Introdução
Os assassinos sexuais de crianças representam um subgrupo específico e particularmente perturbador de criminosos sexuais, cujos atos combinam violência sexual e homicídio contra vítimas infantis. Este fenômeno criminológico tem sido alvo de estudos acadêmicos que buscam compreender as suas motivações, as características e os fatores que diferenciam esses criminosos de outros tipos de assassinos sexuais, como os que vitimam mulheres adultas. Pesquisa tem oferecido insights valiosos sobre esse tema, destacando as particularidades desses criminosos em termos de desenvolvimento, comportamentos pré-crime, características do crime e comportamentos pós-crime (Beauregard, Stone, Proulx e Michaud, 2008).
Um assassinato é considerado sexual quando envolve elementos como a exposição das partes íntimas da vítima, posicionamento sexual do corpo, inserção de objetos em cavidades corporais, evidência de atividade sexual ou sinais de fantasia sádica, como mutilações genitais (Ressler, Burgess & Douglas, 1988). No caso específico dos assassinos sexuais de crianças, a motivação para o crime frequentemente está ligada a uma combinação de desvios sexuais, fantasias parafílicas e dificuldades interpessoais. Esses criminosos muitas vezes veem as crianças como alvos vulneráveis e acessíveis, o que facilita a execução dos seus crimes (Lanning, 1994).
Ao longo da história, os crimes sexuais contra crianças têm sido registrados em diversas culturas, mas foi apenas nos séculos XIX e XX que a sociedade começou a reconhecer e estudar sistematicamente esse tipo de violência (Chan, Myers, & Heide, 2010). A epidemiologia desses crimes revela padrões alarmantes, como a predominância de vítimas em faixas etárias específicas para subtipos de criminosos, a relação entre os agressores e as vítimas e os fatores sociais e psicológicos que contribuem para esses atos (Abrahams et al., 2017).
Historicamente, os crimes sexuais contra crianças eram frequentemente encobertos ou minimizados devido a tabus culturais e à falta de mecanismos legais eficazes para proteger as vítimas (Jones, 2019). No entanto, com o avanço dos direitos humanos e a maior conscientização sobre a violência infantil, esses crimes passaram a ser investigados com maior rigor. Estudos como o de Chan et al. (2010), que analisaram dados de homicídios sexuais nos Estados Unidos ao longo de 30 anos, destacam a raridade desses crimes em comparação com outros tipos de homicídios, representando menos de 1% do total. Apesar disso, o impacto desses crimes é devastador, não apenas para as vítimas e suas famílias, mas também para a sociedade como um todo (World Health Organization [WHO], 2016).
Epidemiologicamente, os assassinos sexuais de crianças apresentam características distintas. A pesquisa de Chan et al. (2010) revelou que os agressores são predominantemente do sexo masculino e que há diferenças significativas nas taxas de vitimização entre grupos raciais. Por exemplo, nos Estados Unidos, os agressores negros estão sobrerepresentados em comparação com sua proporção na população geral, um padrão que também se repete em outros tipos de crimes violentos. Além disso, a maioria dos homicídios sexuais é intra-racial, ou seja, os agressores tendem a escolher vítimas da mesma raça. No entanto, os agressores negros têm maior probabilidade de cometer crimes inter-raciais, especialmente quando as vítimas são mais velhas (Chan et al., 2010). Esse padrão sugere a influência de fatores socioeconômicos, culturais e geográficos na dinâmica desses crimes (Abrahams et al., 2017).
As vítimas de homicídios sexuais também apresentam características específicas. Crianças e adolescentes são particularmente vulneráveis, com estudos mostrando que uma parcela significativa dos homicídios sexuais envolve vítimas menores de 18 anos (Mathews, Abrahams, & Jewkes, 2011). Na África do Sul, por exemplo, pesquisas como a de Jones (2019) destacam a alta incidência de violência sexual e homicídios contra crianças, muitas vezes associados a fatores como pobreza, desestruturação familiar e exposição a traumas na infância. Esses fatores criam um ciclo de violência, onde crianças expostas a abusos têm maior probabilidade de se tornarem agressores no futuro (Mathews et al., 2011).
A relação entre agressores e vítimas também é um aspecto crítico. Dados epidemiológicos mostram que, em muitos casos, os agressores são conhecidos das vítimas, como familiares, vizinhos ou figuras de autoridade (Abrahams et al., 2017). Essa proximidade facilita o acesso às vítimas e muitas vezes dificulta a identificação e a denúncia dos crimes. Além disso, a presença de transtornos mentais, como psicopatia ou sadismo sexual, é frequentemente associada a esses agressores, embora nem todos os criminosos sexuais apresentem diagnósticos psiquiátricos (Chan et al., 2010).
Do ponto de vista histórico, a evolução das leis e das políticas públicas tem sido fundamental para combater esses crimes. No século XX, a criação de bancos de dados nacionais, como o Supplemental Homicide Reports nos Estados Unidos, permitiu uma coleta mais sistemática de informações sobre homicídios sexuais (Chan et al., 2010). Além disso, a implementação de programas de prevenção, como o INSPIRE da Organização Mundial da Saúde, tem como objetivo reduzir a violência contra crianças através de estratégias baseadas em evidências (WHO, 2016).
Apesar desses avanços, os desafios persistem. A subnotificação de crimes sexuais, especialmente em países com sistemas judiciais frágeis, dificulta a compreensão real da magnitude do problema (Jones, 2019). Além disso, a estigmatização das vítimas e a impunidade dos agressores em muitas regiões do mundo perpetuam a violência. Estudos como os de Abrahams et al. (2017) destacam a necessidade de abordagens multidisciplinares que envolvam não apenas a justiça criminal, mas também a saúde mental, a educação e a assistência social.
Os assassinos sexuais de crianças representam um fenômeno complexo, influenciado por fatores históricos, culturais e individuais. A epidemiologia desses crimes revela padrões preocupantes, como a sobrerrepresentação de certos grupos raciais entre os agressores e a vulnerabilidade de crianças e adolescentes (Chan et al., 2010; Abrahams et al., 2017). A evolução histórica das respostas sociais e legais a esses crimes demonstra progressos, mas também destaca a necessidade contínua de pesquisas, políticas públicas e conscientização para proteger as vítimas e prevenir futuros crimes (WHO, 2016). A luta contra a violência sexual infantil requer um esforço coletivo, baseado em evidências científicas e comprometido com os direitos humanos (Jones, 2019).
Características dos Assassinos Sexuais de Crianças
Os assassinos sexuais de crianças frequentemente apresentam históricos de abuso sexual na infância, o que os distingue significativamente dos assassinos sexuais de mulheres adultas. Segundo Beauregard et al. (2008), 46% dos assassinos de crianças relataram ter sofrido abuso sexual na infância, em comparação com cerca de 14% dos assassinos de mulheres adultas. Esse abuso na infância pode contribuir para o desenvolvimento de fantasias sexuais desviantes e dificuldades em estabelecer relacionamentos saudáveis na vida adulta (Marshall, 1993). Além disso, esses criminosos também apresentam taxas mais altas de isolamento social e conflitos generalizados, o que pode refletir uma incapacidade de se relacionar com adultos, levando-os a buscar vítimas mais vulneráveis, como crianças (Ward & Beech, 2006).
Outro aspecto relevante é a presença de fantasias sexuais desviantes, relatadas por 73% dos assassinos de crianças, em contraste com 41% dos assassinos de mulheres adultas (Beauregard et al., 2008). Essas fantasias muitas vezes envolvem elementos sádicos e são reforçadas por meio de masturbação, criando um ciclo de condicionamento que pode culminar em atos criminosos (Abel & Blanchard, 1974).
No período que antecede o crime, os assassinos sexuais de crianças frequentemente exibem comportamentos como consumo excessivo de pornografia, contato prévio com a vítima e planejamento meticuloso do crime. Beauregard et al. (2008) destacam que 18% desses criminosos usaram pornografia poucos dias ou poucas horas antes do crime, em comparação com apenas 3% dos assassinos de mulheres adultas. Além disso, 91% tiveram contato prévio com a vítima, o que sugere um processo de “grooming” (isolamento e preparação da vítima) ou seleção cuidadosa do alvo. Esses comportamentos estão alinhados com a teoria das atividades rotineiras, que postula que crimes ocorrem quando há convergência de um infrator motivado, um alvo adequado e a ausência de um guardião atento (Cohen & Felson, 1979). No caso das crianças, a vulnerabilidade e a falta de supervisão as tornam alvos ideais para esses criminosos.
Os crimes cometidos por assassinos sexuais de crianças frequentemente envolvem elementos de premeditação, uso de estrangulamento e ocultação do corpo da vítima. Beauregard et al. (2008) observaram que 60% desses criminosos planejaram seus crimes antecipadamente, em comparação com 27% dos assassinos sexuais de mulheres adultas. Além disso, 73% utilizaram estrangulamento como método de morte, e 90% ocultaram o corpo da vítima, muitas vezes mutilando-o para evitar identificação. Essas características sugerem um perfil mais organizado e calculista, com elementos de sadismo e desejo de controle total sobre a vítima (Dietz, Hazelwood & Warren, 1990).
Após o crime, os assassinos sexuais de crianças são mais propensos a admitir terem problemas sexuais (73%) em comparação com os assassinos de mulheres adultas (35%) (Beauregard et al., 2008). Essa admissão pode refletir uma consciência maior dos seus próprios desvios, embora isso não implique em remorso genuíno. Além disso, esses criminosos frequentemente tentam minimizar a chance de serem capturados, ocultando evidências e evitando comportamentos que possam chamar a atenção.
De fato, esses criminosos representam um grupo peculiar, caracterizado por históricos de abuso sexual na infância, fantasias desviantes, comportamentos pré-crime meticulosos e métodos violentos e controladores durante o crime. Suas ações são frequentemente motivadas por uma combinação de fatores psicológicos, como dificuldades de apego e sadismo, além de oportunidades criadas pela vulnerabilidade das vítimas. Compreender essas características é essencial para o desenvolvimento de estratégias de prevenção, intervenção e tratamento, tanto no âmbito clínico quanto no jurídico.
Tipologias dos Assassinos Sexuais de Crianças: Uma Análise Crítica
A literatura especializada tem buscado desenvolver tipologias que possam categorizar esses criminosos, auxiliando tanto na compreensão acadêmica quanto nas investigações policiais.
Um dos modelos mais recentes e abrangentes foi proposto por Chopin e Beauregard (2019b), que identificaram seis tipos distintos de assassinos sexuais de crianças com base em uma amostra francesa. Essa tipologia considera fatores como a idade da vítima, o grau de planejamento do crime, a relação entre o agressor e a vítima, e os comportamentos exibidos durante e após o homicídio.
Os seis tipos incluem o “Intencional/Criança”, o “Inadvertido/Criança”, o “Intencional/Pré-adolescente”, o “Inadvertido/Pré-adolescente”, o “Intencional/Adolescente” e o “Inadvertido/Adolescente”. Cada um desses tipos apresenta características únicas, como a preferência por vítimas do sexo masculino no caso do “Intencional/Criança” ou o uso de estratégias de evitação de detecção no “Intencional/Pré-adolescente” (Chopin & Beauregard, 2019b).
Além dessa tipologia específica, outros pesquisadores têm explorado modelos mais gerais que também podem ser aplicados aos assassinos sexuais de crianças. Beauregard e Proulx (2002) propuseram inicialmente uma classificação binária, dividindo os assassinos sexuais em “Sádicos” e “Raivosos”. Posteriormente, Proulx e Beauregard (2009, 2014) expandiram esse modelo para incluir o tipo “Oportunista”. O assassino “Sádico” é caracterizado por um planejamento mais meticuloso do crime, fantasias sexuais desviantes e comportamentos como mutilação e ocultação do corpo da vítima. Já o assassino “Raivoso” age impulsivamente, motivado por raiva e frustração, muitas vezes deixando o corpo da vítima no local do crime. O “Oportunista”, por sua vez, comete o crime como parte de uma atividade criminosa mais ampla, como um roubo, e a violência sexual é secundária (Proulx & Beauregard, 2014). Esses modelos, embora desenvolvidos para assassinos sexuais em geral, oferecem insights valiosos para entender os crimes contra crianças, especialmente quando combinados com a tipologia específica de Chopin e Beauregard (2019b).
A literatura também destaca a importância de fatores desenvolvimentais e psicopatológicos na compreensão desses criminosos (Beauregard et al., 2008). Esses fatores podem contribuir para o desenvolvimento de fantasias sexuais desviantes e para a escolha de vítimas vulneráveis, como crianças, que são percebidas como alvos mais fáceis e menos propensos a resistir (Lanning, 1994). Além disso, estudos comparativos entre assassinos de crianças e de adultos revelam que os primeiros são mais propensos a usar estrangulamento como método de morte e a ocultar o corpo da vítima, comportamentos que sugerem maior planejamento e preocupação com a evitação de detecção (Beauregard & Martineau, 2015).
Apesar dos avanços na pesquisa, ainda existem lacunas significativas, especialmente no que diz respeito a amostras diversificadas culturalmente. A maioria dos estudos tipológicos foi conduzida em países como Canadá, França, Estados Unidos da América e Reino Unido, o que limita a generalização dos resultados para outros contextos culturais (Page et al., 2023). Além disso, a definição inconsistente do que constitui uma “criança” em diferentes estudos — variando de menores de 12 anos a menores de 18 anos — complica a comparação entre pesquisas (Page et al., 2023). As investigações deveriam buscar amostras mais diversificadas e padronizar critérios para permitir análises mais robustas e transculturais.
As tipologias dos assassinos sexuais de crianças oferecem um quadro valioso para entender a heterogeneidade desse grupo criminoso. Modelos como os de Chopin e Beauregard (2019b) e Proulx e Beauregard (2014) destacam a complexidade desses crimes e a necessidade de abordagens diferenciadas para investigação, prevenção e intervenção. No entanto, a consolidação dessas tipologias requer mais pesquisas empíricas, especialmente em contextos culturais diversos, para garantir sua aplicabilidade e eficácia na prática forense e policial.
A Tipologia de Chopin e Beauregard para Assassinos Sexuais de Crianças
Chopin e Beauregard (2019b), como previamente descrito, desenvolveram uma tipologia inovadora e específica para assassinos sexuais de crianças, baseada em uma amostra de 72 casos franceses de homicídios sexuais extrafamiliares contra vítimas infantis. Esta classificação representa um avanço significativo no campo, pois é a primeira tipologia dedicada exclusivamente a esse grupo de criminosos. O modelo integra três dimensões principais: a intencionalidade da violência, a idade das vítimas e os comportamentos específicos durante o crime.
Os Seis Tipos de Assassinos Sexuais de Crianças
Intencional/Crianças (20,9% dos casos): Este grupo se caracteriza por vitimar crianças, com média de idade de 9 anos, sendo mais frequente a escolha por vítimas do sexo masculino comparado aos outros tipos. Os criminosos geralmente conheciam a vítima (não eram estranhos) e utilizavam uma abordagem de “conquista” ou sedução. O local do crime era tipicamente uma residência conhecida pelo agressor. Quanto aos comportamentos criminais, esses assassinos frequentemente realizavam penetração sexual e carícias nas vítimas, além de mover o corpo para outro local após a morte. Curiosamente, raramente usavam estrangulamento como método de morte ou realizavam ações post-mortem no local do crime. Um dado relevante é que esses agressores tinham maior probabilidade de consumir álcool ou drogas antes do crime.
Inadvertido/Crianças (11,1%): Este grupo também vitima crianças, mas difere do anterior por incluir agressores mais jovens e solteiros que escolhem vítimas desconhecidas (75% dos casos). O local do crime não é residencial, mas familiar ao agressor. A abordagem frequentemente envolve atividades esportivas ou de lazer como contexto para o ataque. O método de homicídio predominante é o estrangulamento, mas diferentemente do tipo anterior, não há penetração sexual nem deslocamento do corpo após a morte – embora há tentativas de ocultação do cadáver. As atividades sexuais limitam-se principalmente às carícias genitais, e os agressores apresentam comportamentos mais incomuns durante o crime, embora sem demonstrar raiva intensa.
Intencional/Pré-adolescente (22,2%): O tipo mais comum na amostra, caracterizado por vitimar pré-adolescentes, novamente com maior prevalência de vítimas do sex masculino. Similar ao tipo Inadvertido/Crianças, as vítimas são frequentemente abordadas durante atividades esportivas através da estratégia de “conquista”. Os agressores consumem intoxicantes antes do crime e escolhem locais não residenciais, mas que lhes são familiares. Todos realizam penetração sexual e frequentemente submetem as vítimas à humilhação sexual. A violência física é comum, mas o estrangulamento raramente era usado. Uma característica distintiva é a tentativa de ocultar parcialmente o corpo (em vez de movê-lo completamente) e o uso de múltiplas estratégias para evitar detecção, embora paradoxalmente deixem evidências de sêmen no local.
Inadvertido/Pré-adolescente (11,1%): Este grupo se destaca por vitimar exclusivamente meninas com média de 10 anos de idade. Todos os agressores escolhem vítimas desconhecidas e usam predominantemente abordagem coercitiva (75% dos casos). Diferentemente dos outros tipos, o local do crime não é familiar ao agressor e normalmente não é residencial. Todos realizam penetração sexual e deixam evidências de sêmen, além de frequentemente agirem no local após o crime (posicionamento do corpo etc.). Entretanto, raramente movem ou ocultam o corpo da vítima.
Intencional/Adolescente (16,7%): Este grupo seleciona vítimas adolescentes do sexo feminino (média de 12 anos) que são desconhecidas. Os crimes ocorrem sempre em residências, mas que não são familiares aos agressores. Todos os casos envolvem penetração sexual e estrangulamento como método de morte. Cerca de metade dos agressores agem no local do crime após o homicídio e movem o corpo, muitas vezes enterrando-o. Estes criminosos demonstram comportamentos socialmente de esquiva e são mais propensos a exibir comportamentos sexualmente sádicos. As vítimas deste grupo apresentavam maior probabilidade de resistir fisicamente ao ataque.
Inadvertido/Adolescente (18,1%): O grupo mais distinto, caracterizado por criminosos com extensa história criminal e estilo de vida nômade. Vitimam exclusivamente adolescentes do sexo feminino (média de 14 anos) que são desconhecidas. Estes agressores são mais velhos (média de 52,3 anos) e usam abordagem de “conquista”. Todos realizam penetração sexual e frequentemente usam violência física, com estrangulamento como principal método de homicídio. A característica mais marcante é o deslocamento e a ocultação sistemática do corpo após a morte, embora não usem outras estratégias para alterar a cena do crime. Singularmente, são os únicos que não despem parcialmente suas vítimas.
Abaixo, segue um quadro comparativo detalhado sobre os seis tipos de assassinos sexuais de crianças segundo a tipologia de Chopin e Beauregard (2019b):

Principais diferenças observadas:
Seleção de vítimas: Os tipos “Intencional” tendem a escolher vítimas mais jovens (crianças).
Organização do crime: Os “Intencional” mostram maior planejamento do que os “Inadvertido”
Gênero das vítimas: Há uma transição clara de vítimas masculinas (crianças) para exclusivamente femininas (adolescentes)
Pós-crime: Os tipos com vítimas adolescentes mostram maior preocupação com ocultação de corpos
Perfil do agressor: O tipo “Indiscriminado” se destaca por agressores mais velhos com histórico criminal
Esta tabela sintetiza os achados originais de Chopin e Beauregard (2019b), demonstrando como a idade da vítima e a intencionalidade da violência criam perfis distintos de agressores sexuais infantis, cada um com padrões reconhecíveis de seleção de vítimas, métodos de abordagem e comportamentos pós-crime.
É importante notar que, apesar de interessante, essa tipologia não é clinicamente atraente tendo em vista o número exagerado de tipos.
Tipologia de Proulx e Beauregard para Assassinos Sexuais
A tipologia desenvolvida por Proulx e Beauregard oferece uma estrutura valiosa para compreender os diferentes perfis de assassinos sexuais, classificando-os em três categorias principais: sádico, raivoso e oportunista. Essa classificação baseia-se em uma análise aprofundada das motivações, características psicológicas e padrões comportamentais desses criminosos, proporcionando insights cruciais para investigações criminais e avaliações forenses.
Os assassinos do tipo sádico apresentam uma personalidade marcada por traços ansiosos, incluindo comportamentos de evitação, dependência emocional e características esquizoides. Esses indivíduos costumam ter baixa autoestima e são dominados por fantasias sexuais desviantes, onde a violência e o sofrimento da vítima se tornam fontes de excitação sexual. Seus crimes são meticulosamente planejados, seguindo um roteiro complexo de fantasia, e envolvem uma abordagem sofisticada para atrair as vítimas. A violência extrema, incluindo tortura, humilhação e mutilação, é uma característica marcante, sendo a morte da vítima parte integrante do ritual sexual. Além disso, esses criminosos frequentemente ocultam o corpo como estratégia para evitar detecção.
Em contraste, os assassinos raivosos agem movidos por explosões de raiva e impulsividade motora, sem o planejamento característico dos sádicos. Sua personalidade dramática, com traços narcisistas e dependentes, leva-os a cometer crimes muitas vezes em resposta às frustrações pessoais ou sentimentos de rejeição. A violência nesses casos é excessiva, caracterizando o que se denomina “overkill”, com múltiplos golpes ou ferimentos desproporcionais. Diferentemente dos sádicos, esses criminosos não se preocupam em ocultar o corpo, deixando-o no local do crime. As vítimas podem ser escolhidas de forma simbólica, representando alguém que despertou a ira do agressor, e em alguns casos o crime pode surgir no contexto de um encontro sexual inicialmente consensual que degenera em violência.
Os assassinos oportunistas representam um terceiro perfil distinto, onde o crime sexual nem sempre é premeditado, mas sim resultado de uma situação favorável que se apresenta. Com personalidade dramática e traços antissociais, esses indivíduos veem as pessoas como instrumentos para sua gratificação sexual imediata. Seus crimes frequentemente começam como outras infrações, como roubos ou invasões de domicílio, evoluindo para violência sexual quando a oportunidade surge. A violência utilizada é instrumental, apenas o necessário para subjugar a vítima, e o homicídio pode ocorrer como forma de eliminar testemunhas. Embora menos organizados do que os sádicos, podem adotar algumas estratégias para evitar detecção, como esconder o corpo.
O quadro comparativo abaixo sintetiza as principais diferenças entre esses três tipos de assassinos sexuais:

Esta tipologia tem se mostrado muito útil para profissionais da área criminal, permitindo não apenas uma melhor compreensão dos comportamentos dos agressores, mas também auxiliando na elaboração de perfis criminais mais precisos. Ao identificar se um crime foi cometido por um sádico, raivoso ou oportunista, as equipes de investigação podem direcionar seus esforços de forma mais eficiente, seja na busca por evidências, na análise de padrões ou na previsão de comportamentos futuros do criminoso. Além disso, essa classificação contribui significativamente para o campo da psicologia forense, oferecendo um quadro teórico robusto para a avaliação de riscos e o desenvolvimento de estratégias de intervenção adequadas a cada perfil de agressor.
As pesquisas de Proulx e Beauregard continuam a influenciar profundamente os estudos sobre violência sexual homicida, com suas tipologias sendo aplicadas e testadas em diversos contextos culturais e jurídicos. Essa abordagem multidimensional, que considera tanto aspectos psicológicos quanto comportamentais, representa um avanço importante na criminologia contemporânea, oferecendo ferramentas valiosas tanto para a prevenção quanto para a resolução desses crimes particularmente complexos e perturbadores.
A Mídia e a Comoção Pública diante de Homicídios Sexuais de Crianças
A mídia desempenha um papel central na construção da comoção pública em casos de assassinos sexuais de crianças, moldando não apenas a percepção social desses crimes, mas também influenciando políticas públicas e respostas legais. A cobertura midiática frequentemente enfatiza aspectos sensacionalistas, como a violência extrema e a inocência das vítimas, criando narrativas que polarizam a figura do criminoso como um “monstro” e a vítima como um “ideal de pureza” (DiBennardo, 2016). Essa dinâmica contribui para uma reação emocional intensa por parte do público, que demanda punições severas e medidas de segurança mais rigorosas, muitas vezes sem uma análise crítica das causas estruturais da violência sexual.
A representação midiática desses casos tende a seguir padrões previsíveis. Por um lado, as vítimas são retratadas como símbolos de inocência e vulnerabilidade, o que reforça a ideia correta de que a violência contra crianças é particularmente abominável (Kitzinger, 2005). Por outro, os criminosos são desumanizados, sendo descritos como “predadores” ou “animais”, termos que eliminam qualquer nuance ou contexto social e médico que possa explicar, ainda que parcialmente, seus atos (DiBennardo, 2016). Essa linguagem polarizada não só simplifica a complexidade do fenômeno, mas também alimenta um ciclo de medo e indignação que pode levar a políticas punitivas extremas, como leis de castração química ou prisão perpétua para criminosos sexuais.
Além disso, a mídia frequentemente ignora a realidade estatística desses crimes. Embora a maioria dos casos de abuso sexual infantil envolva conhecidos ou familiares da vítima, a cobertura midiática tende a focar em crimes cometidos por estranhos, reforçando o mito do “perigo externo” (Kitzinger, 2005). Essa distorção não apenas desvia a atenção das formas mais comuns de abuso, mas também cria uma falsa sensação de segurança, já que as famílias podem subestimar os riscos dentro de seus próprios círculos. A ênfase em casos raros e extremos, como assassinatos sexuais, serve mais como entretenimento chocante do que como informação útil para a prevenção.
A comoção pública gerada por essa cobertura midiática tem consequências diretas no sistema jurídico e nas políticas de segurança. Por exemplo, nos Estados Unidos, a aprovação de leis como a “Lei de Megan” (que exige o registro público de criminosos sexuais) foi impulsionada por casos amplamente divulgados pela mídia (DiBennardo, 2016). Embora essas leis possam ter intenções nobres, elas muitas vezes são implementadas sem evidências sólidas de sua eficácia na redução de crimes sexuais, refletindo mais uma resposta emocional do que uma solução baseada em dados.
Outro aspecto problemático é a racialização desses crimes. Embora a maioria dos criminosos sexuais retratados na mídia seja de homens brancos, há uma tendência a associar violência sexual com minorias raciais, especialmente em contextos históricos de discriminação (Kitzinger, 2005). Essa narrativa não apenas perpetua estereótipos racistas, mas também obscurece as dinâmicas de poder e gênero que estão na raiz da violência sexual.
A mídia desempenha um papel ambíguo nos casos de assassinos sexuais de crianças. Por um lado, ela pode ampliar a conscientização e mobilizar a sociedade para ações preventivas. Por outro, sua tendência ao sensacionalismo e à simplificação excessiva pode levar a respostas desproporcionais e pouco eficazes. Para que a cobertura midiática cumpra um papel mais construtivo, é essencial que ela adote uma abordagem mais equilibrada, contextualizando os crimes dentro de estruturas sociais mais amplas e evitando a exploração emocional das vítimas e suas famílias.
Método
Matérias jornalísticas sobre crimes sexuais contra crianças publicadas em grandes mídias Brasileiras foram selecionadas e transcritas de forma resumida, com o objetivo de demonstrar tentativas de modificações legislativas após os eventos desastrosos.
Critérios de seleção das matérias jornalísticas
Relevância midiática
a) Alto grau de cobertura em veículos de grande circulação (G1, Folha, O Globo, Estado de Minas, Amazonas Atual)
b) Repercussão em redes sociais e debates públicos (mudança de lei, comitês de prevenção)
Diversidade geográfica
a) Abrangência de diferentes regiões do Brasil: Sudeste (SP, RJ, MG) e Norte (AM)
b) Permite comparar práticas investigativas e respostas judiciais em vários estados
Variedade de formatos de crime
a) Homicídio associado a estupro de vulnerável em idades distintas (3 a 8 anos)
b) Uso de gravações (vídeos/fotos), ocultação de cadáver, motel privado e crime doméstico
Profundidade de informação judicial
a) Existência de dados sobre instância inicial e recursos (sentenças, acórdãos, apelações)
b) Disponibilidade de parâmetros de dosimetria da pena e fundamentos jurídicos
Cobertura temporal
a) Casos ocorridos ao longo dos últimos 10 anos (2016–2024), permitindo observar evolução legislativa e jurisprudencial
Fontes primárias acessíveis
a) Artigos com textos completos ou suficientes para sumarização
b) Matérias que citam diretamente números de processo ou decisões do tribunal
Esses critérios podem garantir que os casos selecionados sejam representativos, bem documentados e capazes de oferecer insights comparativos sobre como o sistema de justiça brasileiro enfrenta homicídio e abuso sexual de crianças.
Resultados
Baseando nos critérios de seleção, recrutamos 05 matérias que provocaram tentativas de mudanças legislativas Nacionais a respeito da punição de assassinos sexuais de crianças.
Tabela 01. Matérias Jornalísticas dos últimos 10 anos

Resumo das matérias
Pai é preso por matar e abusar sexualmente da filha de 4 anos (G1)
Vítima descoberta por vizinhos que ouviram gritos; o pai foi detido em flagrante, e o caso gerou comoção nacional pela crueldade.
Detalhes
Local: Vila Leopoldina, São Paulo/SP. Em março de 2016, vizinhos ouviram gritos vindos do apartamento e acionaram a polícia.
Vítima: menina de 4 anos, internada em estado gravíssimo. Exames periciais confirmaram múltiplas fraturas, hemorragia interna e lesões genitais.
Processo judicial: Prisão em flagrante pela Polícia Civil; o réu permaneceu em prisão preventiva. Denúncia oferecida pelo MP-SP por homicídio qualificado (motivo torpe e emprego de meio que dificultou defesa da vítima) e estupro de vulnerável. Sentença de 1ª instância (maio/2016): 27 anos de reclusão em regime inicial fechado. Apelação mantida pelo TJ-SP, que destacou a gravidade “sem paralelo” e a “confiança violada” de quem deveria cuidar da criança.
Implicações sociais: Mobilização de organizações de defesa da criança: campanhas por assistência psicológica a vizinhos e familiares traumatizados. Debates na Assembleia Legislativa sobre acolhimento de denúncias anônimas e reforço de centros de referência em situação de violência doméstica.
Caso Brígida: Vizinho confessa homicídio e abuso de menina de 8 anos (Folha de S.Paulo)
Autor filmou o crime e entregou confissão. Condenado a 30 anos, o caso motivou mudanças na lei de punição à pornografia infantil.
Detalhes
Local: Itanhaém/SP, julho de 2018. O vizinho atraía a criança com brinquedos e filmava o crime.
Materiais: Vídeo e fotos foram apreendidos em pen drive e celular do autor. A perícia constatou coerção e uso de algemas improvisadas.
Processo judicial: Prisão preventiva imediatamente decretada; audiência de custódia confirmou flagrante. Denúncia por homicídio qualificado (motivo torpe, meio cruel) e produção de pornografia infantil (art. 241-B, CP). Júri popular (novembro/2019): condenação a 30 anos de reclusão, sem direito a redução pelo regime de progressão antecipada.
Implicações sociais: Pressão para tornar hediondos todos os crimes com produção de imagens envolvendo menores. Criação de grupo interinstitucional de prevenção ao abuso em condomínios: cursos para porteiros e síndicos reconhecerem sinais de violência.
Acusado de matar criança de 6 anos em motel também tinha denúncias de estupro (O Globo)
Réu com histórico de abusos investigado simultaneamente por homicídio sexual e tráfico de imagens. Defesa alegou transtorno mental.
Detalhes
Local: Copacabana, Rio de Janeiro/RJ, novembro de 2020. O homem entrou com a menina num quarto de motel; testemunhas ouviram pedidos de ajuda.
Histórico: Duas ocorrências anteriores, arquivadas por falta de provas, registradas por familiares de outras potenciais vítimas.
Processo judicial: Denúncia por homicídio qualificado e estupro de vulnerável; oferecida à 3ª Vara Criminal do Rio. Inquérito complementar solicitou exame pericial no celular e histórico de buscas na internet. Andamento (2024): aguardando designação de data para júri popular; audiências de instrução mostraram divergências entre laudos psicológicos que apontam traços de psicopatia ou transtorno de personalidade.
Implicações sociais: Críticas à morosidade do Judiciário e ao arquivamento de denúncias iniciais. Debate no Ministério Público Estadual sobre protocolos de reavaliação de casos arquivados quando houver padrão de comportamento.
Tribunal aumenta pena de homem que matou e violentou menina de 5 anos (Estado de Minas)
Em apelação, a pena subiu de 25 para 28 anos, ressaltando a “extrema crueldade” e a “vulnerabilidade absoluta” da vítima.
Detalhes
Local: Betim, Região Metropolitana de Belo Horizonte/MG, crime ocorrido em janeiro de 2021. O réu atraiu a criança com doces antes de cometer os abusos.
Processo judicial: 1ª instância (março/2021) condenado a 25 anos de reclusão pelos crimes de homicídio qualificado (motivo torpe; recurso que dificultou defesa) e estupro de vulnerável. Apelação no TJMG (julho/2022): MP requereu majoração, invocando “vulnerabilidade extrema” e “frieza do agente”. Defesa pleiteou redução ou absolvição do estupro. Acórdão (14/09/2022): por maioria (3×2), pena-base elevada de 20 para 23 anos, atenuada em 2 anos pela confissão espontânea, perfazendo 28 anos em regime fechado, sem progressão provisória antes de 2/5 da pena.
Implicações sociais: Referência jurisprudencial, passando a ser citado em decisões posteriores para majorar pena em crimes sexuais contra menores. Fortalecimento de protocolos de escuta especializada de crianças em juízo, com psicólogos e assistentes sociais presentes.
MPF denuncia tio por homicídio sexual de menino de 3 anos em Manaus (Amazonas Atual).
Denúncia federal inclui ocultação de cadáver. Caso mobilizou o Núcleo de Proteção à Criança e gerou pauta de fortalecimento do enfrentamento de crimes sexuais contra crianças.
Detalhes
Local: Compensa, Manaus/AM, março de 2024. O corpo do menino foi encontrado em área de manguezal, com sinais de abuso sexual e ferimentos lombares. Motivo alegado pelo acusado: “fuga” do sobrinho, tentativa de encobrir o crime via depredação de provas.
Processo judicial: Denúncia oferecida pela 1ª Vara Federal em 03/2024 como homicídio qualificado, estupro de vulnerável e ocultação de cadáver. Pedido de prisão preventiva aceito pelo juízo federal; o réu aguarda instrução probatória em presídio federal. Despachos recentes ordenaram coleta de depoimentos testemunhais e laudos de toxicologia para verificação de estupro e uso de substâncias.
Implicações sociais: Mobilização do Núcleo de Proteção à Criança da Defensoria Pública da União para garantir acompanhamento do caso e reparação à família. Discussões sobre superlotação do sistema prisional federal e necessidade de unidades especializadas para presos que cometeram crimes sexuais contra crianças.
Casos de homicídio sexual de crianças e abuso sexual de vulneráveis, quando acontecem e são repercutidos nacionalmente, tendem a provocar grande comoção pública e respostas legislativas.
Essas respostas, às vezes, refletem:
a) Fortalecimento das qualificadoras (motivo torpe, recurso que dificultou defesa, vulnerabilidade extrema)
b) Criação de tipificações específicas para produção e disseminação de material pornográfico infantil
c) Elevação da idade de proteção e endurecimento das regras de progressão de regime
d) Instituição de procedimentos de escuta especializada e tramitação célere
e) Reconhecimento do homicídio de criança associado ao abuso sexual como crime hediondo, equiparado à tortura.
Dadas as alterações referidas, o conjunto legislativo atual deveria constituir um arcabouço mais rigoroso e protetivo, com foco na prevenção da revitimização, na rapidez processual e na majoração das penas para crimes sexuais contra menores.
Discussão
Os resultados apresentados no artigo destacam um padrão preocupante e recorrente nas ações legislativas relacionadas aos crimes sexuais contra crianças: a tendência de que mudanças significativas na lei só ocorram após eventos traumáticos que chocam a sociedade e ganham ampla cobertura midiática. Esse fenômeno revela uma reação tardia e emocional do sistema jurídico e político, que muitas vezes ignora a necessidade de medidas preventivas e proativas, optando por respostas punitivas apenas após a ocorrência de tragédias. A análise dos casos brasileiros citados no artigo ilustra claramente essa dinâmica, em que a comoção pública gerada por crimes hediondos impulsiona alterações legislativas, mas sem uma abordagem sistemática para evitar que tais crimes aconteçam em primeiro lugar.
Os casos selecionados demonstram como a mídia desempenha um papel central na formação da opinião pública e na pressão por mudanças legais. Por exemplo, o caso da menina de 4 anos assassinada pelo pai em São Paulo, em 2016, gerou uma onda de indignação que levou a debates sobre a necessidade de fortalecer os mecanismos de denúncia e proteção às crianças. No entanto, é questionável se essas discussões teriam ocorrido sem a exposição midiática do caso. Da mesma forma, o caso Brígida, em 2018, no qual o criminoso filmou o abuso e o homicídio de uma menina de 8 anos, resultou em propostas para endurecer as punições por pornografia infantil. Essas respostas, embora bem-intencionadas, são frequentemente limitadas pelo seu caráter reativo, focando mais em punir os culpados do que em criar estruturas que previnam os crimes.
A cobertura sensacionalista da mídia, como destacado no artigo, tende a simplificar a complexidade desses crimes, reduzindo-os a narrativas de monstros e vítimas inocentes. Essa abordagem não apenas desvia a atenção das causas estruturais da violência sexual infantil, como também reforça a ideia de que a solução está apenas em leis mais duras, sem considerar a importância de políticas públicas integradas que abordem fatores como educação, saúde mental e apoio familiar. A racialização e a estigmatização dos criminosos, muitas vezes retratados como figuras isoladas e aberrantes, também obscurecem a realidade de que muitos abusos ocorrem dentro do círculo de confiança da vítima, como familiares ou conhecidos.
Outro aspecto crítico é a lentidão do sistema judiciário em responder a casos de violência sexual contra crianças, como evidenciado no caso do motel no Rio de Janeiro, em 2020, onde o acusado já tinha histórico de denúncias não investigadas adequadamente. A falta de ações preventivas e a morosidade processual criam um ambiente propício para a reincidência, deixando crianças vulneráveis expostas a riscos que poderiam ser mitigados com uma abordagem mais eficiente e proativa. As mudanças legislativas que surgem após esses casos, como a majoração de penas ou a criação de novos tipos penais, muitas vezes falham em abordar as raízes do problema, como a falta de capacitação de profissionais para identificar sinais de abuso ou a insuficiência de recursos para atendimento às vítimas.
A análise dos casos também revela uma discrepância entre as intenções declaradas das leis e sua aplicação prática. Por exemplo, embora a legislação brasileira tenha avançado na tipificação de crimes sexuais contra crianças e na previsão de penas mais severas, a efetividade dessas medidas depende de uma estrutura judicial e policial capaz de investigar e processar os casos com agilidade e sensibilidade. A criação de protocolos de escuta especializada para crianças, como mencionado no caso de Betim em 2022, é um passo importante, mas sua implementação ainda é irregular e muitas vezes dependente de recursos locais.
Os resultados do artigo destacam a necessidade de uma mudança de paradigma nas respostas legislativas e sociais aos crimes sexuais contra crianças. Em vez de esperar por tragédias para agir, é essencial desenvolver estratégias baseadas em evidências que combinem prevenção, educação e intervenção precoce. Isso inclui a capacitação de profissionais, a conscientização da sociedade sobre os sinais de abuso e a criação de redes de apoio integradas para crianças e famílias em situação de risco. A mídia, por sua vez, poderia desempenhar um papel mais construtivo ao abordar o tema com profundidade e responsabilidade, evitando o sensacionalismo e contribuindo para um debate informado. Somente com uma abordagem mais integrativa e proativa será possível tentar romper o ciclo de violência e garantir que as crianças sejam mais protegidas antes que novos crimes ocorram, e não apenas depois que o dano já foi feito.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.

