Folha: Criminalização de conteúdo sexual infantil ficcional é alvo de controvérsia

Animações que mostram personagens com aparência infantil em cenas sexuais explícitas, como os gêneros lolicon e shotacon, circulam livremente no Brasil pela internet, inclusive em sites abertos.

A lei proíbe a produção e o consumo de imagens reais de abuso sexual infantil, mas há diferentes interpretações em relação a serem crimes ou não as representações inteiramente fictícias.

O psiquiatra Danilo Baltieri, coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC, diz que materiais dessa natureza reforçam distorções ligadas à pedofilia, como a falsa ideia de que haveria desejo ou consentimento de crianças.

Segundo ele, muitos pacientes começaram consumindo esse tipo de material por considerá-lo inofensivo. Com o tempo, desenvolveram dependência e busca por estímulos mais extremos, o que pode levar ao abuso.

Baltieri já atendeu mais de 6.000 pacientes em 22 anos. Desde 2020, tratou cerca de 350 casos ligados à pornografia infantil real. Em 63 deles, os pacientes também consumiam material fictício.

Ele aponta ainda impactos entre adolescentes: “Meninos de 13 ou 14 anos que veem isso passam a desenvolver uma sexualidade distorcida, marcada pela violência e pela submissão feminina. A supervisão dos pais é difícil —e o conteúdo está em todo lugar”.

Em junho de 2025, o deputado Julio Cesar Ribeiro (Republicanos-DF) apresentou o projeto de lei nº 2.685/2025, que criminaliza a pornografia infantil fictícia —o projeto prevê exceções para obras artísticas, jornalísticas, educativas ou documentais.

Reino Unido, Canadá e Austrália já preveem sanções para representações fictícias de conteúdo sexual infantil. Para o deputado, a proposta brasileira segue essa tendência. O parlamentar avalia que a lei obrigaria plataformas digitais a remover esse tipo de material, em linha com o Marco Civil da Internet.

Críticos lembram que, nesses casos, não há vítimas reais. Para Ribeiro, esse argumento ignora os efeitos sociais e psicológicos das representações fictícias.

O lolicon surgiu no Japão nos anos 1970. Mostra conteúdo sexualmente sugestivo ou explícito com personagens de aparência infantil, em mangás, animes ou outras mídias.

O termo remete ao romance “Lolita” (1955), de Vladimir Nabokov, no qual um homem de meia-idade abusa sexualmente da enteada de 12 anos. Já o shotacon envolve personagens jovens masculinos.

Em 2014, o Parlamento japonês proibiu a posse de imagens reais de abuso sexual infantil. Na mesma época, surgiram pressões para banir também representações virtuais de menores, mas a proibição não avançou.

FolhaJus

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A advogada Carolina Christofoletti, especialista em criminalidade cibernética, sustenta que a legislação brasileira já pune pornografia infantil fictícia, incluindo animações.

“Desde 2008 é crime simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de montagem, adulteração ou qualquer representação visual, e isso abrange desenhos ou animações”, afirma.

Christofoletti observa que a tipificação está no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não no Código Penal, o que altera o cálculo da pena. Ela critica também o título do projeto: “Não existe crime de pedofilia no Brasil ou em qualquer outro lugar. O que existe é o abuso sexual infantil, além da posse, produção e distribuição de material”.

Em novembro de 2017, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, que integra o MPF (Ministério Público Federal), divulgou nota técnica reconhecendo que esse tipo de material pode ser criminalizado pelo ECA, mas alertou sobre os riscos de censura prévia.

Para Luciana Temer, professora de direito constitucional e presidente do Instituto Liberta, a circulação desses conteúdos reforça a erotização da infância e alimenta fantasias de dominação. “Mesmo sendo ficcional, o efeito é concreto”, afirma.

Ela lembra que já ouviu quem defenda o material como “vacina”, capaz de satisfazer pedófilos sem envolver crianças reais. “Mas a maioria dos abusadores havia consumido pornografia infantil, inclusive fictícia, meses antes do crime. Em vez de prevenir, o consumo pode estimular ataques.”

Para a advogada Thais Nascimento Dantas, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo), esses conteúdos não configuram ilícito penal.

“Mesmo havendo ofensa, não é violência sexual direta contra crianças ou adolescentes”, diz.

Thais Dantas defende maior responsabilidade das plataformas. “O STF decidiu que a remoção de conteúdo ofensivo não depende de ordem judicial. Se não retirarem, podem responder civilmente.”


Esta reportagem é resultado do curso sobre cobertura jornalística de violência sexual infantil promovido pela Folha e pelo Instituto Liberta em junho de 2025

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