“Estava com os meus amigos cheirando pó… Vi, mais ou menos perto de lá, uma moça no ponto de ônibus e percebi que havia um telefone celular com ela. Cheguei até ela e anunciei o assalto tendo um canivete comigo. Aquilo me encheu de excitação e a obriguei a abaixar a calcinha. Não tive dúvidas. Estuprei-a com toda a minha força…”
(Anônimo)
Excerto – Excitação Criminosa
A sonoridade do discurso refere-se aos aspectos fonéticos, rítmicos e melódicos da fala, que podem influenciar a percepção e a interpretação do conteúdo. No caso do discurso em questão, observa-se um ritmo acelerado e fragmentado, refletindo a tensão e a excitação do narrador. As frases são curtas e diretas, o que pode transmitir uma sensação de urgência e falta de controle.
A entonação provavelmente varia entre tons mais baixos e sussurrados (ao descrever a aproximação e o anúncio do assalto) e tons mais altos e intensos (ao descrever o ato de violência). Essa variação na entonação pode reforçar a dramaticidade e a gravidade dos eventos descritos.
As pausas podem ser utilizadas para enfatizar certas partes do discurso, como o momento em que o narrador anuncia o assalto ou descreve o ato de violência. Essas pausas podem criar um efeito de suspense ou choque no ouvinte.
A escolha de palavras como “cheirando pó”, “canivete”, “excitação”, e “estuprei” carrega uma carga sonora agressiva e impactante. A repetição de consoantes fortes (como o “r” em “estuprei”) pode aumentar a sensação de violência e brutalidade.
Podemos observar também que o discurso contém múltiplas vozes, embora seja narrado em primeira pessoa. A voz do narrador está em diálogo com as normas sociais, as leis e os valores éticos que ele viola. Há também uma voz implícita da vítima, que não é diretamente expressa, mas cuja presença é sentida através das ações do narrador. No discurso, o narrador inverte as normas de conduta social e moral, transformando um ato de violência em uma fonte de excitação e prazer. Essa inversão pode ser vista como uma forma de carnavalização, onde o que é normalmente reprimido ou condenado é trazido à tona.
O discurso do narrador está em diálogo com discursos sociais mais amplos sobre violência, gênero e poder. Ele reflete e desafia as normas sociais que condenam a violência sexual, ao mesmo tempo em que as reproduz através de suas ações. O narrador parece estar ciente dessas normas, mas escolhe ignorá-las, o que cria uma tensão dialógica entre o que é socialmente aceito e o que ele descreve.
No caso do narrador, a consciência da vítima e da sociedade está presente, mas é distorcida. Ele reconhece a presença da vítima e a reação potencial da sociedade, mas essas consciências são subjugadas pela sua própria excitação e desejo de poder.
O discurso pode ser classificado como um tipo de confissão ou relato de um ato criminoso. Esse gênero de discurso carrega consigo expectativas sociais e morais, que são violadas pelo conteúdo do que é narrado. O narrador usa esse gênero para justificar ou explicar suas ações, mas ao fazê-lo, ele também expõe a motivação dos seus atos.
Introdução
As motivações criminais são um tema complexo e multifacetado, abordado por diversas disciplinas, como a criminologia, a psicologia e a sociologia. Qualquer análise detalhada sobre as diferentes motivações que levam indivíduos a cometer crimes destaca que não existe um único “tipo criminal”, mas uma miríade de fatores que influenciam o comportamento criminoso. Esses fatores podem ser biológicos, psicológicos, sociais, culturais, ambientais, situacionais e sua interação pode levar a diferentes expressões criminais.
Por exemplo, alguns criminosos apresentam predisposições biológicas ou psicológicas que os inclinam ao crime. Por exemplo, indivíduos com alguns transtornos de personalidade e problemas com o consumo de substâncias psicoativas podem ser mais propensos a cometer crimes devido à impulsividade motora ou à incapacidade, mesmo que temporária, de seguir as normas sociais (FB &c Ltd., 2016). Além disso, aventa-se que a hereditariedade pode desempenhar um papel correlacional, com traços de personalidade e tendências criminais transitando e correndo através de famílias. Essa ideia é corroborada por estudos modernos que sugerem que fatores genéticos podem influenciar comportamentos antissociais (Raine, 2013).
Outrossim, as condições sociais e ambientais também são apontadas como fatores cruciais na motivação criminal. A miséria, a falta de oportunidades educacionais e a exposição a ambientes criminosos podem levar indivíduos a adotar comportamentos ilegais como meio de sobrevivência ou ascensão social (FB &c Ltd., 2016). Essa perspectiva é amplamente discutida na remota teoria da tensão de Merton (1938), que sugere que a discrepância entre metas sociais e os meios disponíveis para alcançá-las pode levar ao crime.
Além disso, a influência de grupos e de subculturas criminosas, onde indivíduos são socializados em um ambiente que normaliza e até glorifica o comportamento criminoso, deve sempre ser levada em consideração. Essa ideia é semelhante à teoria da associação diferencial de Sutherland (1947), que propõe que o aprendizado do crime ocorre por meio da interação com outros criminosos.
Também, a motivação econômica é outro fator de destaque. Muitos criminosos são impulsionados pelo desejo de ganho financeiro rápido e fácil, especialmente em sociedades onde o sucesso material é altamente valorizado (FB &c Ltd., 2016). Esse tipo de motivação é frequentemente associado a crimes como roubo, fraude e tráfico de drogas. A mais recente teoria da escolha racional (Cornish & Clarke, 1986) sugere que alguns destes criminosos avaliam os custos e benefícios das suas ações antes de cometer um crime, optando por atividades que oferecem maior recompensa com menor risco, da mesma forma como uma empresa o faria.
Não menos importante são as motivações morais e ideológicas, onde indivíduos cometem crimes por acreditarem que estão agindo de acordo com um “código de ética” ou ideologia específica, pessoal ou mesmo grupal. Isso pode incluir crimes cometidos em nome de causas políticas, religiosas ou sociais (FB &c Ltd., 2016). Essa perspectiva é relevante para entender crimes como terrorismo e atos de violência política, onde os perpetradores justificam as suas ações com base em crenças profundamente arraigadas e interesses particulares.
Motivação Criminal e Modelo de Abordagem Psicossocial
A motivação criminal é um conceito central para a compreensão do comportamento delituoso e para o desenvolvimento de intervenções eficazes no sistema de justiça criminal. Refere-se, de fato, às forças internas que impulsionam um indivíduo a cometer crimes, sejam estas motivações tangíveis ou instrumentais, expressivas ou psicológicas, sexuais e ideológicas. Essas forças podem incluir desde a busca por prazer e excitação até a necessidade distorcida de encarar realidades desagradáveis ou de obter ganhos materiais. A motivação criminal não é a mesma coisa do que as chamadas justificativas ou razões que os indivíduos podem apresentar após o fato, pois estas nem sempre refletem os ensejos subjacentes que levaram ao comportamento criminoso (Koegl & Farrington, 2022).
Dentro do modelo Risco, Necessidade e Responsividade (RNR), desenvolvido por Andrews e Bonta (2010), a motivação é considerada um aspecto crucial da responsividade específica. Este modelo RNR é amplamente utilizado na psiquiatria forense e na criminologia para orientar intervenções correcionais. Ele se baseia em três princípios principais:
(1) Risco: Refere-se à avaliação da probabilidade de reincidência
(2) Necessidade: Identifica os fatores dinâmicos (criminogênicos) que podem ser modificados e tratados para reduzir o risco de reincidência
(3) Responsividade: Considera a capacidade do indivíduo de se engajar no tratamento e a adequação das intervenções às suas características pessoais.
A motivação, dentro do modelo RNR, não é tratada como um fator de risco ou necessidade, mas sim como um elemento da responsividade específica. Isso significa que a motivação do indivíduo (não apenas para cometer o crime) mas também para mudar e se engajar no tratamento é fundamental para o sucesso das intervenções. Por exemplo, um indivíduo que comete crimes para obter prazer ou para mitigar situações pessoais desagradáveis pode precisar de abordagens terapêuticas que ajudem a encontrar formas alternativas de satisfazer essas necessidades de maneira pro-social (Andrews et al., 2011).
A motivação criminal pode ser categorizada de várias maneiras. Farrington (1993) propôs 12 categorias de motivação, incluindo motivos econômicos, busca por excitação, desejo de status, vingança e gratificação sexual. Outros estudos, como o de Cusson (1983), identificaram motivações como ação e excitação, tédio, apropriação, agressão defensiva e dominação. Essas categorias ajudam a entender as diferentes razões pelas quais os indivíduos podem se envolver em comportamentos criminosos, e são úteis para orientar intervenções específicas.
No contexto do modelo RNR, a motivação é frequentemente abordada por meio de técnicas como a Entrevista Motivacional (EM), que visa a aumentar a adesão ao tratamento e melhorar os resultados. A EM tem sido utilizada com sucesso em diversas populações, incluindo infratores de alto risco, indivíduos em liberdade condicional e agressores de violência doméstica (McMurran, 2009; Stinson & Clark, 2017). A EM ajuda os indivíduos a explorar e resolver ambivalências em relação à mudança, aumentando assim sua motivação intrínseca para adotar comportamentos pro-sociais.
Além disso, a motivação criminal está intimamente ligada a outros fatores criminogênicos, como o uso de substâncias, problemas de saúde mental e experiências adversas passadas. Por exemplo, indivíduos com histórico de abuso de substâncias podem cometer crimes para financiar seu vício, enquanto aqueles com problemas de saúde mental podem ser motivados por uma ruptura com a realidade ou por sentimentos de desespero (Koegl & Farrington, 2022). Essas interações destacam a importância de uma abordagem pormenorizada ou detalhada durante o manejo dos infratores, que considere tanto os fatores de risco quanto as motivações subjacentes.
Classificações das Motivações Criminais
Diversas classificações foram já propostas ao longo dos anos para categorizar os diferentes motores que levam os indivíduos a cometer crimes (inclusive a classificação proposta pelo Federal Bureau of Investigation, destacada no artigo prévio). Essas classificações ajudam a entender as nuances do comportamento criminoso e são fundamentais para o desenvolvimento de intervenções eficazes dentro e fora do sistema de justiça criminal. Abaixo, são apresentadas algumas das principais classificações de motivações criminais, com base em estudos e teorias criminológicas.
1. Classificação de Farrington (1993)
Farrington propôs uma lista de 12 categorias de motivação criminal, que incluem:
Econômica/Utilitária: Cometer crimes para obter ganhos materiais, como dinheiro ou bens.
Excitação/Diversão: Envolver-se em atividades criminosas pela emoção ou pelo prazer da ação.
Autoestima/Aprovação/Status: Cometer crimes para ganhar respeito, reconhecimento ou status entre pares.
Demonstração de Dureza e Coragem: Comportamentos criminosos para provar bravura ou resistência junto a um grupo.
Chamar a Atenção: Crimes cometidos para ganhar notoriedade ou atenção, ficar “famoso”, ser a “celebridade do crime”, ganhar alguma alcunha do tipo “maníaco do jardim”, ser citado no Wikipedia…
Redução de Tensão: Comportamentos criminosos como forma de aliviar estresse ou ansiedade.
Vingança: Crimes motivados pelo desejo de retaliação contra alguém que causou dano.
Exercício de Poder: Cometer crimes para dominar ou controlar outras pessoas.
Escape de Situações Desagradáveis: Crimes como uma forma de driblar realidades indesejadas.
Prazer: Crimes cometidos pela sensação de prazer imediato.
Curiosidade: Envolvimento em atividades criminosas por curiosidade ou desejo de experimentar algo novo.
Gratificação Sexual: Crimes cometidos para satisfazer desejos ou necessidades sexuais.
2. Classificação de Cusson (1983)
Cusson, em seu livro Why Delinquency? identificou sete categorias principais de motivação criminal:
Ação, Excitação e Estimulação: Crimes cometidos pela emoção e adrenalina que proporcionam.
Tédio: Comportamentos criminosos como uma forma de combater o tédio ou a monotonia.
Apropriação: Crimes cometidos para obter bens ou recursos.
Agressão Defensiva: Crimes motivados pela necessidade de se defender ou proteger a si mesmo ou a outros.
Vingança: Crimes cometidos para retaliar ou se vingar de alguém.
Catarse: Crimes como uma forma de liberar emoções reprimidas, como raiva ou frustração.
Dominação, Crueldade, Status Social e Prestígio: Crimes cometidos para exercer poder sobre outros ou para ganhar status dentro de um grupo.
3. Classificação de Agnew (1990)
Agnew desenvolveu uma lista de 15 motivações com base em respostas de adolescentes que admitiram ter cometido atos delinquentes. Essas motivações incluem:
Autogratificação/Busca por Prazer: Crimes cometidos para obter prazer ou satisfação pessoal.
Utilitária: Crimes cometidos para obter ganhos materiais.
Curiosidade/Emoção: Crimes cometidos por curiosidade ou busca por emoções fortes.
Retaliação/Vingança: Crimes motivados pelo desejo de retaliação.
Conflito/Luta: Crimes cometidos no contexto de brigas ou conflitos interpessoais.
Provocação Involuntária: Crimes cometidos em resposta a uma provocação percebida.
Raiva/Ira: Crimes motivados por sentimentos intensos de raiva.
Evitar Dor ou Punição: Crimes cometidos para evitar consequências negativas.
Pressão Social: Crimes cometidos sob influência de pares ou grupos sociais.
Estima dos Pares: Crimes cometidos para ganhar respeito ou admiração de colegas.
Justificativa Moral: Crimes cometidos com base em crenças morais ou ideológicas.
Tédio: Crimes cometidos por falta de atividades significativas.
Autoestima: Crimes cometidos para melhorar a autoimagem ou autoconfiança.
Poder: Crimes cometidos para exercer controle sobre outros.
Política/Ideológica: Crimes cometidos com base em crenças políticas ou ideológicas.
4. Classificação de Gudjonsson e Sigurdsson (2004)
Gudjonsson e Sigurdsson desenvolveram o Offending Motivation Questionnaire (OMQ), que identifica quatro fatores principais de motivação criminal:
Conformidade: Crimes cometidos para agradar ou se conformar com as expectativas de outros.
Provocação: Crimes cometidos em resposta a uma provocação ou perda de controle.
Financeira: Crimes cometidos para obter dinheiro ou recursos.
Excitação: Crimes cometidos pela emoção ou para aliviar o estresse.
5. Classificação de Craig et al. (2018)
Craig e colegas identificaram cinco motivações principais com base em um estudo com jovens infratores:
Raiva/Vingança: Crimes cometidos por sentimentos de raiva ou desejo de vingança.
Impulso: Crimes cometidos de forma impulsiva, sem planejamento prévio.
Desejo Sexual: Crimes cometidos para satisfazer desejos sexuais.
Dinheiro/Ganho Material: Crimes cometidos para obter recursos financeiros ou materiais.
Diversão/Excitação: Crimes cometidos pela emoção ou diversão que proporcionam.
6. Classificação de Ohlsson e Ireland (2011)
Ohlsson e Ireland focaram especificamente em motivações para agressão, identificando quatro motivos principais:
Proteção: Crimes cometidos para se proteger ou proteger outros.
Reconhecimento Social: Crimes cometidos para ganhar reconhecimento ou status.
Prazer: Crimes cometidos pela sensação de prazer que proporcionam.
Resultado Positivo Percebido: Crimes cometidos com a expectativa de um resultado positivo, como ganho material ou satisfação pessoal.
7. Classificação de Koegl e Farrington (2022)
No estudo de Koegl e Farrington, uma lista consolidada de 16 motivações foi desenvolvida, incluindo:
Utilitária: Crimes cometidos para obter algo.
Busca por Sensações: Crimes cometidos por excitação ou curiosidade.
Prazer/Felicidade: Crimes cometidos para sentir prazer ou felicidade.
Redenção/Honra: Crimes cometidos para restaurar a honra ou provar capacidade.
Retaliação/Vingança: Crimes cometidos para se vingar.
Luto/Perda/Desespero: Crimes cometidos como um sinal de sofrimento.
Preservação/Proteção: Crimes cometidos para se proteger ou evitar punição.
Influências Sociais: Crimes cometidos para aumentar o status social ou por pressão dos pares.
Redução de Tensão: Crimes cometidos para aliviar tensão emocional.
Poder/Controle: Crimes cometidos para exercer poder sobre outros.
Raiva/Ciúme/Ódio: Crimes cometidos por sentimentos negativos em relação a outros.
Sexual: Crimes cometidos para satisfazer necessidades sexuais.
Saúde Mental: Crimes cometidos durante episódios de ruptura com a realidade.
Uso de Substâncias: Crimes cometidos sob influência de drogas ou álcool.
Ideológica: Crimes cometidos com base em crenças políticas ou sociais.
Amor/Misericódia: Crimes cometidos por sentimentos de amor ou empatia.
O Manejo Clínico Considerando as Diversas Motivações Criminais
O manejo clínico de criminosos, especialmente no que diz respeito à identificação e abordagem das suas motivações criminais, é um desafio complexo que requer investidas diferenciadas, dependendo da capacidade (e vontade) do indivíduo em revelar suas verdadeiras motivações.
Aqueles criminosos que não conseguem ou não estão dispostos a revelar suas motivações, requerem paciência, criatividade e uma abordagem multifacetada por parte dos profissionais da saúde especializados. É essencial que os profissionais da área clínica estejam preparados para trabalhar com a complexidade das motivações criminais, utilizando uma variedade de técnicas e intervenções baseadas em evidências. Além disso, é importante reconhecer que também a motivação para mudar pode flutuar ao longo do tempo, e os terapeutas devem estar preparados para ajustar as suas abordagens conforme necessário.
Abaixo, sugestões de manejo clínico são sumariamente apresentadas para ambos os cenários: criminosos que revelam e criminosos não revelam as suas motivações criminais.
Manejo Clínico de Criminosos que Revelam suas Motivações
Quando os criminosos são capazes de identificar e expressar as suas motivações criminais, os profissionais da área clínica têm uma base sólida para desenvolver intervenções personalizadas e eficazes. Aqui estão algumas estratégias recomendadas:
Entrevista Motivacional (EM):
A Entrevista Motivacional é uma técnica eficaz para explorar e resolver a ambivalência em relação à mudança. Ela ajuda os indivíduos a refletir sobre suas motivações e a encontrar razões intrínsecas para mudar comportamentos criminosos.
Aplicação: Utilizar a EM para ajudar o indivíduo a conectar suas motivações criminais (como busca por prazer ou escape de realidades desagradáveis) com estratégias pro-sociais para atender a essas necessidades.
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC):
A TCC pode ser usada para desafiar e modificar pensamentos distorcidos e crenças disfuncionais que sustentam o comportamento criminoso.
Aplicação: Trabalhar com o indivíduo para identificar pensamentos automáticos relacionados ao crime (por exemplo, “Eu mereço isso” ou “Ninguém vai me pegar”) e substituí-los por pensamentos mais adaptativos.
Planejamento de Metas e Estratégias de Enfrentamento:
Ajudar o indivíduo a estabelecer metas realistas e desenvolver estratégias de enfrentamento para lidar com situações que possam desencadear comportamentos criminosos.
Aplicação: Se a motivação for a busca por excitação, o indivíduo pode ser incentivado a participar de atividades esportivas ou hobbies que proporcionem adrenalina de forma pro-social.
Treinamento de Habilidades Sociais:
Muitos criminosos carecem de habilidades sociais adequadas para resolver conflitos ou obter o que desejam de forma não criminosa.
Aplicação: Oferecer treinamento em habilidades de comunicação, resolução de conflitos e assertividade para ajudar o indivíduo a alcançar seus objetivos de maneira pro-social.
Manejo Clínico de Criminosos que Não Revelam as suas Motivações
Quando os criminosos não conseguem ou não estão dispostos a revelar as suas motivações criminais, o desafio clínico é maior, mas ainda existem estratégias que podem ser empregadas:
Avaliação Psicológica e Comportamental:
Utilizar ferramentas de avaliação psicológica, como o Testes Projetivos e Testes Auto responsivos para identificar, por exemplo, fatores de personalidade e outras necessidades criminogênicas que podem estar relacionadas às motivações subjacentes.
Aplicação: Essas ferramentas podem ajudar a identificar padrões de comportamento e pensamento que sugerem motivações não expressas, como agressividade ou impulsividade.
Observação Comportamental:
Observar o comportamento do indivíduo em diferentes contextos (por exemplo, na prisão ou durante sessões de grupo) pode fornecer pistas sobre suas motivações.
Aplicação: Se o indivíduo demonstra comportamentos agressivos em situações específicas, isso pode indicar uma motivação relacionada ao poder ou à vingança.
Abordagem Motivacional Indireta:
Em vez de pedir diretamente ao indivíduo que revele as suas motivações, os terapeutas podem usar técnicas indiretas, como a terapia narrativa, para explorar histórias de vida e eventos que possam estar relacionados ao comportamento criminoso. Análise do discurso é recomendada.
Aplicação: Pedir ao indivíduo para contar histórias sobre momentos em que se sentiu poderoso ou em controle pode revelar motivações subjacentes, como a necessidade de dominação.
Intervenções Baseadas em Trauma:
Muitos criminosos têm histórico de trauma, que pode estar relacionado a suas motivações criminais. Intervenções como a Terapia de Exposição Prolongada (PE) ou a Terapia Cognitiva Baseada em Trauma (TF-CBT) podem ser úteis.
Aplicação: Se o indivíduo tem um histórico de abuso, pode estar cometendo crimes como uma forma de lidar com sentimentos de desespero ou raiva. A terapia pode ajudar a processar o trauma e reduzir a necessidade de comportamentos criminosos.
Uso de Técnicas de Engajamento:
Técnicas como a Escala de Importância e Confiança podem ser usadas para aumentar o engajamento do indivíduo no tratamento, mesmo quando ele não está disposto a discutir suas motivações diretamente.
Aplicação: Perguntar ao indivíduo o quão importante é para ele mudar seu comportamento e o quão confiante ele se sente em relação a essa mudança pode abrir caminho para discussões mais profundas sobre motivações.
Intervenções Baseadas em Grupo:
Grupos terapêuticos podem ser um ambiente menos ameaçador para os indivíduos explorarem as suas motivações, especialmente quando veem outros compartilhando experiências semelhantes.
Aplicação: Grupos de terapia cognitivo-comportamental ou de habilidades sociais podem ajudar os indivíduos a refletir sobre suas motivações de forma indireta, observando e discutindo as motivações de outros membros do grupo.
Palavras Finais
A motivação criminal é um conceito multifacetado que desempenha um papel crucial no comportamento delituoso e, quando descoberta, no sucesso das intervenções correcionais. Dentro do modelo RNR, a motivação é tratada como um aspecto da responsividade específica, enfatizando a importância de abordagens terapêuticas que considerem as necessidades e características individuais dos infratores. Compreender as motivações por trás do comportamento criminoso não apenas ajuda a explicar por que os crimes são cometidos, mas também fornece insights valiosos para o desenvolvimento de intervenções mais eficazes e personalizadas.
Muitas classificações sobre as motivações criminais refletem a diversidade de motores que podem levar ao comportamento criminoso. Compreender essas motivações é essencial para o desenvolvimento de intervenções eficazes no sistema de justiça criminal, especialmente dentro do modelo RNR, onde a motivação é tratada como um aspecto crucial da responsividade específica. Ao identificar e abordar as motivações subjacentes, os programas correcionais podem ajudar os infratores a encontrar formas pro-sociais para satisfazer as suas necessidades, reduzindo assim o risco de reincidência.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.