O tema tem assustado as famílias há algum tempo, mas ganhou novo destaque com o sucesso da série Adolescência, da Netflix. Psiquiatra explica o que os pais precisam saber sobre o assunto e como proteger crianças e adolescentes
Porém, a proposta que era positiva foi apropriada por um grupo predominantemente masculino, que acabou adotando uma visão extremista, misógina e, muitas vezes, violenta. Os incel acreditam que a sociedade privilegia poucos homens, aqueles que são considerados atraentes, por uma questão sexual. Eles atribuem até um nome a essas pessoas, que seriam os homens musculosos, bonitos e altos: são os “Chads”. Esses homens são os únicos escolhidos por um grupo de mulheres, que eles convencionaram chamar de “Stacys”.
“Os incel, frequentemente, culpam essas mulheres e a sociedade moderna pela própria exclusão sexual e romântica, adotando uma visão niilista, repetitiva, conhecida como black pill”, explica Baltieri. Segundo esse conceito, a atratividade física e o sucesso romântico são determinados geneticamente e, portanto, são imutáveis. “Essa ideologia é marcada, então, por sentimentos de raiva, ressentimento, desesperança, isolamento, ostracismo. Em alguns casos, pode levar à radicalização e a comportamentos grupais. Quando crimes ocorrem devido a essa radicalização, são chamados crimes de ódio por motivação”, afirma o psiquiatra.
Foi justamente a radicalização que deturpou o discurso inicial dos incel, tornando-o tão perigoso. As ideias estão frequentemente por trás de atos bárbaros e violentos. Segundo o psiquiatra, é como um fanatismo. “Essa parte do grupo passou a adotar discurso de ódio misógino, homofóbico e, em alguns casos, racista”, diz. “A identificação com esse termo pode levar os indivíduos a internalizarem uma visão de mundo extremamente pessimista e distorcida, e é vista como uma forma de resistência ou mesmo de vingança contra um sistema, que os incel acreditam estar inferiorizando-os, domesticando-os negativamente e oprimindo-os”, acrescenta.
Perigo na palma da mão
Na série, um dos pontos mais impressionantes é notar como o contato com esse tipo de cultura pode ser silencioso para as famílias. Os discursos são distribuídos e se fortalecem pela internet, em redes sociais e fóruns online. Enquanto a família acredita que a criança ou o adolescente está seguro, no quarto, ele está sozinho em um mundo sombrio e perverso.
Baltieri conta que, ao analisar exemplos de conteúdo desta corrente, percebe uma certa sensação de orgulho em pertencer a tais grupos. “Eles se sentem massacrados, isolados, vilipendiados devido a uma estrutura social atualmente não patriarcal”, aponta. E nem é preciso se esforçar tanto para cair nessa corrente. “Mesmo alguns ritmos de recomendação dessas plataformas online podem expor os adolescentes a vídeos e postagens que promovem as ideologias extremistas, normalizando o ódio, a vingança e a misoginia. O impacto na vida e na formação dos adolescentes pode ser significativo”, afirma o psiquiatra.
A partir da exposição a essas ideologias, os jovens podem internalizar crenças distorcidas sobre relacionamentos, autoestima, gênero e diversidade. “Os adolescentes que já se sentem isolados, rejeitados, excluídos, podem ser particularmente vulneráveis a essas narrativas de ódio, misoginia e vitimização, que pode agravar sentimentos de depressão, ansiedade e desesperança. Em casos extremos, isso pode levar à radicalização e à adoção de comportamentos violentos grupais ou estimulados pelo grupo”, aponta o médico.
Como proteger seu filho?
Além do diálogo aberto, é importante ficar de olho no seu filho e supervisionar as atividades, zelando pela segurança fora das redes, mas dentro delas também. “Para proteger as crianças e os adolescentes dos impactos negativos da cultura incel, é essencial uma abordagem bastante ampla, que chamamos de multifacetada”, diz o psiquiatra. Aqui, ele aponta alguns dos pontos fundamentais.
- O tema da cultura incel e dos perigos da internet deve, sim, ser abordado por iniciativa dos pais, de forma aberta, sem julgamento. É importante criar um ambiente seguro e amistoso ao mesmo tempo, em que os filhos se sintam à vontade para falar sobre suas esperanças, suas dúvidas, seus medos, sua autoestima, sua autoimagem, explorar dúvidas sobre os relacionamentos e sobre a própria sexualidade, entre outros. Você pode iniciar a conversa perguntando o que seu filho sabe sobre o tema incel e outros e se ele já foi exposto a conteúdos relacionados ao extremismo. Lembre-se: os pais devem saber que estão sendo ouvidos, mas também precisam ouvir. É uma estrada de mão dupla e não de mão única.
- É essencial que os pais eduquem os filhos sobre a importância do respeito mútuo, da igualdade de opinião, da importância, da diversidade e da rejeição de qualquer tipo de discurso de ódio. Os pais também devem falar sobre os perigos de qualquer radicalização e sobre a importância de questionar as fontes de informação e as ideologias extremistas.
- Nada de quartos fechados por horas e de tela de computador sem vigilância constante. Os pais devem estar cientes do que os filhos consomem online e, se necessário, utilizar ferramentas de controle social para limitar o acesso a conteúdo prejudicial. Mas tudo isso sempre deve ser feito de forma transparente, para não criar um ambiente de desconfiança ou mesmo de rusgas.
- Pais, educadores, professores, enfim, devem promover conversas abertas sobre relacionamentos saudáveis, autoestima e autoimagem. Alguém que se acha feio ou inferior geneticamente, na verdade, não é. A pessoa pode ser diferente de umas, semelhante a outras, mas não existe inferioridade – e é importante que os adolescentes saibam disso.
- Encoraje seu filho a participar de atividades sociais, atividades comunitárias, atividades físicas e tudo o que possa ajudá-lo a construir relacionamentos saudáveis e a se sentir conectado. Ter uma rede de apoio emocional real – e não apenas virtual – é crucial para prevenir isolamento, solidão e insegurança.
- Atenção à saúde mental! Se os pais percebem que os filhos estão lutando com sentimentos de depressão, ansiedade, tristeza, rejeição, é urgente procurar ajuda profissional. Psiquiatras e psicólogos podem oferecer suporte emocional e estratégias para lidar com os sentimentos de forma saudável e equilibrada, melhorando a qualidade de vida, impedindo consequências danosas.
Atendimento – Consultório
Telefone: 0 XX 11 3120-6896
E-mail: dbaltieri@uol.com.br
Endereço: Avenida Angélica, 2100. Conjunto 13
Condomínio Edifício da Sabedoria
CEP: 01228-200, Consolação – São Paulo

Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.