Familicídios Perpetrados por Adolescentes

“Eles sempre me diziam que eu era um fracasso, que nunca seria nada. Toda hora era a mesma coisa: ‘Você não estuda, não ajuda, não é como seu irmão’. Até quando eu acertava, era errado.

Aí hoje… hoje ela começou de novo. Eu só pedi para sair, só isso. Mas não, era sempre ‘não’! E quando eu gritei, ele veio para cima de mim como se eu fosse um lixo. Aí eu… eu não aguentei. Peguei o que estava perto, a faca, e a matei com gosto, bem como o meu querido irmãozinho.

Agora irão me chamar de monstro. Mas eles é que me fizeram assim. Todo dia me esmagando, me enchendo de ódio até não dar mais. Vocês querem saber por que fiz isso? Porque dentro daquela casa, eu já estava morto fazia tempo”

(Anônimo)

Excerto – O Morto que Mata

A partir da perspectiva dialógica de Bakhtin, o discurso do adolescente revela uma intensa polifonia de vozes sociais e conflitos identitários, onde se entrecruzam a voz opressora da família, a resistência do jovem e os códigos morais da sociedade que o julga. A fala não é monológica, mas um campo de batalha de significados, onde cada enunciado carrega marcas de interações passadas e expectativas sociais

  1. Dialogismo e as Vozes Internalizadas

Quando o jovem afirma “Eles sempre me diziam que eu era um fracasso”, evidencia-se a internalização de um discurso alheio (o da família), que se torna parte constitutiva da sua identidade. Bakhtin poderia dizer que essa voz externa foi “apropriada” pelo adolescente, mas de forma distorcida — não como um diálogo produtivo, mas como um monólogo opressor que ele tenta romper através do crime. A repetição de frases como “não é como seu irmão” mostra a hibridização linguística: o discurso parental é reproduzido, mas ressignificado como justificativa para a violência.

  1. O Conflito de Autorias

A passagem “Aí eu… eu não aguentei. Peguei o que estava perto, a faca, e a matei com gosto” expõe uma luta pela autoria da própria existência. Para Bakhtin, o sujeito só se constitui na relação com o outro. Aqui, o jovem tenta assumir autoria sobre sua vida (“eu matei”) após ser reduzido a objeto pelo discurso familiar (“como se eu fosse um lixo”). O ato violento é, paradoxalmente, uma tentativa de resposta ativa a uma vida de interpelações passivas.

  1. O Carnavalesco na Inversão de Papéis

A declaração“Agora irá me chamar de monstro. Mas eles é que me fizeram assim” opera uma inversão carnavalesca típica na análise bakhtiniana: a vítima (o jovem) torna-se algoz, e os algozes (a família) são postos no lugar de culpados. Essa inversão desafia a linguagem normativa da sociedade, que naturalmente condenaria o crime, mas revela a ambiguidade dialógica— o discurso do adolescente não é isolado, mas uma resposta a um contexto de violência simbólica prévia.

  1. A Casa como Chronotopo da Morte

A frase “dentro daquela casa, eu já estava morto fazia tempo” configura o espaço doméstico como um chronotopo bakhtiniano, onde tempo (a repetição diária de humilhações) e espaço (a casa como prisão) se fundem para produzir um significado existencial. A casa não é um cenário neutro, mas um território de significados conflitantes que culminam no ato extremo.

  1. A Resposta Inacabada

O discurso termina sem arrependimento, mas também sem triunfo — apenas com a repetição “já estava morto…”. Para Bakhtin, todo enunciado é inacabado, aguardando uma resposta do outro. Aqui, a sociedade (representada pela polícia, pela mídia) é interpelada a responder: como lidar com um sujeito que cometeu um crime hediondo, mas que, em sua própria lógica, foi antes vítima de um “assassinato simbólico”?


A análise revela que o discurso do adolescente não é justificativa, mas um sintoma de relações dialógicas despedaçadas. A violência surge como tentativa falha de se reinscrever como sujeito em um diálogo onde só lhe era permitido ser objeto. Sob a ótica bakhtiniana, o caso exigiria não só punição, mas uma escuta dialógica que reconheça as vozes sociais em conflito — sem, contudo, absolver o ato em si.

Introdução

O familicídio, definido como o assassinato de múltiplos membros da família por um parente, é um fenômeno raro e chocante, especialmente quando cometido por adolescentes. Estudos como o de Heide (2013) destacam que esses casos são extremamente incomuns, representando uma pequena fração dos homicídios intrafamiliares. A pesquisa de Fegadel (2014), baseada em dados do National Incident-Based Reporting System (NIBRS), identificou apenas 15 casos de familicídio envolvendo adolescentes ao longo de 20 anos nos Estados Unidos, reforçando sua raridade.

Tipologias

Os adolescentes que cometem familicídio podem ser classificados em três categorias principais, conforme proposto por Heide (2013):

  1. Severamente Abusados: Aqueles que agem em resposta a anos de abuso físico, emocional ou sexual, vendo o homicídio como única saída para escapar da violência. Um exemplo é o caso de Nehemiah Griego, que alegou ter sofrido abusos antes de assassinar sua família (DeLuca, 2013).

Nehemiah Griego (15 anos, Novo México, 2013): Assassinou seus pais e três irmãos menores com um rifle. Relatos indicavam histórico de abuso psicológico e exposição à violência. Griego planejou os crimes meticulosamente e confessou que desejava continuar matando (DeLuca, 2013; Bryan & Clausing, 2013).

  1. Doentes Mentais Graves: Adolescentes com transtornos psicóticos, cujos delírios ou alucinações os levam a cometer os crimes. Casos como o de Paul Gingerich, que matou os pais e um irmão durante um episódio psicótico, ilustram essa tipologia (Post, 1982).

Paul Gingerich (14 anos, Indiana, 2010): Diagnosticado com depressão psicótica, matou o padrasto após ser forçado a participar de um plano de fuga com um amigo. Seu caso destacou falhas no sistema de saúde mental (Evans et al., 2005).

  1. Antissociais: Indivíduos com traços de psicopatia ou conduta antissocial, que matam por motivos egoístas, como herança ou liberdade (Myers & Vo, 2011). Os irmãos Hillsboro, que assassinaram os pais e um irmão mais novo para evitar serem hospitalizados, se enquadram nessa categoria (Heide, 2013).

Brandon e Derek Hillsboro (15 e 17 anos, pseudônimos): Vinculados a um grupo skinhead, exibiam conduta antissocial e prazer em causar sofrimento (Heide, 2013).

  1. Adolescentes sob Influência de Substâncias Psicoativas

O uso de drogas (especialmente metanfetamina, álcool ou drogas sintéticas) pode exacerbar impulsividade, paranoia ou agressividade, levando a atos violentos (Marleau & Millaud, 2006).

Jacob Ind (15 anos, Colorado, 1992): Matou a mãe e o padrasto após anos de abuso sexual e físico. Embora o abuso fosse o fator primário, relatórios indicavam que Jacob usava álcool e outras substâncias psicoativas para lidar com os próprios problemas (Heide, 1992).

Prevalência e Incidência

O familicídio cometido por adolescentes é um evento raro. Dados do NIBRS (1990-2010) mostram que apenas 7,8% dos parricídios envolvem múltiplas vítimas, sendo a maioria cometida por adultos (Fegadel, 2014). A incidência é ainda menor quando o agressor é uma adolescente, com apenas um caso registrado no período analisado, no qual uma jovem matou a mãe, o filho e o companheiro (Fegadel, 2014). A predominância de agressores do sexo masculino (93% dos casos) reflete padrões mais amplos de violência juvenil (Heide, 2013).

Fatores de Risco

Vários fatores aumentam o risco de um adolescente cometer familicídio:

    • Histórico de Abuso: Crianças severamente abusadas podem ver o homicídio como autodefesa. Estudos indicam que muitos parricidas juvenis sofriam abusos crônicos (Heide, 1992).

    • Transtornos Mentais: Esquizofrenia, depressão grave e outros transtornos do humor estão frequentemente associados a casos de familicídio (Weisman et al., 2002).

    • Acesso a Armas: O uso de armas de fogo é comum nesses crimes, presente em 60% dos casos (Fegadel, 2014). A facilidade de acesso a armas aumenta a letalidade.

    • Dinâmicas Familiares Disfuncionais: Conflitos intensos, falta de supervisão parental e exposição à violência doméstica são fatores recorrentes (Heide, 2013).

    • Dependência de substâncias psicoativas: Adolescentes com quadros de abuso/síndrome de dependência muitas vezes veem a família como obstáculo ao acesso às drogas, motivando violência (Marleau & Millaud, 2006).

    • Interação das substâncias psicoativas com outros Transtornos Mentais: Substâncias como a metanfetamina podem piorar sintomas psicóticos, como no caso de Caron (16 anos), que usara estimulantes antes de matar a mãe e o padrasto (Reinhardt, 1970).

 

Dos Filmes e Séries de Terror à Realidade das Pesquisas

O tema do familicídio, especialmente quando cometido por adolescentes, é frequentemente retratado em filmes e séries de terror, como The Amityville Horror, que dramatiza o caso real de Ronald DeFeo Jr., um jovem que assassinou sua família em 1974. Representações cinematográficas como esta tendem a explorar aspectos sobrenaturais ou psicopatológicos extremos, criando uma narrativa distante da complexidade real desse fenômeno. No entanto, pesquisas acadêmicas revelam um cenário mais nuançado e raro, porém profundamente impactante.

Como já mencionado, estudos como o de Fegadel e Heide (2017) analisaram dados do National Incident-Based Reporting System (NIBRS) nos Estados Unidos, identificando apenas 14 casos de familicídio cometidos por filhos (adultos e adolescentes) ao longo de 20 anos (1991–2010). A maioria dos agressores era do sexo masculino (93%), brancos (71%) e com idade média de 26 anos, sendo dois deles adolescentes (14,3%). As vítimas geralmente eram pais biológicos (mães e pais) e irmãos, com armas de fogo sendo o método predominante. Esses achados corroboram a classificação de Liem e Reichelmann (2014), que categorizam tais crimes como “parricídios estendidos”, motivados por conflitos familiares, transtornos mentais ou desejo de libertação de um ambiente percebido como insuportável.

A discrepância entre as representações fictícias e a realidade é marcante. Enquanto a mídia frequentemente associa esses crimes a possessões demoníacas ou psicopatia extrema, as pesquisas destacam fatores como estresse crônico, histórico de abuso, depressão pós-parto (no único caso feminino do estudo) e acesso às armas (Fegadel & Heide, 2017). Além disso, a raridade do fenômeno—refletida na escassez de casos identificados—contrasta com a sensação de frequência transmitida por obras de ficção e de cinema.

No Brasil, embora faltem estudos específicos sobre familicídio adolescente, casos como o do adolescente de 16 anos (Rafael Costa) que matou os pais em uma cidade do Estado de São Paulo (2021) ecoam padrões similares: conflitos domésticos e uso de violência extrema. A ausência de bancos de dados abrangentes, como o NIBRS, limita análises comparativas, mas evidencia a necessidade de investigações que integrem dados oficiais, relatos da mídia e avaliações psicológicas para compreender motivações e prevenir futuros casos (Shon & Roberts, 2010).

Em suma, embora a cultura pop trivialize o familicídio como um ato inexplicável ou sobrenatural, a realidade apontada pelas pesquisas revela uma tragédia multifatorial, ligada a dinâmicas familiares disfuncionais, saúde mental negligenciada e acesso a meios letais. Combater esse fenômeno exige não apenas políticas de controle de armas, mas também intervenções precoces em situações de conflito doméstico e maior apoio psicológico a adolescentes em risco.

Familicídio por Jovens no Brasil: Casos Reais e Fatores Psicossociais

O fenômeno do familicídio cometido por adolescentes no Brasil, embora raro, choca pela brutalidade e pelos motivos que frequentemente envolvem conflitos domésticos, transtornos mentais, vingança, consumo de substâncias psicoativas e acesso às armas letais. Diferentemente das narrativas dramatizadas dos filmes de terror, os casos reais revelam dinâmicas familiares complexas, muitas vezes marcadas por abusos, negligência ou transtornos psiquiátricos não tratados. A seguir, destacam-se alguns episódios emblemáticos e os padrões identificados pelas autoridades.

Casos Notórios

  1. Rafael Costa (São José dos Campos, 2021)

Com apenas 16 anos, Rafael matou seus pais a facadas após uma discussão sobre seu comportamento e notas escolares. Relatos indicavam que ele sofria bullying e tinha dificuldades de socialização. Durante o interrogatório, afirmou que cometeu o crime “para se livrar das críticas”. O caso gerou debates sobre a pressão acadêmica e a falta de suporte psicológico a adolescentes.

  1. Irmãos Nogueira (Goiás, 2013)

Dois irmãos, de 16 e 17 anos, planejaram o assassinato dos pais e da avó para herdarem uma suposta fortuna. Os jovens usaram uma barra de ferro e um machado, mostrando premeditação. Investigadores descobriram que eram obcecados por jogos violentos e tinham uma relação conflituosa com a família, especialmente devido a restrições financeiras.

  1. Casos sem Nomes Divulgados (Recife, 2019 e Curitiba, 2020)

    • Em Recife, um adolescente de 15 anos matou a mãe e o padrasto após ser proibido de sair à noite. Ele alegou “ódio acumulado” e tentou simular um assalto.

    • Em Curitiba, um jovem de 17 anos envenenou os pais com chumbinho (raticida) após ser pressionado a seguir uma carreira que não desejava.

 

Padrões e Motivações

Análises de casos brasileiros apontam fatores recorrentes:

    • Conflitos Domésticos Crônicos: Discussões sobre disciplina, desempenho escolar ou liberdade pessoal são gatilhos comuns.

    • Transtornos Mentais Não Diagnosticados: Depressão, transtornos de conduta, abuso de substâncias psicoativas ou transtornos psicóticos aparecem em laudos periciais, mas muitas vezes só identificados após o crime.

    • Influência de Violência Virtual: Jogos, fóruns online ou séries que romantizam o assassinato são citados em investigações, como no caso de Goiás.

    • Falta de Rede de Apoio: Escolas e serviços de saúde mental frequentemente falham em intervir antes da tragédia.

O Brasil carece de sistemas de alerta precoce e bancos de dados unificados sobre violência intrafamiliar juvenil. Enquanto nos EUA estudos como o de Fegadel e Heide (2017) usam sistemas como o NIBRS, aqui as informações ficam fragmentadas em reportagens ou processos judiciais. Especialistas ao redor do mundo defendem as seguintes iniciativas:

    • Monitoramento de Sinais: Ameaças veladas e claras, isolamento social ou obsessão por violência devem acionar intervenções multidisciplinares.

    • Políticas de Saúde Mental: Ampliação do atendimento psicológico gratuito para crianças e adolescentes em conflito familiar.

    • Controle de Armas Caseiras: Facas, pesticidas e objetos contundentes são as ferramentas mais usadas nesses crimes. Portanto, cautela!

Os familicídios por jovens no Brasil refletem falhas sistêmicas no apoio às famílias e na identificação dos riscos. Se a ficção retrata esses crimes como obras de “monstros” ou “demônios”, a realidade mostra adolescentes imersos em sofrimento psíquico e ambientes disfuncionais. Combater esse cenário exige não só disciplina e limites, mas prevenção — com investimento em educação emocional e redes de proteção.

Parricídio Estendido: Uma Análise da Violência Familiar Multivítima

O parricídio estendido, termo cunhado por Liem e Reichelmann (2014), refere-se a um tipo específico de familicídio no qual o perpetrador — frequentemente um adolescente ou adulto jovem — assassina um ou ambos os pais e, subsequentemente, outros membros da família, como irmãos, avós ou tios. Diferentemente do parricídio simples (morte de um único progenitor), esse fenômeno envolve uma escalada de violência intrafamiliar, marcada por múltiplas vítimas e motivações complexas, que vão desde conflitos domésticos crônicos até transtornos mentais não tratados.

Estudos como o de Fegadel e Heide (2017), identificaram que os autores de parricídio estendido são majoritariamente jovens brancos (71% dos casos). As armas de fogo são o tipo de arma mais comum, especialmente quando o pai é uma das vítimas, enquanto agressões com objetos contundentes ou facas tendem a ser utilizadas contra mães e irmãos, possivelmente refletindo diferenças na percepção de ameaça ou força física entre as vítimas. Psicologicamente, muitos desses casos estão associados a históricos de abuso, negligência ou sintomas psicóticos, como esquizofrenia ou depressão severa (Malmquist, 1980; Heide, 2013).

No contexto brasileiro, embora faltem pesquisas sistemáticas sobre o tema, casos midiáticos — como o dos irmãos Nogueira, que assassinaram os pais e a avó em Goiás em 2013 — seguem padrões similares aos descritos internacionalmente. Esses episódios frequentemente envolvem planejamento prévio, justificativas distorcidas (como herança ou “libertação” de um ambiente opressivo) e a influência de fatores externos, como consumo de conteúdo violento e de substâncias psicoativas. A ausência de um banco de dados nacional unificado, no entanto, dificulta a identificação de tendências e a implementação de políticas preventivas.

Teorias criminológicas sugerem que o parricídio estendido muitas vezes surge da convergência entre vulnerabilidade individual e dinâmicas familiares disfuncionais. Shon e Roberts (2008) argumentam que, em casos históricos, a violência frequentemente começa como um conflito direcionado a um dos pais e se expande para outros membros da família que tentam intervir ou são testemunhas indesejadas. Essa “ampliação situacional” é agravada em contextos de isolamento social e acesso a armas, fatores recorrentes em casos analisados no Brasil e no exterior.

Para enfrentar esse desafio, especialistas recomendam intervenções precoces em famílias com histórico de violência, além da capacitação de profissionais da educação e saúde para identificar sinais de risco, como ameaças verbais, isolamento abrupto ou fascínio por atos violentos. Nos EUA, programas como o Behavioral Threat Assessment têm sido adotados em escolas para prevenir massacres, mas sua adaptação ao contexto do parricídio ainda é incipiente. No Brasil, a criação de um sistema de alerta vinculado aos Conselhos Tutelares e às Varas de Família poderia ajudar a mitigar riscos, especialmente em casos em que adolescentes manifestam comportamentos agressivos recorrentes.

Em síntese, o parricídio estendido é um fenômeno raro, porém devastador, que demanda abordagens interdisciplinares — combinando psicologia, psiquiatria, direito e políticas públicas — para sua prevenção. Enquanto a mídia muitas vezes retrata esses crimes como atos inexplicáveis, as evidências apontam para tragédias evitáveis, enraizadas em falhas sistêmicas de proteção à infância e à adolescência.

Palavras Finais

O familicídio adolescente é um fenômeno complexo e multifatorial, cuja prevenção exige intervenções precoces em casos de abuso infantil, acesso a tratamentos de saúde mental e controle do acesso a armas. A raridade desses casos dificulta a generalização, mas a literatura existente destaca a necessidade de políticas públicas voltadas para famílias em risco. Pesquisas futuras poderiam explorar os motivos da escassez de casos femininos e o impacto de intervenções terapêuticas na redução desses crimes.

Fragilidades dos Estudos sobre Familicídio

Os estudos sobre familicídio, embora valiosos para compreender esse fenômeno complexo e devastador, apresentam várias limitações que podem comprometer a generalização dos resultados e a eficácia das estratégias de prevenção. Abaixo, são destacadas as principais fragilidades identificadas nas pesquisas analisadas:

  1. Definições Inconsistentes:

    • A falta de uma definição uniforme de familicídio dificulta a comparação entre estudos. Algumas pesquisas incluem apenas casos em que o perpetrador mata o cônjuge e os filhos, enquanto outras abrangem outros membros da família ou até mesmo animais de estimação. Essa variação pode levar a conclusões divergentes sobre características e motivações dos perpetradores.

  1. Amostras Pequenas e Viés Geográfico:

    • Muitos estudos se baseiam em amostras pequenas devido à raridade do fenômeno, o que limita a robustez estatística das análises. Além disso, a maioria das pesquisas é conduzida em países ocidentais (como EUA, Canadá, Reino Unido e Austrália), deixando lacunas significativas no entendimento do familicídio em outras culturas e regiões.

  1. Fontes de Dados Limitadas:

    • Muitos estudos dependem de registros oficiais (como arquivos policiais ou relatórios médicos) ou de notícias da mídia, que podem ser incompletos ou enviesados. Casos menos divulgados ou sem documentação adequada podem ser sub representados, afetando a compreensão abrangente do fenômeno.

  1. Falta de Grupos de Controle:

    • Poucos estudos comparam perpetradores de familicídio com grupos de controle (como indivíduos com histórico de violência doméstica que não cometeram familicídio). Essa ausência dificulta a identificação de fatores de risco específicos para o familicídio, em vez de violência intrafamiliar em geral.

  1. Viés de Sobrevivência:

    • Como muitos perpetradores de familicídio cometem suicídio após o ato, informações detalhadas sobre sua saúde mental e motivações são frequentemente limitadas. Estudos que dependem de autópsias psicológicas ou relatos de terceiros podem não capturar nuances críticas.

  1. Dificuldade em Estabelecer Causalidade:

    • Fatores como transtornos mentais, histórico de trauma ou estressores financeiros são frequentemente associados ao familicídio, mas a relação causal não é clara. A ausência de estudos longitudinais ou prospectivos impede a determinação de quais fatores são preditivos e quais são meramente correlacionados.

  1. Subtipos Heterogêneos:

    • Embora alguns estudos proponham tipologias (como perpetradores “hostis” versus “desesperados”), a falta de consenso sobre essas categorias e a sobreposição de características tornam difícil a aplicação prática dessas classificações em avaliações de risco.

  1. Falta de Foco em Prevenção:

    • Poucas pesquisas exploram estratégias de prevenção eficazes ou avaliam intervenções existentes. A ênfase está principalmente na descrição de casos, deixando lacunas sobre como identificar e intervir em situações de risco potencial.

Apesar dos avanços metodológicos em pesquisas deste tipo, as fragilidades metodológicas e conceituais nos estudos sobre familicídio ressaltam a necessidade de projetos mais padronizados, diversificados geograficamente e focados na causalidade e na prevenção. A integração de abordagens interdisciplinares e o uso de fontes de dados mais abrangentes podem melhorar a compreensão desse fenômeno trágico e informar políticas públicas mais eficazes.

Referências

Bryan, S. M., & Clausing, J. (2013). Nehemiah Griego: Teen planned family murders. Huffington Post.

DeLuca, M. (2013). New Mexico teen accused of killing family wanted to kill more, police say. NBC News.

Fegadel, A. R. (2014). Juvenile and Adult Involvement in Double Parricide and Familicide in the U.S.: An Empirical Analysis of 20 Years of Data. University of South Florida.

Fegadel, A. R., & Heide, K. M. (2017). Offspring-perpetrated familicide: Examining family homicides involving parents as victims. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, 61(1), 4–20.

Heide, K. M. (1992). Why kids kill parents: Child abuse and adolescent homicide. Ohio State University Press.

Heide, K. M. (2013). Understanding parricide: When sons and daughters kill parents. Oxford University Press.

Liem, M., & Reichelmann, A. (2014). Patterns of multiple family homicide. Homicide Studies, 18(1), 44–58.

Malmquist, C. P. (1980). Psychiatric aspects of familicide. Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law, 8(3), 298–304.

Marleau, J. D., & Millaud, F. (2006). Comparison of factors in adult and adolescent parricide. Journal of Family Violence, 21, 321–325.

Myers, W. C., & Vo, E. J. (2011). Adolescent parricide and psychopathy. International Journal of Offender Therapy, 55(5), 1–15

Post, S. (1982). Adolescent parricide in abusive families. Child Welfare Journal, 61(7), 445-455.

Shon, P. C., & Roberts, M. A. (2008). Post-offense characteristics of 19th-century American parricides: An archival exploration. Journal of Investigative Psychology and Offender Profiling, 5(3), 147–169. 

Shon, P. C., & Roberts, M. A. (2010). An archival exploration of homicide-suicide and mass murder in the context of nineteenth-century American parricides. International Journal of Offender Therapy and Comparative Criminology, 54(1), 43–60. 

Weisman, A. M., Ehrenclou, M. G., & Sharma, K. K. (2002). Double parricide: Forensic analysis and psychological implications. Journal of Forensic Science, 47, 313-317

 

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