A cultura incel (abreviação de “involuntary celibates”, ou celibatários involuntários) é um fenômeno social e online que surgiu inicialmente como uma comunidade de apoio para pessoas que se sentiam isoladas e incapazes de formar relacionamentos românticos ou sexuais. No entanto, ao longo do tempo, o termo foi apropriado por um grupo predominantemente masculino que adotou uma visão misógina, extremista e às vezes violenta.
Os incels acreditam que a sociedade está estruturada de forma a privilegiar homens considerados atraentes (chamados de “Chads”) e mulheres que preferem esses homens (chamadas de “Stacys”). Eles frequentemente culpam as mulheres e a sociedade moderna por sua exclusão sexual e romântica, adotando uma visão niilista conhecida como “blackpill”, que afirma que a atratividade física e o sucesso romântico são determinados geneticamente e, portanto, imutáveis. Essa ideologia é marcada por sentimentos de raiva, ressentimento e desesperança, e em alguns casos, pode levar à radicalização e à violência.
Quando ocorrem, trata-se de crimes de ódio.
O termo “incel” tornou-se perigoso devido à radicalização de parte dessa comunidade, que passou a adotar discursos de ódio misógino, homofóbico e, em alguns casos, racista. A identificação com o termo pode levar indivíduos a internalizar uma visão de mundo extremamente pessimista e distorcida, onde a violência é vista como uma forma de resistência ou vingança contra um sistema que eles acreditam que os oprime.
A glorificação de figuras como Elliot Rodger, que cometeu um massacre em 2014, e a justificativa de atos violentos como parte de uma “rebelião incel” contribuíram para a associação do termo com extremismo e violência. Além disso, a comunidade online frequentemente reforça narrativas de ódio e desespero, o que pode exacerbar sentimentos de isolamento e raiva, levando alguns indivíduos a cometer atos violentos.
O assunto pode chegar aos adolescentes principalmente através da internet, especialmente em plataformas como YouTube, Reddit e fóruns online, onde conteúdos relacionados aos incels são compartilhados e discutidos. O algoritmo de recomendação dessas plataformas pode expor os adolescentes a vídeos e postagens que promovem ideologias extremistas, normalizando discursos de ódio e misoginia.
O impacto na vida e formação dos adolescentes pode ser significativo. A exposição a essas ideologias pode levar à internalização de crenças distorcidas sobre relacionamentos, autoestima e gênero. Adolescentes que já se sentem isolados ou rejeitados podem ser particularmente vulneráveis a essas narrativas, o que pode agravar sentimentos de depressão, ansiedade e desesperança. Em casos extremos, isso pode levar à radicalização e à adoção de comportamentos violentos.
Os pais devem abordar o tema com os filhos de forma aberta e sem julgamentos. É importante criar um ambiente seguro onde os adolescentes se sintam à vontade para discutir suas inseguranças e dúvidas sobre relacionamentos, autoestima e sexualidade. Os pais podem iniciar a conversa perguntando sobre o que os filhos sabem sobre o tema e se já foram expostos a conteúdos relacionados aos incels.
É crucial que os pais eduquem os filhos sobre a importância do respeito mútuo, da igualdade de gênero, da importância da diversidade e da rejeição de discursos de ódio. Eles também devem discutir os perigos da radicalização online e a importância de questionar fontes de informação e ideologias extremistas. O tema deve ser abordado de forma proativa, especialmente se os pais perceberem que seus filhos estão passando por dificuldades sociais ou emocionais. Nada de quartos fechados por horas nem tampouco telas de computador não vigiadas constantemente.
Para proteger crianças e adolescentes dos impactos negativos da cultura incel, é essencial adotar uma abordagem multifacetada:
- Educação e diálogo: Os pais e educadores devem promover conversas abertas sobre relacionamentos saudáveis, autoestima e respeito. É importante ensinar os jovens a reconhecer e rejeitar discursos de ódio e misoginia.
- Monitoramento online: Os pais devem estar cientes do que os filhos estão consumindo online e, se necessário, utilizar ferramentas de controle parental para limitar o acesso a conteúdos prejudiciais. No entanto, isso deve ser feito de forma transparente, para não criar um ambiente de desconfiança.
- Promoção de redes de apoio: Encorajar os adolescentes a participar de atividades sociais e comunitárias pode ajudá-los a construir relacionamentos saudáveis e a se sentirem mais conectados. Ter uma rede de apoio emocional é crucial para prevenir sentimentos de isolamento e desesperança.
- Atenção à saúde mental: Se os pais perceberem que seus filhos estão lutando com sentimentos de rejeição, depressão ou ansiedade, é importante buscar ajuda profissional. Psicólogos e terapeutas podem oferecer suporte emocional e estratégias para lidar com esses sentimentos de forma saudável.
- Conscientização sobre os perigos da radicalização: Educar os jovens sobre os riscos da radicalização online e como identificar e evitar grupos extremistas é fundamental. Eles devem ser ensinados a questionar ideologias que promovem o ódio e a violência.
- Melhora da autoestima: Estimular os filhos a praticar esportes, a pertencer a grupos religiosos, a ter amigos reais (e não virtuais) é essencial. O uso de telas precisa ser limitado. Jovens que se sentem feios ou geneticamente inferiores precisam amaciar a autoestima já bastante rasgada. E os pais podem e devem colaborar com isso.

Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.