Os distúrbios do movimento, como é o caso da chamada Distonia, induzidos por substâncias apresentam-se em diferentes formas pato-plásticas e podem ser causados por várias substâncias psicoativas (drogas de abuso) e medicamentos psicotrópicos.
Os tipos de medicamentos mais comumente associados com distúrbios do movimento são os medicamentos bloqueadores dos receptores da dopamina, em especial os antipsicóticos (principalmente aqueles de primeira geração). No entanto, medicações antipsicóticas mais modernas, certos antieméticos que bloqueiam os receptores de dopamina, estimulantes e certos antidepressivos também podem induzir movimentos involuntários anormais. Dentre as substâncias psicoativas de abuso, podemos apontar várias que podem provocar distonia e outros tipos de movimentos involuntários anormais (Distonia, Discinesia, Discinesia Tardia, Acatisia, Sintomas Parkinsonianos, Tiques), tais como o Fentanyl (Heroína Rosa), a Cetamina (Key, Special Key), o GHB ou Ácido Gama-Hidróxi Butírico (Gi), a Cocaína (principalmente quanto misturada com álcool etílico), a Metanfetamina (Crystal) dentre outras.
Considerando o escopo deste artigo que versa sobre o Fentanyl ou a Heroína Rosa, devemos repisar que o uso recreativo do Fentanyl é quase uma sentença de sequelas futuras e morte. Afirmo isso, até de forma dramática, para enfatizar o seu alto potencial para causar síndrome de dependência ou mesmo overdose com alto risco de vida.
A seguir estão estatísticas sobre o uso indevido do Fentanyl de acordo com the American Addiction Centers (2022):
- Mais de 150 pessoas morrem todos os dias devido às overdoses relacionadas com opioides sintéticos, como o Fentanyl
- Aproximadamente 991.000 pessoas com 12 anos ou mais usaram indevidamente Fentanyl prescrito em 2022. Este número não inclui os indivíduos que usaram indevidamente Fentanyl fabricado ilicitamente ou aqueles que o misturaram com outras substâncias, como a heroína
- Em 2021, houve quase 123.000 visitas ao departamento de emergência relacionadas a problemas com o uso do Fentanyl nos EUA
- Desde 2018, o número de crimes de tráfico de Fentanyl aumentou 460,7%.
O Fentanyl não precisa ser injetado. Pode ser fumado, tomado na forma de cápsulas ou mesmo usado como colírio. Apesar de ser uma substância fabricada nos anos 60, o seu ressurgimento, no corrente momento, como mais uma periculosa droga de abuso coloca-nos TODOS sob alerta.
Alguns dos Movimentos Involuntários Anormais (no caso, induzido pelo uso de medicamentos e/ou drogas de abuso):
Os sintomas de movimentos involuntários anormais podem ser focais em uma parte específica do corpo, afetar um lado do corpo ou ser generalizados por todo o corpo. Os distúrbios do movimento induzidos por drogas podem às vezes, mas nem sempre, ser aliviados com a interrupção do consumo da droga. Indivíduos com quadros de ansiedade e/ou de depressão estão em maior risco no desenvolvimento de tais quadros, especialmente se estiverem fazendo uso de medicações prescritas com potencial para a causação do problema.
Abaixo, comento brevemente sobre três dos vários tipos de movimentos involuntários anormais:
- Distonia Aguda: A distonia aguda, às vezes chamada de reação distônica aguda, pode ocorrer horas ou dias após a exposição a uma substância psicoativa. A distonia aguda geralmente inclui movimentos involuntários da face, olhos, mandíbula, língua, pescoço, tronco e, às vezes, membros.A apresentação típica da reação distônica aguda inclui:
• Cabeça inclinada para trás ou para o lado com protrusão da língua
• Abertura forçada da boca
• Tronco arqueado
• Olhos voltados para cima ou para os lados (crise oculógira) - Distonia Tardia: Este quadro ocorre após o uso prolongado (geralmente, mais do que três meses) de substâncias psicoativas com potencial para indução de síndromes distônicas. O quadro pode afetar todas as idades e tende a progredir, mais intensamente em adolescentes e adultos jovens. A distonia em adultos tende a permanecer focada em uma área específica do corpo, em vez de envolver várias partes do corpo. A distonia tardia focal geralmente afeta os músculos faciais, muitas vezes acompanhada por acatisia (sensação subjetiva de inquietação psicomotora).Os sintomas mais comuns da distonia tardia incluem:
• Cabeça inclinada para trás (retrocolis)
• Tronco arqueado
• Rotação interna dos braços, extensão do cotovelo, flexão do punho
• Movimentos bruscosEsses sintomas costumam diminuir com o movimento voluntário, como caminhar.
- Discinesia Tardia: As discinesias tardias são movimentos involuntários de espasmos ou contorções, geralmente afetando a face, a boca e a língua. Os sintomas podem incluir estalar os lábios, movimentos de mastigação e movimentos da língua. Isso pode causar problemas de mastigação, fala, deglutição e odontológicos. A respiração às vezes é afetada dependendo da natureza dos movimentos. Os membros e o tronco são menos comumente afetados. As discinesias tardias também podem ser acompanhadas por sentimentos de inquietação subjetiva (acatisia). O indivíduo pode realizar movimentos repetidos na tentativa de aliviar o desconforto.As discinesias tardias estão normalmente associadas ao uso de medicamentos bloqueadores dos receptores de dopamina por pelo menos três meses, incluindo antipsicóticos de primeira e de segunda geração e medicamentos antieméticos.Os sintomas são inicialmente leves e progridem com o tempo. Os sintomas podem ser mais perceptíveis para familiares e espectadores do que para o paciente. Os sintomas podem diminuir durante o sono. As síndromes tardias tendem a persistir e podem tornar-se permanentes. Os sintomas podem ocorrer enquanto o indivíduo está tomando os medicamentos ou após interrompê-los.
Os fatores de risco para discinesias tardias incluem idade avançada, sexo feminino, transtornos de humor pré-existentes, distúrbios cognitivos, histórico de abuso de substâncias, diabetes e outros fatores, incluindo dose mais elevada ou uso prolongado de antipsicóticos e tratamento com antipsicóticos de primeira geração.
- Distonia Aguda: A distonia aguda, às vezes chamada de reação distônica aguda, pode ocorrer horas ou dias após a exposição a uma substância psicoativa. A distonia aguda geralmente inclui movimentos involuntários da face, olhos, mandíbula, língua, pescoço, tronco e, às vezes, membros.A apresentação típica da reação distônica aguda inclui:
Fentanyl (Heroína Rosa)
Trata-se de um opioide sintético usado em procedimentos anestésicos. A Distonia induzida pelo Fentanyl na comunidade de usuários de drogas injetáveis tem sido relatada por médicos que atendem emergências clínicas em vários hospitais ao redor do mundo. Por vezes, entre usuários do Fentanyl, as distonias ocorrem nas ruas e são notadas por transeuntes que testemunham os sintomas, como o chamativo arqueamento do tronco.
Relatórios médicos e paramédicos têm incluído descrições de cerramento da mandíbula e dos punhos, rigidez do tórax ou tronco (interferindo na respiração) e rigidez dos dedos.
A rigidez muscular induzida pelo Fentanyl está bem documentada no contexto da indução anestésica em ambientes hospitalares adultos e pediátricos e foi relatada durante procedimentos broncoscópicos. É caracterizada pela rigidez dos músculos do tronco, pescoço e mandíbula após a injeção de Fentanyl ou outros opioides sintéticos lipossolúveis como Acetilfentanyl, Alfentanyl e Sufentanyl. Espasmos laríngeos ocorrem em 50% a 100% dos casos de rigidez muscular induzida por Fentanyl, dependendo da dose e da taxa de injeção. Foram relatadas diminuição da complacência torácica e incapacidade de abrir a boca. O início dos sintomas ocorre mais comumente dentro de segundos a minutos após a administração do Fentanyl mas pode demorar mais (horas) (Buxton, Gauthier, Kinshella, & Godwin, 2018).
Os mecanismos subjacentes à produção de movimentos anormais aparentemente induzidos por opioides não estão totalmente elucidados. Sabe-se que o estriado, o principal núcleo de entrada dos gânglios da base, é recheado com vários receptores opioides que desempenham um papel crucial não apenas na recompensa e, consequentemente, na formatação da Dependência Fisiológica, mas também no controle motor. Os receptores opioides pós-sinápticos mu, kappa e delta localizados no corpo estriado regulam a função dos neurônios espinhais médios através de um mecanismo de feedback negativo, e os receptores opioides pré-sinápticos dos terminais dos neurônios do estriado parecem inibir a liberação de dopamina; juntos, eles levam a um efeito inibitório sobre a transmissão dopaminérgica. Dito isso, foi já demonstrado que a morfina, um agonista do receptor mu, inibe a liberação da dopamina no estriado in vitro e experimentos usando tecido cerebral de ratos mostraram que os efeitos inibitórios dos opioides na liberação de dopamina dos neurônios estriatais são mediados por receptores kappa pré-sinápticos. Finalmente, tomando como exemplo a Doença de Parkinson, onde a transmissão dopaminérgica basal é alterada, medicamentos como o Fentanyl que atuam nos receptores opioides podem desencadear piora grave do tremor, rigidez e bradicinesia e induzir distonia (Iselin-Chaves, Grötzsch, Besson, Burkhard, & Savoldelli, 2009).
O tratamento deve ser o mais precoce possível. A boa notícia, apesar de todas as mazelas reportadas, é que existem formas de tratamento eficaz; a má notícia é que a busca pelo tratamento é baixa.
Referências Buxton, J. A., Gauthier, T., Kinshella, M. W., & Godwin, J. (2018). A 52-year-old man with fentanyl-induced muscle rigidity. CMAJ, 190(17). Iselin-Chaves, I. A., Grötzsch, H., Besson, M., Burkhard, P. R., & Savoldelli, G. L. (2009). Naloxone-responsive acute dystonia and parkinsonism following general anaesthesia. Anaesthesia, 64(12), 1359-1362.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.