Os Envenenadores – Parte I

“Foi a sexta criança que faleceu seguidamente nos meus últimos oito plantões neste hospital. Só acontece comigo isso… Agora, afastaram-me da neonatologia. Eu não sei o porquê. Será que pensam que eu tenho algo a ver com os falecimentos dos bebês? Fiquei o tempo todo dos meus plantões com as crianças. Ninguém entrava na enfermaria. Eu me bastava. Jamais mataria qualquer uma delas. Dizem que encontraram tiocianato na urina da última criança… Cianeto? Que coisa mais demodê…”

(Anônimo)

Excerto – Só Acontece Comigo Isso

O relato traz uma série de elementos que levantam suspeitas sobre a possível ocorrência da Síndrome de Munchausen por Procuração (SMPP) – um distúrbio em que alguém, geralmente um cuidador, provoca ou inventa doenças em outra pessoa (normalmente uma criança) para chamar atenção ou assumir um papel de vítima.

Logo de cara, o fato de a pessoa mencionar que seis crianças morreram em seus plantões já é um sinal alarmante. Mortes repetidas assim, todas sob o mesmo cuidado, podem ser incomuns e costumam acender um alerta para possíveis casos de SMPP. Além disso, ela diz que “só acontece comigo isso”, como se fosse uma vítima do destino, o que é um comportamento típico de quem sofre desse transtorno – sempre buscando se colocar no papel de alguém injustiçado.

Outro ponto preocupante é a forma como ela fala sobre o isolamento das crianças“Ninguém entrava na enfermaria. Eu me bastava.” Isso sugere que ela mantinha controle total sobre o ambiente, sem deixar espaço para outros profissionais acompanharem o que acontecia. Pessoas com SMPP muitas vezes agem sozinhas justamente para evitar testemunhas.

E tem ainda a parte em que ela comenta sobre o tiocianato encontrado na urina da criança, dizendo “Cianeto? Que coisa mais demodê…”. Essa fala é intrigante, porque, em vez de demonstrar choque ou preocupação, ela trata o assunto com um certo desdém, como se fosse algo trivial. Quem não está envolvido usaria um tom tão casual ao falar de um veneno encontrado no corpo de um bebê, um paciente?

Por fim, a negação agressiva – “Jamais mataria qualquer uma delas” – também é um traço comum nesses casos. Muitas vezes, quem comete esse tipo de abuso insiste em afirmar sua inocência de maneira exagerada, como se estivesse tentando convencer a si mesma mais do que aos outros.

Tudo isso junto faz com que esse discurso pareça suspeito. Na hipótese de ser um caso real, é essencial uma investigação profunda, incluindo exames toxicológicos nas crianças, análise do histórico médico e uma avaliação psiquiátrica da pessoa envolvida. A SMPP é um abuso silencioso e perigoso, e muitas vezes a linguagem da pessoa acaba revelando mais do que ela gostaria.

Introdução

O envenenamento criminal é uma forma única de homicídio caracterizada por sua natureza sigilosa, em que o perpetrador não necessita de contato físico com a vítima para causar dano ou morte. Esse método de assassinato tem capturado o imaginário público desde o século XIX (Burney, 1999). A natureza oculta do envenenamento frequentemente retarda a sua detecção, uma vez que análises toxicológicas não são realizadas rotineiramente durante investigações clínicas iniciais, permitindo que os envenenadores evitem a própria identificação (Invis & Jensen, 2004; Cleveland, 1958).

As vítimas de envenenamento costumam estar entre os membros mais vulneráveis da sociedade, incluindo pacientes gravemente enfermos, idosos e crianças (Yonder et al., 2006). Apesar da existência histórica e contemporânea dos envenenadores, o seu perfil demográfico e psicológico permanece ainda pouco compreendido (Westwer et al., 2004).

Estudos, embora ainda poucos, têm apontado que os envenenadores criminais compartilham certas características, formando um paradigma. Uma proporção significativa deles possui interesse ou emprego em profissões relacionadas à saúde ou ciências, onde o acesso às substâncias tóxicas e vítimas vulneráveis é facilitado (Cordess, 1980; Yonder et al., 2006). Características de personalidade, muitas vezes moldadas por eventos traumáticos, contribuem para seu risco de envolver-se em comportamentos criminosos. As motivações frequentemente incluem ganho secundário, como benefícios financeiros ou um desejo de poder e superioridade sobre as vítimas (Pinbee, 2006; Dietz, 1988). Além disso, a enorme maioria dos envenenadores demonstra consciência plena do que está fazendo, planejando meticulosamente seus crimes para evitar detecção e, muitas vezes, cooperando com a polícia para manter uma fachada de inocência (Westwer et al., 1986; Trestmill, 2007).

O histórico de problemas mentais é outro tema recorrente entre os envenenadores, com diagnósticos como síndrome de Munchausen, psicopatia e episódios psicóticos sendo reportados na literatura (Cordess, 1980; Yonder et al., 2006). Estudos de caso, como os de Beverley Allitt e Harold Shipman, destacaram o papel da instabilidade emocional, da desregulação emocional e o de experiências traumáticas na infância na formação do seu comportamento criminoso. A natureza calculada e premeditada desses crimes reforça a inteligência normal e o conhecimento sobre venenos por parte dos perpetradores (Holstege et al., 2010).

As implicações práticas dessas características são expressivas. Dada a associação, mesmo que espúria, entre os envenenadores e a profissão de saúde/ciências, instituições devem implementar sistemas de alerta precoce para detectar comportamentos suspeitos e garantir a segurança dos pacientes (Tarant, 2014).

Beverley Allitt e Harold Shipman: Perfis de Envenenadores em Contextos Médicos Recentes

Beverley Allitt e Harold Shipman são dois dos mais notórios criminosos britânicos da atualidade associados ao envenenamento em contextos médicos. Ambos utilizaram sua posição de confiança na área da saúde para assassinar pacientes, revelando características comuns, como manipulação, frieza emocional e motivações ligadas a transtornos psicológicos. Seus casos destacam a importância de sistemas de vigilância em ambientes hospitalares e a complexidade da psicopatologia por trás de crimes cometidos por profissionais da saúde.

Beverley Allitt: A Enfermeira “Anjo da Morte”

Beverley Allitt, conhecida como a “Enfermeira da Morte”, trabalhou no Hospital Grantham and Kesteven, na Inglaterra, onde, em 1991, assassinou quatro crianças e tentou matar outras nove. Seus métodos incluíam injeções letais de insulina e potássio, causando paradas cardíacas.

Allitt foi diagnosticada com Síndrome de Munchausen por Procuração, ou seja, um transtorno psiquiátrico em que o cuidador causa ou simula doenças em dependentes para chamar atenção sobre si mesma. Ela exibia comportamento manipulador e buscava admiração após “salvar” pacientes que ela mesma intoxicava. Durante as avaliações psiquiátrico-forenses, Allitt demonstrou ausência total de remorso, característica associada a traços psicopáticos.

Quanto às motivações criminais, Allitt demonstrou necessidade patológica de ser vista como heroína e um notável fascínio pelo controle sobre a vida e a morte.

Seu caso levou a reformas nos sistemas de contratação e supervisão de enfermeiros no Reino Unido, incluindo verificações mais rigorosas de antecedentes e monitoramento de medicamentos controlados.

Harold Shipman: O Médico Mais Prolífico da História Britânica

Harold Shipman, um médico generalista, é considerado um dos maiores assassinos em série do mundo, com estimativas de até 250 vítimas. Ele operou por décadas antes de ser preso em 1998, administrando overdoses letais de morfina em pacientes idosos.

Shipman foi diagnosticado com Transtorno Narcisista de Personalidade. Acreditava estar acima da lei e da ética médica. Nas entrevistas psiquiátrico-forenses, revelou um trauma na infância após assistir sua mãe morrer de câncer sob cuidados paliativos com morfina—possivelmente influenciando seu modus operandi. Demonstrava frieza extrema, mantendo uma fachada de médico respeitável enquanto planejava assassinatos meticulosamente.

Quanto às motivações, o poder e o controle foram destacados. Ele escolhia vítimas vulneráveis (idosos e mulheres) que dificilmente levantariam suspeitas. Outrossim e não menos importante, Shipman alterou testamentos privados de algumas vítimas para beneficiar-se após o falecimento das mesmas.

“Relatório Shipman” (2005) levou a mudanças profundas na regulamentação médica britânica, incluindo maior controle na prescrição de opioides, implementação de autópsias obrigatórias em casos de mortes suspeitas, criação de um sistema de monitoramento de médicos com histórico problemático.

Comparação entre Allitt e Shipman

Ambos os casos ilustram como indivíduos com acesso privilegiado a medicamentos e a pacientes vulneráveis podem explorar essa confiança para fins homicidas. A psicopatologia por trás de seus crimes—seja transtorno factício, psicopatia ou narcisismo maligno—reforça a necessidade de avaliações psiquiátricas rigorosas em profissionais da saúde e mecanismos de auditoria para prevenir abusos.

Um Pouco de História

A história dos crimes por envenenamento remonta ao século XVIII, quando o uso de substâncias tóxicas para fins homicidas começou a despertar preocupação pública, especialmente na Grã-Bretanha, Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Durante o século XIX, a facilidade de acesso a venenos como arsênico, estricnina e opioides alimentou um medo generalizado, conhecido como “pânico do veneno”, mesmo que os casos reais fossem menos numerosos do que se imaginava (Watson, 2020). Esse temor foi amplificado por julgamentos amplamente divulgados, como os de Mary Blandy na Inglaterra e Edme-Samuel Castaing na França, que chamaram a atenção para a dificuldade de detectar e prevenir esse tipo de crime (Watson, 2020).

Mary Blandy: O Escândalo do Arsênico na Inglaterra (1752)

Mary Blandy tornou-se uma das figuras mais infames da história criminal inglesa devido ao seu envolvimento no envenenamento do próprio pai, Francis Blandy, em 1751. Nascida em uma família de classe média alta em Henley-on-Thames, Mary foi acusada de administrar arsênico ao pai após ser manipulada por seu amante, o capitão William Cranstoun, um nobre escocês que buscava herdar a fortuna da família.

Cranstoun já era casado, mas enganou Mary, prometendo-lhe matrimônio caso seu pai fosse morto. Sob sua influência, Mary começou a adicionar pó branco (que acreditava ser um “pó do amor” para amaciar a resistência paterna) na comida e no chá de Francis Blandy. No entanto, o pó era, na verdade, arsênico, e seu pai começou a apresentar sintomas graves, como vômitos incoercíveis e dores abdominais, vindo a falecer em agosto de 1751.

O caso ganhou enorme repercussão na imprensa britânica da época, não apenas pelo crime em si, mas também por envolver uma mulher de certa posição social. Mary foi presa e julgada em Oxford, onde admitiu ter dado o pó ao pai, mas alegou não saber que era veneno. A defesa argumentou que ela fora uma vítima de Cranstoun, que fugiu para a Escócia, evitando a punição. No entanto, o júri a considerou culpada, e ela foi enforcada em 6 de abril de 1752, tornando-se uma das poucas mulheres executadas na Inglaterra no século XVIII (Watson, 2020).

O caso de Mary Blandy foi emblemático por várias razões:

    1. Na época, a identificação de venenos ainda era primitiva, e o arsênico só foi confirmado após testes rudimentares.

    2. O julgamento foi amplamente divulgado, alimentando o temor público sobre envenenamentos domésticos.

    3. O fato de uma mulher da alta sociedade cometer tal crime chocou todo o país, reforçando estereótipos sobre a “mulher venenosa”.

 

Edme-Samuel Castaing: O Primeiro Caso de Homicídio por Morfina na França (1823)

Enquanto Mary Blandy usou arsênico, o médico francês Edme-Samuel Castaing inovou ao empregar um alcaloide recém-descoberto: a morfina. Seu caso, em 1823, foi o primeiro registrado de homicídio por esse meio, marcando uma nova era na toxicologia forense.

Castaing estudou medicina em Paris e tornou-se amigo de dois irmãos, Auguste e Hippolyte Ballet, herdeiros de uma fortuna considerável. Em 1823, Hippolyte morreu misteriosamente após uma breve doença, e Auguste faleceu pouco depois, sob os cuidados de Castaing. Investigadores descobriram que o médico havia comprado morfina pouco antes das mortes e que ele era o principal beneficiário do testamento de Auguste.

O julgamento de Castaing foi um marco na história forense devido a alguns motivos:

    1. A morfina havia sido isolada apenas em 1805, e seu uso criminoso era desconhecido até então.

    2. Apesar da falta de testes conclusivos, a compra de morfina e os sintomas das vítimas foram usados como evidência.

    3. Castaing foi condenado à guilhotina em 1823, estabelecendo um precedente para futuros casos envolvendo drogas potencialmente letais (Watson, 2020).

 

Legado e Impacto desses casos na Toxicologia Forense

Tanto o caso de Mary Blandy quanto o de Castaing foram fundamentais para o desenvolvimento da toxicologia forense:

    • Blandy expôs a facilidade com que o arsênico podia ser obtido e usado, levando a um maior controle sobre substâncias tóxicas na Inglaterra.

    • Castaing introduziu o desafio de detectar alcaloides em investigações criminais, impulsionando pesquisas científicas nessa área.

Esses casos ilustram como o envenenamento evoluiu de um crime “invisível” para um campo de estudo científico, moldando parte da medicina legal moderna.

O desenvolvimento da toxicologia forense foi impulsionado pela necessidade de identificar venenos em corpos e tecidos humanos. Pioneiros como Mathieu Orfila, Alfred Swaine Taylor e Theodore Wormley desempenharam papéis fundamentais na criação de métodos analíticos, como o teste de Marsh para arsênico, que revolucionou a detecção de substâncias tóxicas (Watson, 2020). Esses avanços permitiram que especialistas fornecessem provas científicas em tribunais, consolidando o papel do perito forense em casos criminais.

De fato, no século XIX, os homicídios por envenenamento atingiram seu pico entre as décadas de 1820 e 1850, representando até 20% dos homicídios conhecidos em alguns países (Watson, 2020). O arsênico era o veneno mais utilizado, seguido por opiáceos e estricnina. No entanto, a partir da segunda metade do século, a incidência desses crimes diminuiu significativamente, graças à regulamentação da venda de substâncias tóxicas, como a Lei do Arsênico de 1851 na Grã-Bretanha, e ao avanço das técnicas de detecção (Watson, 2020).

O Desenvolvimento da Toxicologia Forense Pós-Casos Blandy e Castaing: Uma Revolução Científica e Jurídica

Os casos de Mary Blandy (1752) e Edme-Samuel Castaing (1823) não apenas chocaram a sociedade de suas épocas, mas também expuseram as limitações da medicina legal na detecção de venenos. Esses julgamentos históricos aceleraram o desenvolvimento da toxicologia forense, transformando-a de uma disciplina incipiente em uma ciência rigorosa. A seguir, exploramos os avanços científicos, legais e metodológicos que surgiram após esses casos emblemáticos.

A Era do Arsênico e os Primeiros Testes Químicos (Século XVIII–XIX)

O caso de Mary Blandy evidenciou que o arsênico, um veneno inodoro e insípido, podia ser administrado facilmente sem deixar sinais óbvios. Na época, a detecção dependia de:

    • Sintomas clínicos (vômitos, diarreia, dor abdominal).

    • Exames post-mortem rudimentares (observação de irritação gástrica).

    • Testes primitivos, como o “teste do alho” (o arsênico supostamente exalaria odor de alho quando aquecido), que eram pouco confiáveis.

 

O Teste de Marsh (1836): A Primeira Revolução na Detecção de Arsênico

Em 1836, o químico britânico James Marsh desenvolveu o primeiro método confiável para identificar arsênico em tecidos humanos. O procedimento envolvia:

    1. Digestão ácida do tecido suspeito.

    2. Redução do arsênico a arsina (AsH₃), um gás tóxico.

    3. Decomposição térmica da arsina, formando um “espelho de arsênico” metálico em um tubo de vidro.

Esse teste foi usado pela primeira vez no caso Marie Lafarge (1840), na França, onde uma mulher foi condenada por envenenar o marido com arsênico. O método de Marsh tornou-se padrão em investigações criminais e permaneceu em uso por décadas.

Melhorias no Século XIX: Os Trabalhos de Orfila e Taylor

    • Mathieu Orfila (1787–1853), considerado o “pai da toxicologia forense”, publicou o “Traité des Poisons” (1814–1815), sistematizando os efeitos de venenos minerais, vegetais e animais. Ele também refinou o teste de Marsh, provando que o arsênico podia ser detectado mesmo em corpos em decomposição.

    • Alfred Swaine Taylor (1806–1880), médico britânico, escreveu “On Poisons” (1848), um manual que detalhava testes para arsênico, estricnina e outros venenos comuns. Seu trabalho foi crucial em casos como o de William Palmer (1856), o “Assassino de Rugeley”, que usou estricnina para matar múltiplas vítimas.

 

O Caso Castaing e o Desafio dos Alcaloides (Século XIX) – A Morfina e a Necessidade de Novas Técnicas

O uso de morfina por Castaing revelou uma lacuna crítica: venenos orgânicos (como alcaloides) não podiam ser detectados pelos métodos existentes. Isso levou a:

    • Isolamento de alcaloides: Friedrich Sertürner isolou a morfina em 1805, mas só décadas depois surgiram técnicas para identificá-la em cadáveres.

    • Método de Stas (1850): O químico belga Jean Servais Stas desenvolveu um procedimento para extrair alcaloides (como nicotina e morfina) de tecidos humanos usando solventes orgânicos e precipitação ácida.

    • Microscopia forense: No final do século XIX, microscópios permitiram a identificação de cristais de venenos em amostras biológicas.

    • Espectroscopia: Técnicas como espectroscopia de absorção (usada por Theodore Wormley nos EUA) ajudaram a diferenciar alcaloides semelhantes.

 

A Toxicologia no Século XX: Da Química Clássica à Análise Instrumental – Regulamentação e Controle de Substâncias Tóxicas

Após outros casos de envenenamentos no século XIX, governos implementaram leis para restringir o acesso a venenos, tais como:

    • Arsenic Act (1851, Reino Unido): Exigiu registro de compradores de arsênico.

    • Pure Food and Drug Act (1906, EUA): Combateu adulteração de alimentos e medicamentos.

    • Dangerous Drugs Act (1920, Reino Unido): Controlou opióides e cocaína.

 

Técnicas Modernas (Século XX–XXI)

    1. Cromatografia (décadas de 1950–60):

Cromatografia em camada delgada (TLC) permitiu separar e identificar múltiplos compostos.

Cromatografia gasosa (GC) e espectrometria de massa (GC-MS) revolucionaram a detecção de drogas e venenos.

    1. Imunoensaios (1970s):

Testes como ELISA permitiram rastrear traços de substâncias em fluidos corporais.

    1. Toxicogenômica (Século XXI):

Análise de DNA e biomarcadores para determinar susceptibilidade às toxinas.

Casos Modernos e o Futuro da Toxicologia Forense – Exemplos de Casos que Moldaram a Prática Atual

Harold Shipman (Reino Unido, 1998): Médico que matou mais de 200 pacientes com overdoses de morfina. Sua condenação dependeu de análises toxicológicas retrospectivas.

Alexander Litvinenko (2006): Envenenamento com polônio-210, detectado por espectrometria de massa de alta sensibilidade.

De Blandy e Castaing à Ciência de Precisão

Os casos de Mary Blandy e Edme-Samuel Castaing foram catalisadores para a toxicologia forense, expondo falhas e incentivando inovações. Hoje, a disciplina combina química, biologia molecular e tecnologia de ponta para resolver crimes que, no passado, ficaram impunes. A evolução desde os primitivos testes de arsênico até a espectrometria de massa ilustra como a ciência forense continua a se adaptar aos desafios do crime moderno.

Homicídios por Envenenamentos: Algo Raro para Investir em Pesquisas?

Atualmente, os homicídios por envenenamento são considerados raros, representando uma pequena fração dos crimes violentos. Dados indicam que, nos Estados Unidos, por exemplo, menos de 1% dos homicídios são cometidos por envenenamento (Trestrail, 2007). A maioria dos casos modernos envolve profissionais da saúde ou familiares, com vítimas frequentemente sendo crianças ou idosos (Farrell, 2018). Além disso, a toxicologia forense moderna expandiu-se para incluir drogas sintéticas e substâncias químicas complexas, embora os venenos clássicos ainda possam ser utilizados em casos isolados (Trestrail, 2007).

Apesar da baixa incidência, o envenenamento continua a ser um desafio para a investigação forense, pois muitos casos podem passar despercebidos devido à dificuldade de detecção. A vigilância médica e a conscientização pública permanecem essenciais para identificar e prevenir esses crimes (Watson, 2020). Assim, a história dos envenenadores não apenas reflete a evolução da ciência forense, mas também destaca a importância contínua da toxicologia na justiça criminal.

Palavras Finais

Os casos de Beverley Allitt e Harold Shipman representam apenas a ponta do iceberg quando analisamos o fenômeno do envenenamento criminal ao longo da história. Desde a antiguidade, quando venenos como o arsênico eram chamados de “pó da sucessão” por seu uso em assassinatos políticos, até os crimes sofisticados cometidos por profissionais da saúde na era moderna, os envenenadores sempre se destacaram por sua capacidade de agir nas sombras, explorando a confiança e a vulnerabilidade de suas vítimas.

A análise de perfil psiquiátrico dos casos contemporâneos revela padrões preocupantes, tais como:

    • Aproveitamento de posições de confiança (médicos, enfermeiros, cuidadores)

    • Seleção criteriosa de vítimas vulneráveis (idosos, crianças, pacientes graves)

    • Uso de conhecimento especializado para camuflar os crimes

    • Frieza emocional e ausência de remorso, frequentemente associada a transtornos de personalidade

Muitas vezes, o interesse financeiro é o principal motivador para a prática do envenenamento; todavia, não podemos nos esquecer de outros motivadores fortes como a necessidade do controle e do poder e, também, a vingança. Tudo é muito bem disfarçado em um jogo pérfido em que a(s) vítima(s) mal percebe(m) a intenção infida do envenenador.

Referências

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Cleveland, F. P. (1958). The psychology of criminal poisoning. Journal of Forensic Science, 3(2), 45-52.

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Dietz, P. E. (1988). Homicide by poisoning: A review. Behavioral Sciences & the Law, 6(3), 375-386.

Emsley, J. (2005). The Elements of Murder: A History of Poison. Oxford University Press.

Farrell, M. (2018). Criminology of Serial Poisoners. Palgrave Macmillan.

Gaillard, Y. (2021). Forensic Toxicology: Past, Present, and Future. Forensic Science International.

Holstege, C. P., et al. (2010). Criminal poisoning: Investigational guide for law enforcement, toxicologists, and forensic scientists. Humana Press.

Invis, J., & Jensen, K. (2004). Toxicology in criminal investigations. Forensic Science International, 144(1), 1-10.

Pinbee, R. (2006). The motives of criminal poisoners. Journal of Criminal Psychology, 12(4), 567-580.

Tarant, E. (2014). A review of the functions and motives for criminal poisoning. University of Surrey.

Trestmill, L. (2007). Forensic awareness in criminal poisoners. Criminal Behavior and Mental Health, 17(5), 321-335.

Trestrail, J. H. (2007). Criminal Poisoning: Investigational Guide for Law Enforcement, Toxicologists, Forensic Scientists, and Attorneys (2ª ed.). Humana Press.

Watson, K. D. (2020). Poisoning crimes and forensic toxicology since the 18th century. Academic Forensic Pathology, 10(1), 35-46. 

Westwer, D., et al. (2004). Demographics of poisoners: A meta-analysis. Journal of Forensic Psychiatry, 15(2), 201-215.

Yonder, K., et al. (2006). Poisoning in healthcare settings: A case study analysis. The Lancet, 368(9535), 567-573.

 

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