O eminente psiquiatra alemão Richard von Kraft-Ebing, na sua seminal obra Psychopathia Sexualis, assim descreve o caso 210 (von Kraft-Ebing, 1886):
“Às nove horas da noite, na primavera de 1.891, uma senhora muito apreensiva foi até a delegacia próxima ao parque da cidade X., com a afirmação de que um homem, absolutamente nu, aproximou-se dela e ela fugiu assustada. O oficial foi imediatamente ao local indicado e encontrou um homem que expunha a sua genitália desnuda. O homem tentou escapar, mas foi alcançado e preso. Durante o interrogatório, ele afirmou que estava sexualmente excitado pelo álcool e estava a ponto de procurar uma prostituta. No seu caminho do parque; porém, ele se lembrou de que a exposição do seu pênis lhe dava um prazer muito maior do que a prática da conjunção carnal.
(…) Usualmente, ele se postava entre arbustos e, quando mulheres surgiam no caminho, ele aproximava-se delas com os seus genitais expostos. Durante tal exposição ele tinha uma agradável sensação de calor, e o sangue “subia” para a sua cabeça.
Quando ele entrava nesse estado de excitação (ou transe), ele se sentia quente, seu coração batia violentamente, o sangue subia à sua cabeça, e ele então não resistia mais ao impulso. A partir desse momento, ele nada mais ouvia ou via, uma vez que estava absolutamente absorto em sua luxúria. Depois do ato da exposição dos genitais em público, ele muitas vezes batia em sua própria cabeça com os punhos e firmemente prometia a si mesmo nunca mais fazer tal coisa; no entanto, as ideias lascivas sempre voltavam…
Em suas exposições, seu pênis ficava apenas meio ereto, e a ejaculação nunca ocorria”.
O Exibicionismo é definido como fantasias, impulsos e/ou comportamentos envolvendo a exposição dos órgãos genitais a uma pessoa desavisada ou mesmo inocente. Apesar da gravidade dessa parafilia (percebida através do caso clínico clássico acima posto) e da sua suposta maior prevalência do que várias outras parafilias, os atos exibicionistas sempre foram considerados comportamentos criminosos sexuais “menos graves” do que vários outros tipos de ofensas sexuais. Consequentemente, tais atos têm recebido menor atenção empírica ou investigativa do que, por exemplo, a Pedofilia (Firestone, Kingston, Wexler, & Bradford, 2006). A maior parte do conhecimento sobre o Exibicionismo é baseada em pesquisas de autorrelato daqueles que se envolvem nestes atos (Federoff, 2010), particularmente com base em estudos de caso de amostras clínicas ou judiciais. Enquanto isso, a taxa de prevalência populacional do Exibicionismo está listada nos principais manuais de classificação médica como “desconhecida”.
No entanto, existem estudos na comunidade que revelam taxas de comportamento exibicionista de 8% em homens e de 3 a 5% em mulheres (Bártová, Androvičová, Krejčová, Weiss, & Klapilová, 2021; Joyal & Carpentier, 2017). Apesar das cifras similares entre diferentes estudos, devemos considerar que as perguntas feitas para os participantes dessas pesquisas acabam por ser algo diferentes e nem sempre traduzem o mesmo conceito.
Um desafio ao estimar as taxas de prevalência do comportamento exibicionista é a multiplicidade de vítimas de um mesmo indivíduo. Por exemplo, em um estudo com indivíduos não encarcerados (porém condenados por Ultraje ao Pudor Público – Ato Obsceno) revelou que cada praticante de atos exibicionistas envolveu uma média de 500 vítimas. Repito: QUINHENTAS! (Abel, Becker, Cunningham-Rathner, Mittelman, & Rouleau, 1988; Dominguez, Jeglic, Calkins, & Kaylor, 2024).
Dado o elevado número de vítimas por perpetrador e a baixa incidência de denúncias oficiais ou levadas a termo, os autorrelatos das vítimas durante as pesquisas epidemiológicas podem ser muito mais confiáveis na determinação das taxas de atividades exibicionistas existentes.
Apesar destas taxas de atos exibicionistas serem altas e do impacto psíquico negativo a longo prazo para as vítimas ser consistente, é um fato infeliz que AINDA muito poucas vítimas denunciem formalmente os seus ofensores. A denúncia é ESSENCIAL!
Os motivos mais comuns para não denunciar têm sido a falta de provas sobre o incidente, a ideia de que as(os) denunciantes não seriam levadas(os) a sério pela polícia, ou até mesmo o pensamento de que o fato não havia sido tão grave para que uma denúncia tomasse lugar.
Consistente com outros tipos de vitimização sexual e outros tipos de vitimização não sexual, a divulgação informal (por exemplo, para familiares e amigos) é mais comum do que a divulgação formal (para a polícia). Estima-se anedoticamente que mais da metade das vítimas de atos exibicionistas revelam as suas experiências nefastas de vitimização a alguém, logo após o incidente. Uma das razões frequentemente alegada para tal divulgação informal tem sido “alertar” os outros de que “naquele lugar tem um ofensor sexual; portanto, deve-se evitar passar por aquela área…”
Independentemente das razões para tal subnotificação, é possível supor que muitos desses crimes passam despercebidos pelo Judiciário, talvez permitindo que os perpetradores repitam tais comportamentos com a sensação plena de impunidade e a busca sem limites pela realização da sua mais incontrolável concupiscência.
Embora relativamente pouco se saiba sobre a escalada desde os atos exibicionistas até outros crimes sexuais de contato propriamente dito, pesquisas sugerem que, embora incomum, alguns perpetradores podem evoluir para crimes sexuais de contato (McNally & Fremouw, 2014).
Estudos também têm mostrado que a natureza dos atos exibicionistas pode variar de acordo com a localização geográfica. Por exemplo, em áreas suburbanas e rurais, indivíduos tendem a se expor em estacionamentos, áreas arborizadas, vias públicas, parques e dentro de veículos (Bader, Schoeneman-Morris, Scalora, & Casady, 2008), enquanto nas principais cidades metropolitanas exibicionistas tendem a recorrer a áreas de transporte público (por exemplo, estações de metrô ou ônibus) (Clark, Jeglic, Calkins, & Tatar, 2016).
Nós, especialistas em agressores sexuais ao redor do mundo, não somos contra a pena de prisão; portanto, nós não somos contra a denúncia e a sua efetivação pelas vítimas. Nós somos contra a falta de tratamento médico e psicossocial para aqueles que, DE FATO, têm um transtorno psiquiátrico e que, TAMBÉM DE FATO, desejam tratar-se a contento.
É isso.
Referências
Abel, G. G., Becker, J. V., Cunningham-Rathner, J., Mittelman, M., & Rouleau, J. L. (1988). Multiple paraphilic diagnoses among sex offenders. Bull Am Acad Psychiatry Law, 16(2), 153-168.
Bader, S. M., Schoeneman-Morris, K. A., Scalora, M. J., & Casady, T. K. (2008). Exhibitionism: findings from a Midwestern police contact sample. Int J Offender Ther Comp Criminol, 52(3), 270-279.
Bártová, K., Androvičová, R., Krejčová, L., Weiss, P., & Klapilová, K. (2021). The Prevalence of Paraphilic Interests in the Czech Population: Preference, Arousal, the Use of Pornography, Fantasy, and Behavior. J Sex Res, 58(1), 86-96.
Clark, S. K., Jeglic, E. L., Calkins, C., & Tatar, J. R. (2016). More Than a Nuisance: The Prevalence and Consequences of Frotteurism and Exhibitionism. Sex Abuse, 28(1), 3-19.
Dominguez, S. F., Jeglic, E. L., Calkins, C., & Kaylor, L. (2024). Frotteurism and exhibitionism: an updated examination of their prevalence, impact on victims, and frequency of reporting. J Sex Aggression, doi: 10.1080/13552600.2024.2352403.
Federoff, J. P. (2010). Paraphilic Worlds. In D. B. Levine (Ed.), Handbook of clinical sexuality for mental health professionals. (pp. 401-424). Abingdon: Routledge.
Firestone, P., Kingston, D. A., Wexler, A., & Bradford, J. M. (2006). Long-term follow-up of exhibitionists: psychological, phallometric, and offense characteristics. J Am Acad Psychiatry Law, 34(3), 349-359.
Joyal, C. C., & Carpentier, J. (2017). The Prevalence of Paraphilic Interests and Behaviors in the General Population: A Provincial Survey. J Sex Res, 54(2), 161-171.
McNally, M. R., & Fremouw, W. J. (2014.). Examining risk of escalation: A critical review of the exhibitionistic behavior literature. Aggression and Violent Behavior, 19(5), 474-485.
von Kraft-Ebing, R. (1886). Psychopathia Sexualis with special reference to the Antipathic Sexual Instinct: A Medico-Forensic Study. New York: Rebman Company.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.