Como lidar com os flashbacks do LSD

crystal

Flashbacks com LSD demandam tratamento médico especializado

E-mail enviado por uma leitora

“Boa noite, fiquei muito interessada com o seu post que fala sobre o LSD. Resumidamente, em julho de 2019, pela primeira e única vez, ingeri uma grande quantidade dessa droga, sem saber seu potencial; tive distorções da realidade e crises de pânico. Bem, após essa experiência bem ruim, não quis usá-lo nunca mais. No entanto de 2019 até junho de 2020 tive 5 flashbacks. Isso anda me preocupando muito, eu entro em estado de pânico, mesmo sabendo que não é real; é tudo muito intenso que nem sempre consigo controlar minha mente. Se puder me ajudar, eu agradeço encarecidamente.”

Resposta

Vários tipos de alucinógenos, como o LSD (Dietilamida do Ácido Lisérgico) consistem em um grupo de substâncias que podem muitas vezes provocar um transitório e às vezes reversível quadro de intoxicação caracterizado, principalmente, por alterações na percepção visual.

Uma das mais temidas complicações do uso do LSD é o chamado Transtorno Perceptivo Persistente, ou flashbacks. São revivescências do momento da intoxicação, dias, semanas ou meses após o último uso da substância.

LSD – flashbacks: sintomas mais frequentes:

a) alucinações visuais, muitas vezes com aspectos geométricos;

b) falsas percepções de que algo está se movimentando;

c) flashes de cores;

d) intensificação das cores;

e) visões de contornos (inexistentes) ao redor de objetos (halos);

f) visões de objetos em tamanhos diferentes do real;

g) percepção distorcida de distância;

h) intensa ansiedade decorrente das percepções amplamente distorcidas;

i) enxergar recorrentemente imagens dentro de outras imagens;

j) sensação de visão em câmera lenta.

Embora a causa destes distúrbios perceptivos seja ainda elusiva, alguns autores têm investigado possibilidades, tais como a de o LSD poder alterar de forma incisiva mecanismos cerebrais responsáveis pelo processamento de ver, interpretar e de organizar as imagens provenientes do ambiente externo. Isso significaria, grosso modo, que o LSD poderia induzir grave disfunção em determinados sistemas serotoninérgicos e gabaérgicos (sistemas de neurotransmissores), impedindo que o cérebro processe corretamente os estímulos visuais externos, gerando percepções e sensações distorcidas e irreais. Por esta razão, algumas medicações psiquiátricas devem ser evitadas durante o manejo desta complicação causada pelo uso do LSD e um especialista deve ser procurado para sanar o problema.


LSD: podem ocorrer diferentes tipos de flashbacks

É notável ressaltar que diferentes tipos de Transtornos Perceptivos Persistentes pelo LSD têm sido descritos pelos usuários, como delineio brevemente abaixo:

a) Tipo I: são experiências bastante transitórias, espontâneas, mas que não perturbam o usuário. O consumidor sabe que tais sintomas são recorrentes, mas breves e não amedrontadores. Estes usuários costumam chamar tais episódios de uma “viagem de liberdade.” Raramente procuram auxílio médico e consideram tais episódios como um momento de desligamento do real. Por vezes, este tipo de usuário sabe quando as experiências perceptivas vão começar, como se ocorresse um tipo de “aura.” Esta “aura” é caracterizada por sentimento de autoestranheza, separação do corpo.

b) Tipo II: são experiências mais recorrentes, crônicas, espontâneas, amedrontadoras e provocadoras de importantes prejuízos sociais, familiares, laborais etc para o usuário. Os usuários deste tipo reconhecem que os sintomas foram causados pelo LSD (ou outro alucinógeno) e tentam buscar auxílio médico, mesmo que tardiamente. Muitas vezes, este usuário, apesar do intenso e repetitivo sofrimento e prejuízos decorrentes, retarda na busca por um tratamento especializado. As “auras” que podem ocorrer entre os usuários deste tipo são mais assustadoras, com sensação de estranheza, perda do controle sobre o próprio corpo e sobre o ambiente externo.Naturalmente, fatores precipitantes são importantes na geração de tais problemas. Além dos fatores extrínsecos ao usuário, tais como a pureza da substância, quantidade consumida, frequência do uso, consumo concomitante com outras substâncias psicoativas, aspectos genéticos ou constitucionais, existem os ditos fatores intrínsecos ao consumidor. Dentre estes fatores intrínsecos, podemos citar prévios sintomas de ansiedade, depressão, transtornos do sono (insônias) e alterações do pensamento já causadas por algum outro transtorno mental.

Situações que podem desencadear flashbacks

Também cabe aludir neste texto que aqueles que já padecem do Transtorno Perceptivo Persistente pelo LSD (ou por outro alucinógeno) podem ter os seus sintomas desencadeados por meio de diversas situações, tais como:

a) ao adentrar ambientes escuros, como cinemas;

b) no intercurso sexual;

c) ao fazer atividades físicas ou ouvir barulhos intensos;

d) ao usar outras substâncias, incluindo tabaco e maconha;

e) ao visualizar luzes;

f) em quadros clínicos com sintomas de depressão e ansiedade.

Trata-se, portanto, de condição que demanda tratamento médico especializado.

Portadores, especialmente do chamado Tipo II, podem progressivamente manifestar desesperança, prejuízos sociais e financeiros, limitações para angariar oportunidades de trabalho e relacionamentos salutares, ideação de morte, sensação de que nada poderá ser feito para aliviar seu problema.

Faz parte deste quadro que, após um episódio de flashback, o portador apresente um período de latência, ou seja, um tempo no qual nenhum episódio surge. No entanto e infelizmente, os episódios reaparecem, semanas, meses ou até anos após o último consumo da substância psicoativa.

No seu caso, o que você deve fazer?

No caso descrito, parece-me que não há como fugir de uma adequada e rigorosa avaliação médica especializada. Você não deve mais perder tempo esperando que tais sintomas perturbadores desapareçam com o tempo. Você deve procurar um médico psiquiatra especializado na área, explicar em detalhes todos os seus sintomas e iniciar o tratamento a ser prescrito.

Não há outra forma. O médico deverá compreender o seu quadro e prescrever a medicação pertinente para ajudá-la.

Boa sorte!

Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

Artigo Original

 

Sobre Danilo Baltieri

Danilo Baltieri é médico psiquiatra. Mestre e Doutor em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade. Currículo Lattes.

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