Pedofilia não tem cura, mas tem controle, afirma psiquiatra

R7

Com 30 anos de trabalho voltado ao tema, Danilo Baltieri já atendeu mais de 2 mil pacientes com transtorno pedofílico; tratamento inclui terapia e remédios

O tratamento médico de pedófilos é algo pouco discutido no Brasil, mas com potencial de fazer com que os portadores do transtorno não pratiquem mais crimes, desde o consumo de pornografia infantil até o abuso de crianças e adolescentes.

Há cerca de 30 anos, o médico psiquiatra Danilo Baltieri estuda o transtorno pedofílico. Em 2003, ele fundou o ABSex (Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC) e já atendeu mais de 2 mil pacientes com esse problema.

Baltieri afirma que a pedofilia “não tem cura, mas pode ser controlada”. Para ele, “o impulso sexual presente em portadores do transtorno pedofílico frequentemente é grande. Entretanto, na grande maioria das vezes não é algo absolutamente incontrolável”.

“No tratamento, é importante a contenção ou a redução da impulsividade sexual anormal. Usamos medicações para conter, mas ela é só uma parte do tratamento. A outra parte é a terapia em grupo, focada nesse tipo de população. Não é qualquer psicoterapia, é terapia comportamental cognitiva de base e terapia de grupo.”

O psiquiatra compara o transtorno pedofílico ao diabetes. “Uma vez portador, vai ser sempre portador. O que varia é a gravidade do problema. Tem pessoas que têm um grau mais leve, outros moderado, grave e até catastróficos, que é quando o indivíduo estupra e mata a criança.”

No entanto, acrescenta, cerca de 80% dos molestadores ou estupradores de crianças não é pedófilo — apenas entre 20% e 30% desse grupo possuem o transtorno. “Em geral, os estupradores de crianças não são pedófilos. A maioria é de oportunidade, por poder, ou porque consumiu muito álcool”, explica.

“A mídia comete um erro enorme quando imediatamente chama um agressor sexual de crianças, um estuprador de crianças, de pedófilo”, ressalta Baltieri. O problema, observa o médico, é difícil de ser diagnosticado, mas se caracteriza quando se identificam fantasias, atividades ou práticas sexuais, intensas e repetitivas com menores de 13 anos.

O tratamento para o transtorno pedofílico tem três objetivos principais: reduzir ou anular o risco de reincidência; melhorar a qualidade de vida sexual do indivíduo (mais de 50% são casados); e proporcionar uma socialização mais adequada, já que muitos deles consomem muito tempo em busca de crianças, mandando mensagens e procurando imagens pornográficas.

O distúrbio pode ser diagnosticado a partir dos 16 anos, explica o médico. “O transtorno pedofílico hoje se crê que seja um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, a pessoa já nasce com traços. Existem alterações funcionais cerebrais nos indivíduos que portam esse problema. Em desenvolvimento, fixa seu desejo por alguém mais jovem ou da mesma idade e enquanto a sua idade vai avançando, seu desejo sexual fica.”

Um dos subgrupos da pedofilia são os chamados infantófilos, que se excitam e têm relações sexuais com crianças menores de cinco anos, inclusive bebês.

Pornografia infantil é ‘porta de entrada’

A internet proporciona um terreno propício para pedófilos, segundo o psiquiatra. Antigamente, afirma Baltieri, estimava-se que 1% dos homens era pedófilo. Hoje, são entre 1% e 3%.

Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente é crime no Brasil, com pena de quatro a oito anos de prisão. Mesmo assim, frequentemente operações policiais descobrem redes de pornografia infantil.

O tema preocupa, uma vez que cerca de 60% dos indivíduos que consomem pornografia infantil avançam para o ato ou tentativa, de acordo com o médico.

O medo da prisão faz com que pedófilos procurem alternativas, como o schotacon, uma espécie de desenho animado de pedofilia. Legalmente, não existe previsão legal em relação a punir pessoas que assistem a esse tipo de conteúdo, o que é um sinal de alerta, ressalta Baltieri.

“A Polícia Federal, de uma forma muito eficaz no nosso país, tem cercado os consumidores de pornografia infantil, e aí tem surgido os consumidores de desenhos animados de crianças tendo relações sexuais. Não é arte. Incita as pessoas com o problema de avançar para o terreno da realidade. Tem que ser revisto”.

“Não há motivos para não buscar tratamento”

Poucos são os pacientes que procuram o ABSex antes de serem descobertos. O ambulatório atende apenas indivíduos que desejem o tratamento. Mas Baltieri ressalta que é preciso buscar ajuda especializada ao primeiro sinal de que algo está errado.

“Não há motivos para não buscar tratamento. A chance [se não tratar] é sempre de piora, o que na medicina a gente chama de escalonamento”.

Na visão do psiquiatra, além da prisão, é preciso haver políticas públicas que incluam o tratamento dentro e fora dos presídios. “É comum pacientes serem presos, saem e não retornam ao tratamento nunca mais.”

 

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