Metanfetamina e Sexo Químico (Chemsex)

“Tenho feito slam, ou seja, injetado metanfetamina com uma agulha de insulina na veia do braço, sempre quando faço sexo… Tenho medo de parar de usar essa droga e outras durante as minhas práticas sexuais, porque eu sei que o meu impulso não será o mesmo. O Doutor acha possível ter o mesmo prazer e sensação sexual no sexo sem o uso dessas drogas?”

(Anônimo)

Excerto – O Prazer pela Morte

O discurso apresenta uma sonoridade obviamente informal. A frase inicial, “Tenho feito slam…”, já indica isso. A utilização de “ou seja” demonstra uma tentativa de explicação e justificativa do ato de injetar a droga. O uso de reticências em “…porque eu sei que o meu impulso não será o mesmo” sugere uma hesitação, uma insegurança na fala, e a voz demonstra fragilidade emocional. A pergunta final, em tom interrogativo, reforça a vulnerabilidade e o pedido por ajuda.

A sonoridade reflete um estado de dependência e ansiedade em relação ao uso de substâncias. O discurso se configura num misto de confissão e pedido de ajuda, evidenciado pela hesitação e pela pergunta final. A repetição da expressão “uso dessas drogas” reforça a preocupação com a dependência e a necessidade de assistência. A escolha de palavras como “medo” e “impulso” indica que a dependência interfere com sua vontade e autocontrole, gerando um sentimento de sofrimento.

A principal voz é a do sujeito que está confessando o seu uso de drogas no contexto do chemsex. Esta voz é marcada pela vulnerabilidade, pela insegurança e pelo medo da perda do prazer sexualmente perigoso. A pergunta “O Doutor acha possível…” introduz a voz da autoridade médica, uma voz que o sujeito convoca em busca por ajuda. Esta voz representa a expectativa de um julgamento externo e a busca por orientação profissional.

Há outras vozes implícitas no discurso que afetam a sua significação. A própria escolha de palavras como “slam” e “metanfetamina” demonstra a influência de uma subcultura específica associada ao chemsex. A menção à agulha de insulina evoca a dimensão de risco e de clandestinidade das práticas do chemsex. Outras vozes culturais e sociais sobre sexualidade, drogas e saúde também atuam implicitamente, constituindo um contexto de julgamentos, tabus e expectativas.

No discurso, também existe um diálogo interno no sujeito. O medo de parar e a constatação de que o impulso sexual não será o mesmo sem as drogas revelam um conflito interno entre o desejo ambivalente de parar.

O discurso é um espaço de encontro entre diversas vozes, cada uma posicionada em relação de poder. A voz vulnerável do sujeito se confronta com a voz autoritária do médico, enquanto várias vozes sociais e culturais atuam implicitamente no contexto. Permite-se, com esse breve relato, compreender a complexidade da situação, os conflitos internos do sujeito, a busca por ajuda e as relações de poder presentes na sua fala. A linguagem informal, a hesitação e a pergunta final são pistas importantes para entender o sofrimento, a dependência, o pedido de assistência médica e ambivalência com a possível perda do prazer.

Introdução

O uso da metanfetamina tem se tornado uma preocupação crescente nas Américas e nas Europas, com impactos significativos na saúde pública. No início da década de 1990, cresceu a preocupação com o aumento evidente do consumo da metanfetamina e, em 1996, esta droga se tornou foco das legislações sobre abuso de drogas nas Agências de controle Americanas. No final da década de 1990, as visitas aos pronto-socorros e as internações para o tratamento dos problemas com o uso de metanfetamina dilataram.

Dados epidemiológicos recentes destacam um aumento alarmante no consumo dessa substância, bem como nas mortes por overdose associadas a ela. Esse fenômeno ocorre em um contexto em que a crise de overdose por opioides ainda persiste nos Estados Unidos da América, criando um cenário complexo e desafiador para a prevenção, o tratamento e a redução de danos.

Farmacologia da Metanfetamina

A metanfetamina é uma substância psicoativa estimulante do sistema nervoso central (SNC) que tem sido amplamente estudada devido ao seu potencial de abuso e aos efeitos significativos que exerce no corpo humano. A compreensão dos precursores dessa substância, a sua farmacocinética e farmacodinâmica bem como dos principais mecanismos de ação é essencial para entender como essa droga afeta o organismo e por que ela é tão “viciante”.

Precursores

A metanfetamina é produzida por meio de sínteses químicas que utilizam diversos precursores. A identificação e controle destes precursores são cruciais para a redução do consumo da droga, mas o mercado ilegal demonstra uma notável capacidade de adaptação e inovação para contornar as estratégias de fiscalização. Inicialmente, a síntese de metanfetamina utilizava fenilacetona (P2P) como precursor principal (Mendelson et al., 2006). No entanto, a inclusão da fenilacetona na lista de substâncias controladas pelo DEA (Drug Enforcement Agency) levou os produtores ilegais a buscar alternativas. O uso de efedrina e pseudoefedrina, precursores facilmente acessíveis em medicamentos de venda livre (como descongestionantes nasais), tornou-se uma rota sintética popular (Mendelson et al., 2006). Essa mudança estratégica demonstra a flexibilidade dos grupos criminosos em adaptar-se às mudanças legislativas, buscando precursores legalmente disponíveis, mas ainda úteis na síntese da metanfetamina.

A mudança nos precursores tem impacto direto na pureza e no tipo de metanfetamina produzida. A rota sintética utilizando fenilacetona resulta em uma mistura racêmica de metanfetamina (d-metanfetamina e l-metanfetamina), enquanto a rota com efedrina ou pseudoefedrina produz predominantemente a d-metanfetamina (Mendelson et al., 2006). A d-metanfetamina é consideravelmente mais potente do que a l-metanfetamina, influenciando, portanto, a potência da droga final e seu potencial de abuso.

Dada a flexibilização do mercado de drogas, a fiscalização eficaz requer constante vigilância e adaptação. O controle de precursores específicos, como a efedrina e pseudoefedrina, levou às restrições na venda desses medicamentos em alguns países, forçando o mercado ilegal a buscar novas rotas e precursores (Butterfield, 2005). A contínua busca por novas substâncias e métodos de síntese demonstra a resiliência dos produtores ilegais e a necessidade de uma abordagem estratégica abrangente e adaptativa pelas autoridades de fiscalização. A análise das rotas sintéticas e seus precursores, além do monitoramento da disponibilidade de substâncias químicas, é fundamental para o sucesso dessas ações.

Farmacocinética

A farmacocinética da metanfetamina refere-se à forma como a droga é absorvida, distribuída, metabolizada e excretada pelo corpo. A metanfetamina pode ser administrada por várias vias, incluindo intravenosa, (slam) oral, intranasal e inalatória (fumada). A via de administração influencia a velocidade e a intensidade dos efeitos da droga. Por exemplo, a administração intravenosa (slam) e a inalação produzem efeitos quase imediatos, enquanto a administração oral resulta em um início de ação mais lento (Mendelson et al., 2006).

Após a administração, a metanfetamina é rapidamente absorvida e distribuída por todo o corpo, incluindo o cérebro, onde exerce seus principais efeitos. A droga atravessa facilmente a barreira hematoencefálica devido à sua natureza lipofílica. A meia-vida de eliminação da metanfetamina varia entre 10 e 12 horas, dependendo do isômero (d-metamfetamina ou l-metamfetamina). A d-metamfetamina, que é a forma mais potente e comumente abusada, tem uma meia-vida mais curta (aproximadamente 10 horas) em comparação com a l-metamfetamina (13 a 15 horas) (Mendelson et al., 2006).

O metabolismo da metanfetamina ocorre principalmente no fígado, onde é convertida em metabólitos ativos, como a anfetamina, e outros compostos inativos. A excreção ocorre principalmente pela urina, sendo que uma parte significativa da droga é eliminada inalterada. A eliminação da metanfetamina pode ser influenciada por fatores como o pH urinário, com uma eliminação mais rápida em condições de urina ácida (Cook et al., 1993).

Farmacodinâmica

A farmacodinâmica da metanfetamina refere-se aos efeitos biológicos e fisiológicos que a droga exerce no corpo. A metanfetamina age principalmente aumentando a liberação e inibindo a recaptação de neurotransmissores monoaminérgicos, como dopamina, norepinefrina e serotonina, no cérebro. Esse aumento na concentração sináptica desses neurotransmissores resulta em efeitos estimulantes, como euforia, aumento da atenção e redução da fadiga (Rothman et al., 2001).

A d-metanfetamina é particularmente potente na liberação de dopamina no núcleo accumbens, uma região do cérebro associada ao sistema de recompensa. Esse efeito é responsável pela alta taxa de abuso da droga, pois a liberação de dopamina está diretamente ligada à sensação de prazer e recompensa. Em contraste, a l-metanfetamina tem um efeito mais fraco na liberação de dopamina, mas pode ter um impacto maior na liberação de norepinefrina, o que pode explicar seus efeitos cardiovasculares mais pronunciados (Mendelson et al., 2006).

Mecanismos de Ação

Os mecanismos de ação da metanfetamina são complexos e envolvem múltiplos sistemas de neurotransmissores. A droga age principalmente como um agente liberador de monoaminas, entrando nos neurônios pré-sinápticos através dos transportadores de monoaminas e promovendo a liberação de dopamina, norepinefrina e serotonina para o espaço sináptico. Além disso, a metanfetamina inibe a recaptação desses neurotransmissores, prolongando sua ação nas sinapses (Rothman & Baumann, 2003).

A metanfetamina também inibe a enzima monoamina oxidase (MAO), que é responsável pela degradação de neurotransmissores como a dopamina. Essa inibição adicional contribui para o aumento prolongado dos níveis de neurotransmissores no cérebro, intensificando os efeitos estimulantes da droga (Kuczenski, 1983).

Os efeitos cardiovasculares da metanfetamina incluem aumento da frequência cardíaca, pressão arterial e taxa de respiração. Esses efeitos são mais pronunciados com a d-metanfetamina, que aumenta significativamente a pressão arterial sistólica e diastólica em comparação com a l-metanfetamina. A d-metanfetamina também produz efeitos subjetivos mais intensos, como euforia e sensação de “high”, que são altamente desejados pelos usuários (Mendelson et al., 2006). Em contraste, a l-metanfetamina tem efeitos subjetivos mais leves e de menor duração, embora ainda seja psicoativa (Mendelson et al., 2006).

A metanfetamina é uma droga poderosa com efeitos significativos no sistema nervoso central e no sistema cardiovascular. A farmacocinética e a farmacodinâmica variam dependendo do isômero, com a d-metamfetamina sendo a forma mais potente e com maior potencial de abuso. Os mecanismos de ação da metanfetamina envolvem a liberação e inibição da recaptação de neurotransmissores como dopamina, norepinefrina e serotonina, resultando em efeitos estimulantes e de recompensa. A compreensão desses mecanismos é crucial para o desenvolvimento de tratamentos eficazes para a dependência de metanfetamina e para a prevenção de seus efeitos adversos.

Aumento no Uso de Metanfetamina

De acordo com a Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde (NSDUH), o número de pessoas com 12 anos ou mais que relataram uso de metanfetamina no ano anterior aumentou de 1,4 milhão em 2016 para 2,0 milhões em 2019 (Jones, Compton, & Mustaquim, 2020). Além disso, a prevalência de transtorno por uso de metanfetamina também cresceu, passando de 684.000 pessoas em 2016 para 1.048.000 em 2019 (Jones et al., 2020). Esse aumento foi particularmente significativo entre adultos com 26 anos ou mais, enquanto as taxas permaneceram estáveis em jovens de 12 a 17 anos e adultos de 18 a 25 anos (Jones et al., 2020).

Perfil dos Usuários

O perfil dos usuários de metanfetamina também tem se diversificado. Historicamente, o uso dessa droga era mais comum em certos grupos demográficos, como homens brancos não hispânicos e residentes de áreas do Oeste dos Estados Unidos. No entanto, nos últimos anos, tem havido um aumento significativo no uso entre mulheres, pessoas LGBTQ+, negros não hispânicos e hispânicos (Palamar, Han, & Keyes, 2020). Além disso, o uso de metanfetamina tem sido associado a fatores socioeconômicos, como baixa renda, menor escolaridade e falta de seguro saúde (Jones et al., 2020).

Co ocorrência com Outras Substâncias

Um aspecto preocupante é a ocorrência do uso de metanfetamina com outras substâncias. Dados indicam que o uso combinado de metanfetamina e outras substâncias têm aumentado significativamente. Por exemplo, entre pessoas que usam heroína, o uso de metanfetamina no ano anterior subiu de 22,5% em 2015 para 37,4% em 2018 (Strickland, Havens, & Stoops, 2019). Esse padrão de uso combinado está associado a maiores riscos de overdose, injeção de drogas, compartilhamento de agulhas e transmissão de doenças infecciosas, como HIV e hepatite (Shearer, Howell, Bart, & Winkelman, 2020).

Mortes por Overdose

As mortes por overdose envolvendo metanfetamina e outros estimulantes aumentaram mais de 300% entre 2013 e 2019, passando de 1,2 para 5,0 mortes por 100.000 habitantes (Hedegaard, Minino, & Warner, 2021). Em 2019, nos Estados Unidos da América, os estimulantes foram a segunda classe de drogas mais frequentemente envolvida em overdoses, atrás apenas dos opioides (Hedegaard et al., 2021). Além disso, a participação dos opioides nas mortes por overdose envolvendo estimulantes aumentou de 34,5% em 2010 para 53,5% em 2019, indicando uma sobreposição significativa entre as duas crises (Hedegaard et al., 2021).

Disponibilidade e Potência da Metanfetamina

A disponibilidade de metanfetamina nos Estados Unidos aumentou substancialmente na última década. Após um declínio na produção doméstica devido à regulamentação de precursores químicos, a metanfetamina de alta pureza produzida no México tornou-se amplamente disponível (Drug Enforcement Administration [DEA], 2020). A pureza e a potência da droga aumentaram quase 100% entre 2007 e 2017, enquanto o preço no mercado ilícito permaneceu relativamente baixo (DEA, 2020). Isso tem contribuído para a expansão do uso e dos danos associados à droga.

Impactos na Saúde

O uso de metanfetamina está associado a uma série de problemas de saúde, incluindo sintomas psicóticos, depressão, déficits cognitivos, disfunções cardiovasculares e renais, além de maior risco de transmissão de HIV, hepatites e outras doenças sexualmente transmissíveis (Barr, Panenka, MacEwan, & Thornton, 2006; Darke, Kaye, & Duflou, 2017). Além disso, o uso combinado de metanfetamina e club drugs está ligado a resultados mais pobres no tratamento de transtornos por uso de substâncias, menor probabilidade de receber medicamentos para o tratamento de transtorno por uso de outras substâncias e maior dificuldade de acesso a serviços de saúde (Tsui et al., 2020).

Metanfetamina no Contexto do Sexo Químico (Chemsex)

O chemsex, prática que combina o uso de drogas psicoativas com atividade sexual, tem se tornado um fenômeno preocupante em diversos contextos globais. Compreender as características de personalidade dos indivíduos envolvidos e os tipos de substâncias mais consumidas na prática do sexo é fundamental para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção e tratamento.

Características de Personalidade

A literatura aponta para uma complexa interação de fatores que predispõem ao envolvimento em chemsex. Estudos sugerem a presença de determinadas características de personalidade frequentemente observadas nesses indivíduos, embora a pesquisa ainda não tenha estabelecido relações causais definitivas. Alguns traços comuns incluem:

    • Impulsividade: A impulsividade é um fator consistentemente associado ao chemsex. Indivíduos com alta impulsividade tendem a buscar gratificação imediata, mesmo que isso envolva riscos substanciais à sua saúde física e mental, e aos seus relacionamentos (Bőthe, Bartók, et al., 2018). A tomada de decisões precipitada e a dificuldade de controlar impulsos levam a comportamentos de risco, incluindo o uso de drogas e a prática de sexo sem proteção (barebacking sex), características marcantes do chemsex.

    • Busca por Sensação: A busca intensa por novas experiências e sensações é outro traço recorrente. A busca de experiências novas e intensas pode motivar o uso de drogas como forma de intensificar as sensações e emoções associadas ao ato sexual (Grubbs et al., 2019). As drogas utilizadas no chemsex, como metanfetamina e GHB (Ácido Gama Hidróxi-Butírico), são conhecidas por suas propriedades de desinibição, as quais podem exacerbar a busca por sensações extremas.

    • Baixa Autoestima e Problemas de Autoimagem: Muitos indivíduos que praticam chemsex apresentam baixa autoestima, insegurança e dificuldade em lidar com as suas emoções. O uso de drogas e a busca por conexões sexuais podem servir como mecanismos compensatórios para lidar com esses sentimentos negativos (Ahmed et al., 2016). A busca por validação e aprovação através da atividade sexual pode ser uma forma de lidar com sentimentos de inadequação e solidão.

    • Dificuldades em Regulação Emocional: A dificuldade em regular emoções, especialmente emoções negativas, é um fator crítico associado ao uso de drogas como forma de lidar com a ansiedade, a depressão, o estresse ou outras emoções desconfortáveis (Weatherburn et al., 2017). O chemsex pode ser um mecanismo mal adaptativo para regular o humor e lidar com sentimentos negativos, levando a um ciclo de uso de drogas e comportamentos sexuais de risco.

    • Características de Personalidade de Cluster B (Transtornos da Personalidade): Alguns estudos sugerem uma associação entre o chemsex e os transtornos da personalidade do cluster B, como o transtorno de personalidade borderline e o transtorno de personalidade antissocial (Carpenter et al., 2013). Esses transtornos se caracterizam por impulsividade, instabilidade emocional e dificuldades nos relacionamentos interpessoais, características que podem estar presentes entre os praticantes de chemsex.

Razões para Comentar Especificamente sobre a Metanfetamina no Contexto do Chemsex

O chemsex, como já dito, designa a associação entre o consumo de drogas e práticas sexuais, tem se apresentado como um fenômeno preocupante em diversos contextos, especialmente entre homens que fazem sexo com homens (HSH). A utilização de substâncias psicoativas no contexto sexual intensifica os riscos já inerentes a comportamentos sexuais de risco, resultando em graves consequências para a saúde física e mental, e para os relacionamentos interpessoais. Concentramos aqui nas principais substâncias psicoativas envolvidas no chemsex, analisando os seus efeitos e a complexa interação com outras comorbidades.

Panorama das Drogas no Chemsex

As drogas mais comumente relatadas no chemsex são múltiplas, porém, algumas são mais frequentemente mencionadas na literatura. A escolha da substância, ou da combinação de substâncias, pode variar dependendo da disponibilidade, custos, efeitos desejados e preferências individuais. Entre as principais drogas encontradas no chemsex, destacamos:

    • Metanfetamina (Nomes de rua: Cristal, Meth, Speed, Ice, Tina): A metanfetamina, conhecida como “cristal” ou “ice”, é um estimulante psicoativo de alta potência que promove intensa euforia, aumento da energia, libido e desinibição social (Darke et al., 2008). Seu uso no contexto do chemsex é frequentemente associado a longos períodos de atividade sexual intensa e, muitas vezes, sem proteção. O uso prolongado pode levar a sérios problemas de saúde, incluindo danos cardíacos, problemas neurológicos, e psicoses.

    • Gama-Hidroxibutirato (GHB) (Nome de rua: Gi) e Gama-Butirolactona (GBL): O GHB e o GBL são depressores do sistema nervoso central (SNC) que provocam relaxamento, desinibição e euforia, mas também podem levar à sedação, perda de consciência e até mesmo à morte por overdose (Kamal et al., 2017). Sua utilização no chemsex é preocupante devido ao potencial de perda de consciência e facilitação de atos sexuais não consentidos, aumentando riscos de agressão, exploração sexual e contração de ISTs.

    • Mefedrona: A mefedrona é uma catinona sintética, ou seja, um estimulante semelhante à metanfetamina, embora com efeitos menos intensos e duradouros (Schreck et al., 2020). A sua utilização no chemsex também se relaciona com comportamentos de risco, embora seu consumo em chemsex pareça ser menos frequente que o de outras substâncias, como a metanfetamina e o GHB.

    • Cocaína: A cocaína, um estimulante potente, é usada em alguns contextos de chemsex para intensificar a experiência sexual e combater a fadiga. Entretanto, o seu uso isolado ou combinado com outras drogas aumenta significativamente o risco de eventos adversos cardíacos e outros problemas de saúde, principalmente devido à potência e toxicidade dessa substância (Anderson et al., 2015).

    • Outras Substâncias: Além dessas drogas principais, outras substâncias, como ketamina, álcool, drogas sintéticas semelhantes à catinona (cathinones), benzodiazepínicos e poppers (nitrito de alquila) também podem ser usadas no chemsex, embora com menor frequência do que as substâncias já mencionadas. O poli consumo dessas drogas no contexto do chemsex, ou seja, o uso simultâneo ou sequencial de várias drogas, aumenta ainda mais os riscos para a saúde física e mental.

Tabela Comparativa das Drogas

 

O uso de drogas no contexto do chemsex, e especialmente o poli consumo, aumenta exponencialmente os riscos para a saúde física e mental dos envolvidos. Além dos efeitos adversos diretos das drogas, é fundamental levar em consideração as seguintes comorbidades:

    • Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs): O uso de drogas pode levar à desinibição, a comportamentos sexuais de risco e à não utilização de preservativos, aumentando drasticamente as chances de infecção por ISTs, incluindo HIV, sífilis, gonorreia e hepatites.

    • Transtornos de Saúde Mental: O uso crônico de drogas como a metanfetamina pode causar danos neurológicos significativos e levar ao desenvolvimento ou exacerbação de transtornos de humor (depressão, ansiedade), transtornos psicóticos e outros problemas de saúde mental (Darke et al., 2008).

    • Problemas Relacionados ao Uso de Substâncias: O uso de múltiplas drogas pode levar ao desenvolvimento de dependência química, síndrome de abstinência grave e outros problemas associados ao uso de substâncias.

    • Violência e Exploração Sexual: O estado de desinibição e alteração de percepção induzidas pelo uso de drogas pode aumentar o risco de violência sexual, e a vulnerabilidade à exploração sexual, especialmente entre indivíduos que buscam parceiros sexualmente através da internet ou em ambientes de alto risco.

Além do Uso de Substâncias… Causa e/ou Consequência

A prática de chemsex está intrinsecamente ligada ao abuso de múltiplas substâncias e a problemas mentais diversos. A combinação de diferentes drogas, como metanfetamina, GHB, cocaína, ketamina e outras, aumenta significativamente os riscos para a saúde e bem-estar físico e mental. As comorbidades mais frequentemente observadas são:

    • Transtornos por Uso de Substâncias: O abuso e dependência de múltiplas substâncias são comorbidades extremamente prevalentes em indivíduos que praticam chemsex. A automedicação para lidar com problemas emocionais e psíquicos, a busca por sensações intensificadas e a desinibição induzida pelas drogas criam um ciclo vicioso que perpetuam e agravam o uso de substâncias (Bőthe, Bartók, et al., 2018).

    • Transtornos de Humor (Depressão e Ansiedade): A depressão e a ansiedade são altamente prevalentes entre os usuários de drogas e aqueles que se envolvem em chemsex. Esses transtornos podem contribuir para o uso de drogas como forma de automedicação e intensificar os problemas de saúde mental (Wéry et al., 2016). O ciclo de uso de substâncias e comportamentos de risco também pode exacerbar esses problemas preexistentes.

    • Transtornos de Personalidade: Conforme mencionado anteriormente, há uma forte associação entre o chemsex e os transtornos da personalidade do cluster B. Esses transtornos, com suas características de impulsividade, instabilidade emocional e disfuncionalidade nos relacionamentos, contribuem para o aumento do risco de abuso de substâncias e participação em comportamentos sexuais de alto risco (Kafka and Hennen, 2002).

    • Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs): A prática de sexo sem proteção, frequentemente associada ao chemsex, aumenta significativamente o risco de contrair ISTs, incluindo HIV e hepatites (Blomquist et al., 2020). O impacto do uso de drogas no julgamento e no comportamento de risco intensifica ainda mais esses riscos.

O chemsex é um fenômeno complexo e multifacetado que requer uma abordagem abrangente para a prevenção e o tratamento. Compreender as características de personalidade e as comorbidades associadas é essencial para o desenvolvimento de intervenções eficazes. É fundamental abordar não apenas o uso de substâncias e os comportamentos sexuais de risco, mas também as questões de saúde mental subjacentes, incluindo autoestima baixa, dificuldades na regulação emocional e problemas de relacionamento. Intervenções que combinem abordagens psicoterapêuticas, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a terapia para aceitação e compromisso, para a redução dos riscos e para promover a recuperação.

Palavras Finais

O aumento no uso de metanfetamina e as suas consequências para a saúde pública exigem uma resposta abrangente e multifacetada. Isso inclui a melhoria da vigilância epidemiológica, a expansão de estratégias de prevenção e redução de danos, e o desenvolvimento de tratamentos eficazes para o transtorno por uso de metanfetamina (Jones et al., 2020). Além disso, é crucial abordar as complexas interações entre o uso de metanfetamina e outras substâncias, que têm contribuído para o agravamento da crise de overdose (Hedegaard et al., 2021).

Outrossim, a luta contra o tráfico de metanfetamina exige uma compreensão profunda das dinâmicas do mercado ilegal, incluindo a capacidade de adaptação dos produtores ilegais em relação às mudanças nos precursores químicos e nas regulamentações. A fiscalização precisa ser constantemente revisada e adaptada para manter-se à frente dessas estratégias de evasão, garantindo a segurança pública e minimizando o impacto desta substância altamente danosa na sociedade.

O chemsex representa uma combinação perigosa de uso de substâncias e comportamentos de risco que impacta negativamente a saúde física e mental, e os relacionamentos interpessoais dos indivíduos envolvidos. A diversidade de drogas utilizadas e a alta prevalência de poli consumo tornam a abordagem preventiva e terapêutica desse fenômeno um desafio complexo que requer uma abordagem interdisciplinar, envolvendo profissionais da saúde, assistência social e organizações não-governamentais. A pesquisa contínua é fundamental para uma compreensão aprofundada dos fatores de risco, das comorbidades associadas e para o desenvolvimento de estratégias de intervenção eficazes para a prevenção e o tratamento deste fenômeno de saúde pública.

A colaboração entre setores da saúde, justiça criminal e comunidades é essencial para enfrentar esses desafios e mitigar os danos associados ao uso dessa droga.

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