Falta de Abordagens Clínicas e Intervenções
Embora muitos estudos destaquem os altos níveis de depressão, ansiedade e ideação suicida entre os Incels, há uma escassez de pesquisas clínicas que explorem intervenções eficazes para ajudar esses indivíduos. A maioria das pesquisas se concentra em descrever o problema, mas oferece poucas soluções práticas para lidar com a saúde mental precária e o isolamento social que caracterizam muitos Incels (Sparks et al., 2022). Além disso, há uma falta de estudos que explorem como os profissionais de saúde mental podem abordar de forma eficaz as necessidades específicas dessa população.
6. Estigmatização e Dificuldades de Recrutamento
A estigmatização associada à identidade Incel cria desafios significativos para os pesquisadores. Muitos Incels relutam em participar de estudos acadêmicos devido ao medo de serem julgados ou mal interpretados (Daly & Reed, 2022). Além disso, a associação da comunidade Incel com a violência e a misoginia pode levar a uma visão enviesada dos pesquisadores, os quais podem abordar o tema com preconceitos já estabelecidos. Isso pode resultar em uma representação desequilibrada dos Incels, focando excessivamente nos aspectos negativos e ignorando as nuances e complexidades da comunidade.
7. Falta de Consenso sobre a Definição de Incel
Outra fraqueza importante é a falta de consenso sobre a definição de Incel. Embora o termo se refira originalmente a indivíduos que são celibatários involuntários, sua aplicação varia significativamente entre os estudos. Alguns pesquisadores incluem apenas homens virgens, enquanto outros consideram qualquer pessoa que experimente uma seca sexual prolongada (Speckhard et al., 2021). Essa falta de clareza dificulta a comparação entre estudos e a generalização dos resultados.
Palavras Finais
A exclusão social e romântica parece ser a superfície do problema entre os Incels. A crença de que são geneticamente inferiores e a falta de esperança em um futuro relacional positivo contribuem para um ciclo de desesperança e isolamento. Embora a ansiedade e o estresse não pareçam ser significativamente diferentes entre Incels e a população geral, a depressão é um problema predominante que requer atenção clínica e intervenções específicas.
Intervenções que visam melhorar a autoestima e a percepção de valor como parceiro podem ser eficazes em reduzir a misoginia e a violência associadas a essa comunidade. No entanto, é crucial que essas intervenções sejam desenvolvidas de forma a engajar os Incels, desafiando suas visões de mundo depressivas enquanto oferecem suporte emocional e psicológico (Costello et al., 2022).
Outrossim, embora os estudos sobre os Incels tenham avançado significativamente na compreensão do fenômeno, eles ainda apresentam várias fraquezas que precisam ser manejadas. A dependência excessiva de dados online, a falta de diversidade nas amostras, o viés de seleção e a escassez de pesquisas longitudinais e clínicas são algumas das principais limitações. Para superar essas fraquezas, futuras pesquisas devem adotar abordagens mais diversificadas e inclusivas, além de buscar intervenções práticas para ajudar os Incels a lidar com seus desafios emocionais e sociais.
Referências Baele, S. J., Brace, L., & Coan, T. G. (2021). From "Incel" to "Saint": Analyzing the violent worldview behind the 2018 Toronto attack. Terrorism and Political Violence, 33(8), 1667-1691. Bosson, J. K., Rousis, G. J., & Felix, R. N. (2022). Curvilinear sextans and its links to men’s perceived mate value. Personality and Social Psychology Bulletin, 48(4), 516-533. Byerly, C. M. (2020). Incels online reframing sexual violence. Communication Review, 23(4), 290–308. Costello, W., Rolon, V., Thomas, A. G., & Schmitt, D. (2022). Levels of well-being among men who are Incel (involuntarily celibate). Evolutionary Psychological Science, 8(4), 375-390. Daly, S. E., & Laskovtsov, A. (2021). "Goodbye, my friendecis": An analysis of incel suicide posts. Journal of Qualitative Criminal Justice and Criminology. Daly, S. E., & Reed, S. M. (2022). “I think most of society hates us”: A qualitative thematic analysis of interviews with incels. Sex Roles, 86(1-2), 14-33. Delaney, T. W., Pollet, T. V., & Cook, C. (2024). The mental well-being of involuntary celibates. Personality and Individual Differences, 218, 112474. Glace, A. M., Dover, T. L., & Zaikin, J. G. (2021). Taking the black pill: An empirical analysis of the "incel." Psychology of Men & Masculinities. Grunau, K., Bieselt, H. E., Gul, P., & Kupfer, T. R. (2022). Unwanted celibacy is associated with misogynistic attitudes even after controlling for personality. Personality and Individual Differences, 199, 111860. Hoffman, B., Ware, J., & Shapiro, E. (2020). Assessing the threat of incel violence. Studies in Conflict & Terrorism, 43(7), 565-587. Jasper, C. (2022). The Psychology of Inceldom. Documento não publicado. Lankford, A. (2021). A sexual frustration theory of aggression, violence, and crime. Journal of Criminal Justice, 77, 101865. Maxwell, D., Robinson, S. R., Williams, J. R., & Keaton, C. (2020). “A short story of a lonely guy”: A qualitative thematic analysis of involuntary celibacy using Reddit. Sexuality & Culture, 24(6), 1852–1874. O’Donnell, K. M. (2021). Incel mass murderers: Masculinity, narrative, and identity. Ohio Communication Journal, 59(1), 64-76. Papadamou, K., Zannettou, S., Blackburn, J., De Cristofaro, E., Stringhini, G., & Sirivianos, M. (2020). Understanding the Incel Community on YouTube. Proceedings of the International AAAI Conference on Web and Social Media, 14, 1-10. Pelzer, B., Kaati, L., Cohen, K., & Fernquist, J. (2021). Toxic language in online incel communities. SN Social Sciences, 1(8), 213. Preston, K., Halpin, M., & Maguire, F. (2021). The black pill: New technology and the male supremacy of involuntarily celibate men. Men and Masculinities, 24(5), 823-841. Raque-Bogdan, T. L., Ericson, S. K., Jackson, J., Martin, H. M., & Bryan, N. A. (2011). Attachment and mental and physical health: Self-compassion and mattering as mediators. Journal of Counseling Psychology, 58(2), 272-278. Sparks, B., Zidenberg, A. M., & Olver, M. E. (2022). One is the loneliest number: Involuntary celibacy, mental health, and loneliness. Preprint. Speckhard, A., Ellenberg, M., Morton, J., & Ash, A. (2021). Involuntary celibates’ experiences of and grievance over sexual exclusion and the potential threat of violence among those active in an online incel forum. Journal of Strategic Security, 14(2), 89-121. Stöber, J. (2000). Prospective cognitions in anxiety and depression: Replication and methodological extension. Cognition and Emotion, 14(5), 725-729. Williams, D. J., & Arnfield, M. (2020). Extreme sex-negativity: An examination of helplessness, hopelessness, and misattribution of blame among “incel” multiple homicide offenders. Journal of Positive Sexuality, 6(1), 33–42. Williams, K. D. (1997). Social ostracism. In Aversive interpersonal behaviors (pp. 133-170). Boston, MA: Springer US. Wood, A., Tanteckchi, P., & Keatley, D. A. (2022). A crime script analysis of involuntary celibate (INCEL) mass murderers. Studies in Conflict & Terrorism, 1-13.
Atendimento – Consultório
Telefone: 0 XX 11 3120-6896
E-mail: dbaltieri@uol.com.br
Endereço: Avenida Angélica, 2100. Conjunto 13
Condomínio Edifício da Sabedoria
CEP: 01228-200, Consolação – São Paulo

Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.