A “castração química” tem sido usada para evitar o comportamento sexual patológico/donoso e para prevenir a reincidência criminal entre agressores sexuais desde a década de 1940. Atualmente, as legislações em cerca de nove Estados Americanos e vários países europeus permitem a “castração” dirigida principalmente a indivíduos que apresentam um Transtorno Parafílico.
É importante frisar que nem todos os agressores sexuais têm um diagnóstico de Transtorno Parafílico, e que Transtorno Parafílico não é sinônimo de agressor sexual. De qualquer forma, os Transtornos Parafílicos são de fato mais prevalentes entre agressores sexuais do que na população geral. Nos Estados Unidos da América, a “castração” é formalmente opcional em alguns estados, enquanto em outros é obrigatória ou mesmo uma condição sine qua non para a liberação do cárcere. Na Europa, a abordagem dominante é oferecer a “castração” como uma intervenção formalmente opcional ou voluntária (Koo, Ahn, Hong, Lee, & Chung, 2014).
Estudos têm, de fato, relatado que a “castração química” é uma estratégia eficaz na redução da reincidência, na prevenção da agressão sexual contra menores, na melhoria da qualidade de vida dos indivíduos parafílicos e na redução do ônus individual e social do comportamento sexualmente ofensivo (Grubin & Beech, 2010; Koo et al., 2013), desde que associada com psicoterapia especializada e outras formas de abordagem médica e psicossocial.
Existem vários senões e porquês de adotar esse procedimento nos cenários jurídicos, como por exemplo:
- Preocupações éticas: Questiona-se se profissionais médicos podem e/ou devem estar envolvidos no procedimento sendo feito involuntariamente. A penalização química não é a mesma coisa do que o tratamento médico com medicações hormonais! O uso involuntário da “castração química” é muito mais uma forma de controle social ao invés de um tratamento puramente médico. Aqui, levanta-se um grave conflito entre o papel do médico no bem-estar do paciente e o objetivo social de segurança pública.
- Eficácia: Apesar das dificuldades no desenvolvimento de pesquisas farmacológicas bem desenhadas, existem algumas evidências de que a “castração química” é eficaz na redução das taxas de reincidência criminal sexual. Poucos estudos mostram taxas de reincidência significativamente mais baixas naqueles que se submeteram a esses procedimentos em comparação com outros métodos de tratamento. No entanto, a falta de estudos duplo-cegos controlados por placebo (devido às preocupações éticas) contribui para dúvidas sobre a efetividade de procedimento.
- Efeitos colaterais: A “castração química” pode trazer efeitos colaterais significativos, incluindo osteoporose, doenças cardiovasculares, anormalidades metabólicas e ginecomastia. Por isso, se for determinada a realização de um tratamento hormonal, médicos psiquiatras altamente especializados no assunto devem estar incluídos.
- Contexto do tratamento: As intervenções médicas (como seria o caso do Tratamento Hormonal) devem fazer parte de um plano de tratamento mais amplo envolvendo psicoterapias específicas e supervisão. Não se trata de uma solução autônoma! No contexto médico, a importância do consentimento informado do infrator é evidente.
- Contexto legal e político: Os cenários legal e político em torno da “castração química” em vários países variam abundantemente e não faltam interesses políticos na aprovação de certos projetos de Lei. Destaco, aqui, que as propostas de abordagens são variadas e a influência de crimes sexuais de alto perfil nas decisões políticas é decisiva.
Defendemos uma abordagem cautelosa para a chamada “castração química”. Embora reconheçamos a sua eficácia relativa na redução da reincidência, enfatizamos fortemente as considerações éticas e médicas. A ênfase deve ser dada no consentimento informado e na integração dentro de uma estratégia terapêutica ampla, não apenas como método de punição ou controle social. As potenciais violações dos direitos humanos e as consequências a longo prazo para a saúde são fatores significativos que requerem uma consideração cuidadosa.
Uma Proposta de Tratamento Médico
Embora a base empírica para a eficácia e relação custo-eficácia de medicações para o tratamento de Transtornos Parafílicos e outros comportamentos sexualmente problemáticos seja imperfeita, os medicamentos hormonais e uma variedade de outros não hormonais parecem ser clinicamente eficazes. Existem boas razões teóricas para a sua utilização, e mesmo a evidência limitada da investigação é largamente favorável, mesmo que o seu pedigree precise ser mais forte.
Por não ser uma área de interesse de grande número de médicos, as orientações sobre o uso de medicamentos são limitadas. Alguns autores têm sugerido um algoritmo para o tratamento dos Transtornos Parafílicos, baseado em quatro níveis de gravidade: leve (impulsos parafílicos que não são concretizados), moderado (impulsos que foram já concretizados), graves (impulsos que têm sido concretizados repetidamente) e os catastróficos (na verdade, sadismo sexual coercivo). Com base nessas categorias, esses autores têm descrito quatro níveis de tratamento:
- Nível 1: Tratamento psicoterapêutico cognitivo-comportamental em todos os casos.
- Nível 2: Antidepressivos inibidores seletivos da recaptura da serotonina em todos os casos de parafilias leves.
- Nível 3: Uma pequena dose de medicação hormonal, caso as medicações não hormonais forem ineficazes.
- Nível 4: Doses maiores de medicações hormonais via oral em casos moderados e em casos graves.
Referências Grubin, D., & Beech, A. (2010). Chemical castration for sex offenders. BMJ, 340, c74. doi:10.1136/bmj.c74 Koo, K. C., Ahn, J. H., Hong, S. J., Lee, J. W., & Chung, B. H. (2014). Effects of chemical castration on sex offenders in relation to the kinetics of serum testosterone recovery: implications for dosing schedule. J Sex Med, 11(5), 1316-1324. doi:10.1111/jsm.12492 Koo, K. C., Shim, G. S., Park, H. H., Rha, K. H., Choi, Y. D., Chung, B. H., . . . Lee, J. W. (2013). Treatment outcomes of chemical castration on Korean sex offenders. J Forensic Leg Med, 20(6), 563-566. doi:10.1016/j.jflm.2013.06.003
Atendimento – Consultório
Telefone: 0 XX 11 3120-6896
E-mail: dbaltieri@uol.com.br
Endereço: Avenida Angélica, 2100. Conjunto 13
Condomínio Edifício da Sabedoria
CEP: 01228-200, Consolação – São Paulo

Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.