Cada indivíduo experimenta modelos particulares ou peculiares para vivenciar a própria sexualidade. A individualidade das nossas experiências decorre de diferentes formas e oportunidades de desenvolvimento a partir de uma combinação claramente aleatória de fatores genéticos, epigenéticos, físicos, psicológicos, sociais e culturais. O termo guarda-chuva ‘preferências sexuais’ pode ser considerado como uma forma de alocar indivíduos em grupos com objetivos ou comportamentos sexuais e eróticos similares. Por exemplo, os chamados exibicionistas são especialmente estimulados ao expor os seus órgãos genitais a estranhos usualmente em locais públicos, os fetichistas excitam-se sexualmente com algum objeto inanimado, os parcialistas excitam-se sexualmente com partes do corpo e não necessariamente ou mesmo primordialmente com o coito propriamente dito.
Dentre as mais de 250 parafilias já descritas nos gêneros textuais médicos, destaco aqui o conhecido Infantilismo Parafílico ou Autonepiofilia.
O termo Infantilismo Psicossexual foi cunhado pelo eminente psiquiatra austríaco Wilhem Stekel (embora alguns autores atribuam a S. Freud), em sua seminal obra com o mesmo título. Ele descreveu esse quadro como uma síndrome envolvendo um afastamento da realidade e em direção a uma fantasia sexual regredida. O objetivo dessa “regressão” seria tornar-se “o Bebê Adulto” (Stekel, 1952).
A definição deste grupo evoluiu ao longo do século XX. O termo Infantilismo Parafílico tem sido muitas vezes reservado para aqueles adultos que buscam excitação sexual com a fantasia e/ou práticas sexuais relacionadas com a autoimagem de ser um bebê e de receber cuidados por um adulto. Em outras palavras, consistiria em um “retorno erótico à própria infância” (Scott, 1983).
Outrossim, o infantilismo parafílico pode ser definido como uma “excitação sexual recorrente e intensa envolvendo objetos da infância (por exemplo, fraldas) e/ou experiências da infância, como incontinência ou alimentação (papinhas de bebê)”. Os comportamentos sexuais dos infantilistas são semelhantes aos dos fetichistas; os objetos comuns da atividade sexual são fraldas, outras roupas infantis e os atos de assumir comportamentos de um bebê (Speaker, 1986).
Infantilistas Parafílicos vestem fraldas e/ou outros elementos do vestuário infantil para excitar-se sexualmente utilizando-se da fantasia de ser um bebê. Eles usualmente tentam incluir esses itens nos atos sexuais com um parceiro, ou obter excitação sexual vestindo fraldas em um parceiro que assim aceite a proposta.
No entanto, não me parece que o Infantilismo Parafílico tenha APENAS similaridades com o Fetichismo. A submissão do “Adulto Bebê” diante de um parceiro “Adulto Adulto” usualmente também pode fazer parte do quadro parafílico conhecido como Sadomasoquismo. No contexto do BDSM (“Bondage”, “Discipline”, “Dominance-Submission”, “Sadism” and “Masochism”), a gratificação inerente à brincadeira é derivada do controle do parceiro de forma dominante e dos atos de ser controlado de forma dominada ou submissa. A dramatização na forma de “professor e uma criança da pré-escola” pode envolver a humilhação da criança que desempenha um papel submisso e do professor que desempenha um papel dominador. Essa dramatização pode envolver o espancamento ou o uso de fraldas como parte da humilhação (Doshi, Zanzrukiya, & Kumar, 2018).
Dito isso, não é incomum que tanto os gêneros literários quanto os gêneros textuais médicos, ao se pronunciarem sobre o Infantilismo Parafílico, atualmente usem o binômio AB / DL, isso é, Adult Babies / Diaper Lovers (Bebês Adultos / Amantes de Fraldas), exatamente para dicotomizar os aspectos sadomasoquistas versus fetichistas embutidos no fenômeno da Autonepiofilia.
Até há 25 anos, o nível de sigilo era tão alto que muitas vezes os infantilistas não tinham consciência de que outras pessoas compartilhavam da mesma parafilia ou mesmo que grupos de apoio e literatura específica sobre tais fantasias sexuais já haviam sido desenvolvidos. De lá para cá, com a popularização da Internet, sites, blogs, filmes pornográficos envolvendo adeptos do Infantilismo Parafílico abundam, o que facilita a interação sexuoerótica. Apesar de alguns aspectos salutares, não podemos nos esquecer de que a Internet e as mídias sociais fornecem diferentes plataformas para pessoas que desejam compartilhar a mesma intenção bizarra. O desafio é determinar a linha que separa o bizarro do não bizarro.
Não há muitos AB / DL relacionados à mídia clássica, mas há mais deles na chamada mídia de massa. É difícil estimar o número de pessoas que desempenham papéis de bebês para obter gratificação sexual ou mesmo que usam fraldas para fins sexuais. As informações indiretas são usualmente fornecidas por sites e blogs. No maior fórum americano para pessoas AB / DL, em 2014, o número de usuários foi de 33.302, dos quais 2.218 usuários estavam ativos. Os usuários do fórum mencionado escreveram mais de um milhão de postagens e criaram 88.335 tópicos de conversa. Um fórum polonês criado por pessoas que se identificam como AB / DL incluiu 435 usuários que escreveram 46.996 postagens sobre quase três mil tópicos (Oronowicz, 2016). Cerca de 1.934 pessoas participaram da pesquisa americana anunciada no fórum da Internet (Hawkinson & Zamboni, 2014). Depois de digitar a frase “AB / DL” no mecanismo de pesquisa do Google, você pode encontrar dezenas de milhares de vídeos, fotos e blogs privados dedicados a aderentes e simpatizantes do AB / DL. Todos esses dados indicam indiretamente que o Infantilismo Parafílico não se limita a casos individuais, mas é um fenômeno mais difundido.
As causas da Autonepiofilia são ainda bastante elusivas. Uma das teorias que mais chama a atenção é aquela desenvolvida por Freund e Blanchard (Freund & Blanchard, 1993), sobre o “erro de localização do foco erótico”. Segundo essa teoria, o infantilismo parafílico seria um tipo de transtorno da identidade erótica, em que as fantasias sexuais são dirigidas a si mesmo e não ao parceiro sexual. Nessa teoria, o infantilismo parafílico pode ser entendido como uma forma de excitar-se consigo mesmo, mas enquanto imaginando-se como um bebê.
Também a teoria de John Money a respeito do mapa do amor vandalizado no que diz respeito à necessidade de atingir o orgasmo por meio de ser visto, notado e cuidado por um adulto, já que o “Bebê Adulto” se encontra em situação de vulnerabilidade e solicitando observação, deve ser levada em consideração (Money, 1993).
Os comportamentos sexuais são quase ilimitados em suas manifestações…
Abaixo, forneço um instrumento utilizado para avaliar os interesses bem como os comportamentos sexuais dos Autonepiofílicos (Speaker, 1986).
Tais experiências e atividades o(a) excitam sexualmente?
(Nesta seção, indique apenas sua experiência real com infantilismo até o momento)
As respostas, tipo Likert, podem ser: Nunca, Raramente, Às vezes, Frequentemente, Sempre (Raro: menos de uma vez por ano; Às vezes: 1 a 10 vezes por ano; Frequentemente: 1 a 20 vezes por mês)?
1. Quando você…?
a. Usa fraldas
b. Usa calças plásticas
c. Usa calças de borracha
d. Usa uma toalha de borracha
e. Usa calças/fraldas molhadas à noite
f. Usa calças/fraldas molhadas durante o dia
g. Usa calças/fraldas sujas
h. Imagina estar sendo cuidado por enfermeira(o) para bebês
i. Imagina estar tomando mamadeira e/ou usando chupeta
j. Usa mamadeira e/ou chupeta
k. Usa babador
l. Come papinha de bebê
m. Dorme em um berço ou uma cama camuflada de berço
n. Usa cadeira alta ou cercadinho
o. Brinca com boneca(o) ou ursinho de pelúcia
2. Você já usou o seguinte como um ritual sexual ou para excitar-se sexualmente?
a. Talco para bebê
b. Óleo de bebê
c. Loção para bebês
d. Pomada para assaduras
e. Supositórios
f. Enemas
g. Sabonetes para crianças, com “cheirinho” de bebê
h. Botinhas
i. Gorrinhos
j. Fralda na cabeça
k. Fingir dormir como se fosse um bebê
l. Camisolas ou roupinhas de bebê
m. Macacãozinho
n. Outras roupagens de bebê (quais ?)
o. Óculos de sol para bebês
p. Fórmulas para bebês
q. Laxantes para sujar fraldas/calças
r. Tecidos ao redor da bacia para simular fralda
Referências Doshi, S. M., Zanzrukiya, K., & Kumar, L. (2018). Paraphilic infantilism, diaperism and pedophilia: A review. J Forensic Leg Med, 56, 12-15. Freund, K., & Blanchard, R. (1993). Erotic target location errors in male gender dysphorics, paedophiles, and fetishists. Br J Psychiatry, 162, 558-563. Hawkinson, K., & Zamboni, B. D. (2014). Adult baby/diaper lovers: an exploratory study of an online community sample. Arch Sex Behav, 43, 863-877. Money, J. (1993). Lovemaps. Clinical Concepts of Sexual/Erotic Health and Pathology, Paraphilia, and Gender Transposition in Childhood, Adolescence, and Maturity. New York: Irvington Publishers. Oronowicz, W. S., M. (2016). Paraphilic infantilism. The analysis of selected cases presented in media with reference to the etiological hypotheses. Przegl Seks, 4, 2-9. Scott, G. G. (1983). Dominant Women, Submissive Men. New York: Praeger Press. Speaker, T. J. (1986). Psychosexual Infantilism in Adults: The Eroticization of Regression. (Dissertation). Columbia Pacific University, California. Stekel, W. (1952). Patterns of Psychosexual Infantilism. New York: Liveright Press.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.