Assassinos Sexuais de Crianças – Parte II

Das Narrativas Sensacionalistas às Narrativas Neutras

Introdução

O papel e a influência da mídia na divulgação de casos de assassinos sexuais de crianças são temas complexos e profundamente impactantes, tanto para a sociedade quanto para a formação de políticas públicas. A mídia, como principal fonte de informação para grande parte da população, tem o poder de moldar percepções, influenciar opiniões e até mesmo direcionar ações legislativas. No entanto, quando a cobertura midiática se concentra em casos sensacionalistas e raros, ela pode perpetuar estereótipos distorcidos e alimentar um pânico moral que nem sempre reflete a realidade dos crimes sexuais.

A relação entre a mídia e o pânico moral em torno de crimes sexuais já foi amplamente discutida por autores como Cohen (1972), que definiu o fenômeno como uma reação desproporcional da sociedade a uma suposta ameaça aos valores sociais. No contexto de crimes sexuais contra crianças, a mídia frequentemente destaca casos extremos e chocantes, como sequestros ou assassinatos cometidos por estranhos, embora estatísticas demonstrem que a maioria dos crimes sexuais envolve perpetradores conhecidos das vítimas (Snyder, 2000). Por exemplo, estudos indicam que apenas 13,8% dos crimes sexuais contra crianças são cometidos por estranhos, enquanto a grande maioria é perpetrada por familiares ou conhecidos (Snyder, 2000). Essa discrepância entre a realidade e a narrativa midiática contribui para uma visão distorcida do perigo representado por “predadores sexuais”, ignorando a complexidade e a diversidade dos casos reais.

A cobertura sensacionalista da mídia também tende a reforçar a ideia de que os criminosos sexuais são um grupo homogêneo e intratável, o que pode levar a políticas públicas excessivamente punitivas e ineficazes. Por exemplo, leis que restringem a residência de criminosos sexuais próxima a locais frequentados por crianças, como escolas e parques, são amplamente apoiadas pelo público, embora pesquisas demonstrem que tais medidas têm pouco impacto na redução da reincidência (Calkins et al., 2014; Levenson et al., 2007). Essas leis, muitas vezes implementadas após casos amplamente divulgados pela mídia, baseiam-se na suposição equivocada de que criminosos sexuais buscam vítimas em locais públicos, quando, na realidade, a maioria dos crimes ocorre em ambientes privados (Colombino & Mercado, 2009).

Além disso, a mídia desempenha um papel crucial na formação de atitudes públicas em relação aos criminosos sexuais. Estudos mostram que indivíduos expostos a notícias sensacionalistas tendem a superestimar as taxas de reincidência e subestimar a eficácia do tratamento (Simeone, 2018). Por exemplo, participantes de um estudo que foram expostos a reportagens sensacionalistas acreditaram que 62% dos criminosos sexuais reincidem, enquanto a taxa real é de aproximadamente 13,7% (Hanson & Morton-Bourgon, 2005). Essa distorção pode levar a um apoio público a políticas mais duras, mesmo quando evidências mostram que elas são ineficazes ou até contraproducentes, como no caso das restrições de residência, que podem aumentar o isolamento social e a instabilidade financeira dos criminosos, fatores associados a um maior risco de reincidência (Jeglic et al., 2012).

A influência da mídia não se limita apenas às percepções individuais, mas também afeta a dinâmica social e política. A pressão pública gerada por coberturas midiáticas emocionais pode levar legisladores a adotar medidas populistas, como leis de notificação comunitária ou monitoramento eletrônico, sem considerar suas consequências negativas (Mancini et al., 2010). Por exemplo, a Lei Megan (1996), citada mais uma vez nesse livro, que exige a divulgação pública de informações sobre criminosos sexuais, foi implementada após um caso amplamente divulgado pela mídia, apesar da falta de evidências robustas sobre sua eficácia na prevenção de crimes (Zgoba & Levenson, 2012).

No entanto, nem toda cobertura midiática é prejudicial. Pesquisas indicam que notícias baseadas em informações empíricas e contextualizadas podem contribuir para atitudes mais equilibradas em relação aos criminosos sexuais (Malinen et al., 2014). Por exemplo, participantes expostos a reportagens que destacavam a diversidade de perfis entre criminosos sexuais e as taxas reais de reincidência mostraram-se menos propensos a apoiar políticas punitivas extremas (Simeone, 2018). Isso sugere que a mídia tem o potencial de educar o público e promover discussões mais informadas sobre o tema.

De fato, a mídia desempenha um papel ambivalente na divulgação de casos de assassinos sexuais de crianças. Por um lado, a sua tendência ao sensacionalismo pode alimentar pânicos morais, distorcer percepções e incentivar políticas ineficazes. Por outro, quando baseada em dados e contextualização, a cobertura midiática pode ser uma ferramenta poderosa para informar o público e promover respostas mais equilibradas e eficazes ao problema. Portanto, é essencial que os jornalistas e os veículos de comunicação adotem uma abordagem responsável, priorizando a precisão e a contextualização em detrimento do sensacionalismo. Além disso, é crucial que o público busque fontes diversificadas de informação e que os legisladores baseiem suas decisões em evidências científicas, e não apenas na pressão emocional gerada por casos isolados.

A Mídia e a Construção Social do “Monstro”: Análise da Representação de Agressões Sexuais

Como já repisado, a mídia exerce um papel fundamental na construção da opinião pública sobre crimes e criminosos, particularmente em casos de homicídio sexual. A forma como esses agressores são retratados influencia a percepção da sociedade em relação à natureza desses atos, às vítimas e às medidas punitivas consideradas apropriadas (Ferrell & Websdale, 1999). A linguagem sensacionalista e a utilização de estereótipos são recursos frequentemente empregados na descrição desses criminosos, com rótulos como “monstros”, “predadores” e “pervertidos” (DiBennardo, 2018).

Essa representação tende a desumanizar os agressores, obscurecendo as complexidades psicológicas e sociais subjacentes a seus atos (Kincaid, 1998). Ao enfatizar casos extremos e violentos, a mídia pode criar uma percepção distorcida da prevalência e das características dos agressores sexuais, alimentando o medo e a ansiedade na população (Greer, 2012). DiBennardo (2018) demonstra que o sensacionalismo sobre agressores sexuais cria uma cultura que justifica a violência retaliatória e pune aqueles que cometeram crimes violentos.

A mídia também desempenha um papel na construção de hierarquias de vítimas, priorizando certos grupos (como crianças) em detrimento de outros (como mulheres adultas) (Meyers, 1996). Essa seletividade na cobertura pode reforçar estereótipos de gênero e idade, influenciando a forma como a sociedade percebe a vulnerabilidade e a responsabilidade das vítimas (Anastasio & Costa, 2004).

A utilização de termos como “monstro” ou “predador” na descrição dos agressores sexuais pode ter consequências significativas. Essa linguagem contribui para a estigmatização e marginalização desses indivíduos, dificultando a sua reintegração social e, potencialmente, aumentando o risco de reincidência (Douard, 2008). Além disso, essa representação simplista e polarizada pode obscurecer a complexidade do fenômeno da violência sexual, dificultando a implementação de medidas preventivas eficazes (Levine, 2006).

As representações midiáticas dos agressores sexuais não são neutras ou objetivas. São construções sociais que refletem e reforçam valores culturais e ideologias dominantes (Hartley, 2013). Ao analisar criticamente essas representações, podemos entender melhor como a mídia contribui para a estigmatização e a marginalização dos agressores sexuais, bem como para a perpetuação de mitos e preconceitos sobre a violência sexual (Jewkes, 2015).

É essencial que a mídia adote uma abordagem mais responsável e ética na cobertura de casos de agressão sexual, evitando o sensacionalismo e os estereótipos. Em vez de rotular os agressores como “monstros”, é importante explorar as causas subjacentes à violência sexual, bem como as estratégias de prevenção e intervenção que podem ser eficazes. Ao fazer isso, a mídia pode contribuir para uma compreensão mais profunda e matizada desse problema social complexo, promovendo a justiça e a segurança para todos.

A Influência dos Epítetos Sobre os Processos para Tratamento e Reinserção Social

A influência dos epítetos sobre os processos de tratamento e reinserção social de indivíduos que cometeram crimes sexuais é um tema crítico. A linguagem utilizada pela mídia e pela sociedade para descrever esses indivíduos, como “monstros”, “predadores” ou “pervertidos”, não apenas molda a percepção pública, mas também impacta diretamente as políticas de reintegração e as oportunidades de reabilitação (DiBennardo, 2018). Esses rótulos, ao desumanizarem os agressores, reforçam estereótipos que dificultam a distinção entre o ato criminoso e a identidade do indivíduo, perpetuando um ciclo de estigmatização e exclusão social (Douard, 2008).

Estudos demonstram que a utilização de epítetos sensacionalistas está associada a atitudes públicas mais punitivas e menos favoráveis à reintegração (Harris & Socia, 2016). Por exemplo, termos como “pedófilo” ou “assassino sexual” evocam imagens de perigo iminente e intratabilidade, levando a uma superestimação do risco de reincidência e a uma subestimação da eficácia do tratamento (Imhoff, 2015). Essa dinâmica influencia a criação de políticas restritivas, como leis de notificação comunitária e restrições residenciais, que, embora populares, muitas vezes falham em reduzir a reincidência e podem até aumentar o isolamento social desses indivíduos (Jeglic et al., 2012).

A reinserção social bem-sucedida depende de fatores como acesso a moradia estável, emprego e redes de apoio social (Göbbels et al., 2012). No entanto, a estigmatização gerada por epítetos negativos cria barreiras práticas e psicológicas. Empregadores e proprietários de imóveis, por exemplo, tendem a rejeitar indivíduos rotulados como “criminosos sexuais”, limitando suas chances de reconstruir uma vida produtiva (Levenson et al., 2007). Além disso, o uso contínuo desses rótulos pode internalizar uma identidade negativa nos próprios indivíduos, dificultando seu processo de desistência do crime (Maruna & LeBel, 2010).

Programas como os Círculos de Apoio e Responsabilidade (CoSA) destacam a importância de uma linguagem neutra e humanizadora. Ao se referirem aos participantes como “membros centrais” em vez de “criminosos sexuais”, esses programas promovem uma abordagem focada na responsabilização e no apoio, ao invés de tão somente na punição (Willis et al., 2010). Pesquisas mostram que essa abordagem está associada a taxas mais baixas de reincidência e a uma maior integração comunitária (Wilson et al., 2009).

A mídia desempenha um papel crucial nesse contexto. Notícias que substituem epítetos sensacionalistas por descrições neutras, como “pessoas que cometeram crimes sexuais”, podem contribuir para atitudes públicas mais equilibradas (Malinen et al., 2014). Da mesma forma, profissionais da área jurídica e terapêutica devem adotar uma linguagem que separe o indivíduo do seu crime, enfatizando sua capacidade de mudança e reabilitação (Willis, 2018).

A escolha das palavras não é trivial. Epítetos carregados de emoção perpetuam estigmas que impedem a reintegração e aumentam o risco de reincidência. Uma abordagem baseada em evidências, que priorize a linguagem neutra e o apoio comunitário, é essencial para promover justiça e segurança pública de forma eficaz e humana.

Método

Abaixo, descreveremos brevemente 10 casos que receberam apelidos, epítetos ou alcunhas midiáticos e verificaremos formas de contornar essas formulações e/ou atribuições sensacionalistas. Os casos foram extraídos de fontes como Wikipedia e Murderpedia.

Casos Midiaticamente Conhecidos de Assassinos Sexuais de Crianças

Caso 1.

Andrei Romanovich Chikatilo (1936–1994), apelidado “O Açougueiro de Rostov”, foi um serial killer soviético condenado por pelo menos 52 assassinatos entre 1978 e 1990. Suas vítimas, em sua maioria crianças e adolescentes de ambos os sexos, eram atraídas perto de estações de trem ou paradas de ônibus na região de Rostov, ultrajadas sexualmente, esfaqueadas e estranguladas. Chikatilo também mutilava os corpos, extraindo órgãos genitais e cometendo necrofilia. Foi preso em 1990, julgado e executado por fuzilamento em 1994.

Caso 2.

Robert Black (1947–2016) era um motorista de ônibus escocês que, entre 1981 e 1986, sequestrou e assassinou pelo menos quatro meninas, com idades entre 5 e 11 anos, na Escócia, Irlanda do Norte e Inglaterra. Ele atraía as vítimas dizendo que as levaria para ver filhotes de coelho, mas as inscrevia em aulas fictícias, estrangulava-as e as estuprava antes de deixar os corpos em áreas isoladas. Condenado em 1994, passou o restante da vida na prisão até morrer de ataque cardíaco.

Caso 3.

Conhecido como “O Monstro dos Andes”, Pedro Alonso López (n. 1948) confessou o assassinato de mais de 300 meninas na Colômbia, Equador e Peru entre 1969 e 1980, com idades entre 9 e 12 anos. Ele atraía garotas de comunidades vulneráveis, violentava-as sexualmente e depois estrangulava-as ou esfaqueava-as. Em 1980 foi preso na Colômbia, condenado a 16 anos de prisão, libertado em 1998 por bom comportamento e recapturado em 2020 no Equador, onde ainda aguarda julgamento.

Caso 4.

Albert Fish (1870–1936), apelidado “O Vampiro Cinzento” ou “O Homem Cinza”, foi um serial killer e canibal norte-americano que atacou principalmente crianças entre 1924 e 1932. Ele atraía meninos com cartas e promessas de emprego ou delícias, torturava-os sexualmente, assassinava e consumia partes dos corpos. Fish enviou cartas detalhadas a uma mãe de uma vítima, o que ajudou na sua captura em 1934. Condenado à morte, foi executado na cadeira elétrica em 1936.

Caso 5.

John Wayne Gacy (1942–1994), conhecido como “Palhaço Assassino” (realizava apresentações vestido de palhaço em festas infantis), assassinou pelo menos 33 rapazes e adolescentes entre 1972 e 1978, em Chicago, EUA. Ele atraía suas vítimas com promessas de trabalho ou simplesmente oferecia carona, violentava-as sexualmente, estrangulava e enterrava no porão da sua casa. Preso em 1978, foi condenado à morte e executado por injeção letal em 1994.

Caso 6.

Paul Bernardo e sua esposa Karla Homolka (n. 1970) formaram um casal de assassinos sexuais que atacou e matou três adolescentes (sendo duas irmãs de Karla) em St. Catharines, Ontário, Canadá, entre 1990 e 1992. Bernardo estuprava e torturava as vítimas; Homolka filmava e auxiliava. Bernardo foi condenado à prisão perpétua em 1995; Homolka fez um acordo de confissão (recebeu 12 anos) e foi libertada em 2005.

Caso 7.

Ian Brady (1938–2017) e Myra Hindley (1942–2002) cometeram, entre 1963 e 1965, cinco assassinatos de crianças e adolescentes em Greater Manchester, Inglaterra. Conhecidos como “Os Assassinos de Moors” porque enterravam as vítimas em charnecas, capturavam as crianças com promessas de doces e fotografavam atos de abuso sexual antes de matá-las. Brady recebeu prisão perpétua (morreu na prisão). Hindley também foi sentenciada à prisão perpétua, morrendo atrás das grades.

Caso 8.

Dean Arnold Corll (1939–1973), apelidado “Candy Man” ou “Boogey Man”, atuou em Houston, Texas, onde, entre 1970 e 1973, sequestrou, estuprou e matou ao menos 28 meninos e adolescentes. Ele atraía jovens oferecendo doces, passeios de carro ou mencionando festas. Dois cúmplices, David Brooks e Elmer Wayne Henley, ajudaram nos crimes. Corll foi morto por Henley em 1973; Brooks e Henley foram presos e condenados à prisão perpétua.

Caso 9.

Joseph Christopher Kallinger (1935–1996), alcunhado pela mídia de “o sapateiro”, e seu filho Michael Kallinger cometeram, entre 1974 e 1975, uma série de invasões domiciliares, estupros e assassinatos na Pensilvânia e Nova Jersey, EUA. Misturando violência sexual de menores e adultos, tinham prazer em mutilar as vítimas, entre elas crianças. Joseph tinha um histórico de esquizofrenia; ambos foram presos em 1975. Joseph cumpriu prisão perpétua e morreu na cadeia; Michael recebeu 100 anos de pena.

Caso 10.

Peter Gerard Scully, alcunhado como o “pior pedófilo do mundo” é um criminoso australiano condenado por produzir vídeos de abuso sexual extremo de crianças, incluindo atos de tortura e assassinato de meninas filipinas. Entre 2015 e 2016, coordenou uma rede internacional de exploração infantil, enviava conteúdo criminoso a compradores pagantes e agia pessoalmente na tortura sexual. Preso em 2015 nas Filipinas, foi condenado à prisão perpétua mais 129 anos.

Resultados

Relatório Executivo: Temas nas Frases Extraídas

Foram analisadas as denominações ou epítetos associados a estes assassinos sexuais de crianças, extraídos do Wikipedia e Murderpedia. O objetivo foi identificar padrões semânticos e temáticos nessas frases.

Distribuição de Categorias

A tabela 01 mostra como as frases se distribuem em cinco categorias temáticas.

Tabela 01. Alcunhas Midiáticas e Temáticas Relacionadas

Interpretação dos Temas

Figura Infantil/Lúdica (3): termos que subvertem símbolos do universo infantil, evidenciando a perversão do assassino.

Imagética de Monstro (3): associações a criaturas aterrorizantes, reforçando a animalização da violência.

Metáfora de Carnificina (1): referência direta ao ato sanguinário, destacando o aspecto brutal.

Cor/Desumanização (1): uso da cor cinza como símbolo de frieza e perda de humanidade.

Localização (1): vinculação do crime ao ambiente geográfico, criando identidade espacial.

Descritor de Gravidade (1): Atribuição de gravidade ou severidade pela mídia leiga.

A Figura 01 demonstra de forma mais clara as alcunhas frequentemente utilizadas pelos meios de comunicação (considerando os 10 casos descritos).

Figura 01. Alcunhas Midiáticas

Possíveis Reações Emocionais Públicas às Alcunhas ou Epítetos

Objetivando associar as categorias das Alcunhas ou Epítetos à possíveis reações emocionais do público leigo, desenvolvemos os seguintes passos:

    • Reunimos os dez casos extraídos do documento.

    • Definimos um dicionário que associa cada tema a um impacto emocional (por exemplo, “Imagética de Monstro” → “Medo/Terror”; “Figura Infantil/Lúdica” → “Inquietação/Choque”).

    • Construímos um DataFrame contendo frase, tema e impacto emocional.

    • Calculamos a frequência de cada impacto e plotamos um gráfico de barras para evidenciar quais reações são mais recorrentes.

 

Essa análise revela que as denominações mais frequentes (três cada) evocam predominantemente:

    • Medo/Terror, via imagens monstruosas.

    • Inquietação/Choque, pela subversão de símbolos infantis.

    • As demais categorias (Repulsa, Distanciamento, Estranhamento e Choque/Alarme) surgem com menor frequência, mas cumprem papéis estratégicos no efeito cumulativo de horror e desconforto.

 

A Tabela 02 sintetiza esses achados elusivos.

Tabela 02. Temas dos Epítetos e Reações Emocionais

Para facilitar a visualização do peso de cada reação, geramos a Figura 02 abaixo:

Figura 02. Possíveis Impactos Emocionais diante das Alcunhas e/ou Epítetos Midiáticos

Cada epíteto, ao evocar imagens e símbolos específicos, gera reações emocionais distintas:

Medo/Terror (3 ocorrências)

– “O Açougueiro de Rostov”, “O Monstro dos Andes” e “O Vampiro Cinzento” exploram o imaginário monstruoso, remetendo a bestialidade e violência extrema. Essas denominações intensificam o sentimento de pavor ao transformar o assassino em criatura predatória, afastando-o da humanidade e reforçando o caráter monstruoso dos crimes.

Inquietação/Choque (3 ocorrências)

– “Palhaço Assassino”, “Candy Man” e “Boogey Man” subvertem figuras lúdicas infantis, causando desconforto ao mesclar inocência com violência. A incongruência entre o familiar (brinquedos, doces, palhaços) e o crime brutal gera surpresa e mal-estar, tensionando o leitor.

Repulsa/Desconforto (1 ocorrência)

– “O Homem Cinza” utiliza a desumanização cromática para evocar indiferença fria. A cor cinza simboliza morte e despersonalização, suscitando no leitor uma sensação de aversão e distanciamento emocional.

Distanciamento/Contextualização (1 ocorrência)

– “Os Assassinos de Moors” fixa o crime a um local específico, permitindo ao leitor posicionar-se como observador externo. Esse distanciamento espacial reduz o impacto direto, mas reforça a concretude do cenário dos abusos.

Estranhamento/Intriga (1 ocorrência)

– “O sapateiro” adota uma metáfora ocupacional inesperada, despertando curiosidade e estranhamento. Ao contrastar uma profissão nobre com imagens de violência, provoca-se uma tensão cognitiva que intriga o leitor.

Choque/Alarme (1 ocorrência)

– “Pior pedófilo do mundo” funciona como um superlativo extremo, apelando à gravidade máxima. O hipérbaton amplifica a sensação de urgência e condenação moral, acionando imediatamente uma resposta de alarme.

Em conjunto, estes epítetos articulam estratégias retóricas que alternam entre o horror direto e o desconforto sutil, criando um efeito cumulativo de choque, medo e repulsa. A alternância entre referenciar o monstruoso, o lúdico e o cotidiano amplifica o impacto, pois o leitor oscila entre proximidade e distanciamento, familiaridade e estranhamento, resultando numa experiência emocionalmente carregada.

Sugestões para Reduzir o Sensacionalismo

O objetivo aqui é apresentar de forma consolidada estratégias alternativas de nomeação de perfis de assassinos sexuais de crianças, acompanhadas de exemplos e seus respectivos impactos emocionais.

Epítetos e/ou alcunhas menos emocionais podem colaborar para reações mais racionais e equilibradas, mesmo diante de eventos catastróficos.

Abaixo, sugiro possibilidades para reformular os epítetos e alcunhas usualmente utilizadas pela mídia.

Tabela 03. Estratégias para Uso de Alcunhas para Agressores Sexuais Violentos

Essa sugestão demonstra como diferentes abordagens – que vão de metáforas simbólicas à rotulações mais formais – podem também ser usadas com o público, acionando sensações que variam de mistério e intriga à objetividade.

Discussão

A análise dos casos de assassinos sexuais de crianças e dos epítetos midiáticos associados a eles revela um padrão preocupante: a mídia frequentemente recorre a uma linguagem chamativa e desumanizante, como “monstro”, “predador” ou “vampiro”, para descrever os agressores. Esses termos, embora capturem a atenção do público, distorcem a percepção da realidade, reforçando estereótipos e alimentando um pânico moral que não reflete a complexidade dos crimes sexuais em geral. Como discutido na Introdução, essa abordagem ignora o fato de que a maioria dos crimes sexuais contra crianças é cometida por conhecidos ou familiares, e não por “estranhos monstruosos”. A representação midiática simplista e hiperbólica contribui para a estigmatização dos agressores, dificultando sua reintegração social e perpetuando políticas punitivas ineficazes, como as leis Americanas de restrição residencial, que pouco impactam na redução da reincidência.

Os resultados demonstram que os epítetos midiáticos se enquadram em categorias como “imagética de monstro” e “figura infantil/lúdica”, evocando reações emocionais intensas, como medo, choque e repulsa. Essas reações, por sua vez, influenciam a opinião pública e as políticas de segurança, muitas vezes baseadas em emoções e não em evidências científicas. Por exemplo, termos como “Palhaço Assassino” ou “Candy Man” subvertem símbolos infantis, criando uma dissonância cognitiva que amplifica o horror, mas também desvia a atenção das causas estruturais da violência sexual, como questões psicológicas, sociais e ambientais.

A sugestão de estratégias alternativas para nomear os agressores, como o uso de metáforas simbólicas ou termos neutros, aponta para um caminho mais equilibrado. Ao substituir epítetos carregados de emoção por linguagem objetiva (ex.: “Caso 47-Alpha” ou “Perfil Parafilico A”), a mídia poderia reduzir o sensacionalismo e promover uma discussão mais informada. Essa abordagem alinha-se com a literatura acadêmica, que defende a separação entre o ato criminoso e a identidade do indivíduo, facilitando a reintegração e a reabilitação. Programas como os Círculos de Apoio e Responsabilidade (CoSA) já demonstram que uma linguagem humanizadora e focada na responsabilização pode reduzir a reincidência e promover a segurança pública de forma mais eficaz.

Conclusão

Este trabalho destacou o papel ambivalente da mídia na cobertura de casos de assassinos sexuais de crianças. Por um lado, a mídia tem o poder de informar e educar, mas, por outro, seu sensacionalismo pode distorcer a realidade, alimentar o pânico moral e incentivar políticas punitivas ineficazes. A análise dos epítetos midiáticos mostrou como a linguagem utilizada molda as emoções do público, desde o medo até a repulsa, muitas vezes em detrimento de uma compreensão mais nuançada do problema.

A solução não está em ignorar a gravidade desses crimes, mas em abordá-los com responsabilidade, priorizando a precisão e a contextualização. A adoção de termos neutros e a ênfase em evidências científicas podem ajudar a sociedade a lidar com a violência sexual de forma mais racional e eficaz, sem recorrer a estereótipos simplistas. Além disso, é essencial que legisladores e profissionais da área jurídica baseiem suas decisões em dados empíricos, evitando medidas populistas que pouco contribuem para a prevenção.

Em última análise, a mudança na narrativa midiática não só beneficiaria os esforços de reintegração e reabilitação, mas também promoveria uma cultura de justiça mais informada e menos emocional. A mídia, como formadora de opinião, tem a responsabilidade de equilibrar o direito à informação com o compromisso ético de não perpetuar estigmas que prejudicam a segurança pública e a dignidade humana.

Referências

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