A anedonia, ou seja, a acentuada perda de interesse ou prazer por atividades que deveriam ser naturalmente gratificantes, é uma consequência devastadora para muitos indivíduos dependentes de maconha.
E-mail enviado por um leitor
“Depois de consumir maconha por muitos anos, me senti caindo no fundo poço. Decidi procurar o NA e parei de fumar há seis meses. No entanto, percebo que uma felicidade que eu tinha antes de fumar baseado, eu não consegui recuperar… Sinto uma alma vazia em um corpo que luta para se reencontrar. Isso não está me dando fissura para retornar ao uso, mas é desesperador… o que preciso fazer para poder sair disso?”
Resposta
Do ponto de vista clínico, a anedonia, ou seja, o interesse ou prazer acentuadamente diminuído em atividades que deveriam ser naturalmente gratificantes, é uma consequência devastadora para muitos indivíduos dependentes de maconha.
Sintomas semelhantes à anedonia têm também sido relatados no contexto do uso crônico ativo de outras substâncias psicoativas, na abstinência prolongada e durante a abstinência sustentada. Além disso, a anedonia pode, para alguns indivíduos, atuar como uma vulnerabilidade preexistente para a recaída do uso da substância.
Os sintomas que caracterizam a anedonia parecem, assim, refletir alterações neuroquímicas subjacentes, tipicamente associadas ao uso recorrente e intenso da substância. Trata-se, na verdade, de um poderoso reforço negativo que pode impulsionar o uso continuado de substâncias.
O consumo crônico de maconha reduz significativamente a liberação de dopamina na região do striatum cerebral, provocando diminuição da resposta e mesmo da sensibilidade aos prazeres do dia a dia. Além disso, prejuízos na memória, na atenção e dificuldades para aprender novas habilidades têm sido observados.
Parece que não é apenas a liberação de dopamina que é afetada, mas também a sua síntese. A dopamina é intimamente relacionada com motivação, sensibilidade à recompensa e prazer. Com baixa síntese desse neurotransmissor, as consequências, como a sensação de vazio, a anedonia e a perda da motivação são notáveis.
Outrossim, o consumo crônico de maconha provoca alterações neuroanatômicas em regiões cerebrais pré-frontal e hipocampal, com associada redução do número e da funcionalidade dos receptores cerebrais para canabinoides (CB1). Estes prejuízos reais resultam em declínio cognitivo, redução do controle inibitório e problemas com o processamento emocional (reatividade e flexibilidade emocional).
Também é importante destacar que uma característica comum entre aqueles que fazem ou fizeram uso recorrente e intenso de substâncias, como a maconha, é a alta prevalência de outros transtornos psiquiátricos.
Anedonia, depressão e ansiedade
Transtornos do humor (depressão, por exemplo) e de ansiedade são os transtornos psiquiátricos mais bem relatados entre usuários de substâncias e ambos podem cursar com anedonia.
A anedonia não é, de longe, o único construto comum subjacente às comorbidades mencionadas e a outros transtornos psiquiátricos. No entanto, até agora, o papel da anedonia tanto na patogênese da dependência quanto na comorbidade com transtornos de humor tem sido pouco elucidado.
De uma forma didática, pelo menos duas grandes dimensões subjacentes à anedonia podem ser identificadas por meio de pesquisas com animais e humanos:
1) hiposensibilidade de recompensa e
2) motivação de abordagem reduzida.
De importância, ambos os aspectos podem estar associados com vias neurobiológicas subjacentes e características neuroquímicas mais ou menos específicas.
Sugere-se que a “hiposensibilidade” para sentir recompensa esteja associada às vias endógenas dos receptores opioides e endocanabinoides em diferentes áreas do cérebro. Esse componente poderia ser chamado de dimensão hedônica da anedonia, ou seja, “anedonia hedônica”.
Já a motivação de abordagem é vista como o “driver” que facilita o comportamento direcionado para atingir objetivos para obter recompensas. Esta motivação parece relacionar-se com os circuitos frontoestriatais dopaminérgicos. A redução do funcionamento dopaminérgico tem um efeito adverso na motivação para buscar estímulos recompensadores. Essa dimensão poderia ser chamada de componente motivacional da anedonia, ou seja, “anedonia motivacional”.
Na prática clínica diuturna, não é incomum o aparecimento de pacientes usuários crônicos de maconha que demonstram quadro de anedonia, falta de motivação para atingir ou mesmo formular planos. A esse quadro, chamávamos “Síndrome Amotivacional”. De difícil tratamento, os pacientes devem estar alerta tanto sobre a possibilidade de recaídas quanto à ampla necessidade de cessar o uso.
Os tratamentos médico e psicossocial são complexos. Existem medicações que podem piorar o quadro de desmotivação e medicações que podem melhorar o mesmo. Por isso, existe a necessidade de profissional médico especializado na área para realizar o seu tratamento.
Veja: o seu cérebro teve modificações funcionais e talvez estruturais devido ao uso crônico de maconha. Você precisa tratar-se de forma adequada e urgente. A chance de recaída entre pessoas com anedonia, vazio, falta de motivação relacionados ao consumo crônico de maconha é alta.
Não perca tempo!!!
Atenção! Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.
Atendimento – Consultório
Telefone: (11) 3120-6896
E-mail: [email protected]
Endereço: Avenida Angélica, 2100. Conjunto 13
Condomínio Edifício da Sabedoria
CEP: 01228-200, Consolação – São Paulo
Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.