UOL: Vício em sexo pode prejudicar vida social e profissional; saiba como tratar

casal

Por Pedro Martins
Colaboração para o VivaBem
06/04/2021 04h00

Victor*, 36, é viciado em sexo. Após dois casamentos frustrados e mais relacionamentos curtos do que ele é capaz de contar, decidiu se tratar. Está à procura de um psicólogo e um psiquiatra, enquanto frequenta um grupo de ajuda mútua —tudo no sigilo, para não prejudicar seu trabalho como bancário nem a relação com família e amigos.

Sua vida gira em torno do sexo desde a adolescência. Diagnosticado com narcisismo patológico, ele sentia prazer em conquistar uma parceira após a outra e descartar ambas, e todas que viessem a seguir, quando o prazer da novidade acabasse ou elas não aceitassem mais as regras de seu jogo. O comportamento, porém, também o fazia sofrer.

“O dependente de sexo normalmente não reconhece o problema até chegar ao fundo do poço. Você está transando com um monte de gente e se masturbando igual louco? Está. Mas você está vivendo. O problema se torna visível quando afeta sua vida profissional, social e familiar”, diz Victor, que planeja ficar três meses em celibato como parte de seu tratamento.

O nome do distúrbio varia de acordo com o psiquiatra consultado, mas, para a OMS (Organização Mundial da Saúde), esse vício é conhecido como transtorno do comportamento sexual compulsivo. Ele foi incluído na nova versão da Classificação Internacional de Doenças, a CID-11, que deve entrar em vigor em 2022.

E Victor não é o único. Sofreram do mesmo problema o ator Michael Douglas, o jogador de golfe Tiger Woods e o cantor Latino, que transava 10 vezes ao dia até procurar ajuda. Todos surpreenderam o público quando falaram sobre a compulsão sexual. O tabu, Victor diz, não só prejudica o tratamento como também desencoraja os dependentes até de começá-lo. “Quando você é viciado em álcool, em drogas, as pessoas têm empatia pelo seu sofrimento. Você é um doente. Agora, se é viciado em sexo, você é um tarado, um pervertido. Ninguém entende”, afirma.

Diagnóstico

O professor de psiquiatria Danilo Baltieri, que se especializou em transtornos sexuais durante seu doutorado na USP (Universidade de São Paulo), explica que o diagnóstico de vício em sexo não depende da quantidade de vezes em que um indivíduo se masturba ou transa por dia, mas da perda do controle sobre o desejo. “Não podemos confundir dependentes de sexo com indivíduos com alta libido. O vício é quando o indivíduo não consegue adiar a vontade. É um comportamento intenso e persistente que causa prejuízo, porque a pessoa deixa de fazer outras atividades, inclusive profissionais, em função do sexo”, explica.

A ciência ainda não sabe dizer em quem o transtorno prevalece, mas Baltieri diz que, a julgar por sua experiência de 21 anos em consultório, homens são os mais afetados. O vício, segundo ele, está relacionado à dopamina, um dos principais hormônios ligados ao prazer, que é liberado após a prática de sexo e o consumo de drogas como álcool, cocaína, heroína e nicotina.

“Há um denominador neurobiológico comum ao vício em sexo e outras drogas. É por isso que muitos dependentes sentem a necessidade de aumentar progressivamente a prática sexual. Já atendi pacientes que transavam 17 vezes ao dia, por exemplo”, diz ele, que criou um dos poucos ambulatórios brasileiros preparados para tratar quem sofre de transtornos sexuais.

Mas o professor explica que, diferente do vício em drogas, a compulsão sexual frequentemente passa despercebida pelo círculo social do paciente, que precisa procurar ajuda por conta própria. “O grande problema é a baixa adesão ao tratamento. Cerca de 80% desiste”, diz. “É claro que depois vem a tristeza e o remorso, mas a sensação de prazer provocada pelo sexo é muito mais poderosa para a memória do que a lembrança negativa. É igual droga. Precisa ter muita vontade para se tratar.”

Tratamento

Não há cura para o vício em sexo, mas há como controlá-lo. O tratamento é realizado por psiquiatras, que avaliam a suspeita do paciente e dão o diagnóstico para, em seguida, receitar medicamentos que ajudam a controlar a busca excessiva por sexo —em geral, antidepressivos com propriedades ansiolíticas.

Em paralelo, o paciente precisa passar por sessões de psicoterapia. A linha terapêutica mais indicada por especialistas é a cognitivo-comportamental, mas outras abordagens, como a psicodinâmica, podem ajudar pacientes cuja compulsão sexual está relacionada a problemas como abuso sexual sofrido na infância.

O tratamento funciona como um treinamento, explica a psicóloga Priscilla de Castro, especializada em transtornos sexuais. “A terapia cognitivo-comportamental ajuda o indivíduo a se perceber de maneira funcional e questionar suas distorções de comportamento. O treinamento consiste em estratégias e ferramentas que a gente insere na vida daquele indivíduo para ajudá-lo a driblar suas dificuldades. Através disso, eles vão ressignificando seus comportamentos”, diz.

O professor de psiquiatria Marco Scanavino, que coordena um ambulatório especializado em transtornos sexuais da USP, afirma que a psicoterapia também ajuda o paciente a lidar com variações de humor e gatilhos que podem pôr em xeque o tratamento. “É como se houvesse um estímulo maior para a parte afetiva da sexualidade em detrimento da vivência genital”, diz. “O sexo é extremamente importante e benéfico para saúde mental. Por isso, o que a gente busca não é abstinência, mas um equilíbrio maior na prática.”

Onde buscar ajuda

Coordenado pelo professor Baltieri, o ABSex (Ambulatório de Transtornos da Sexualidade), da Faculdade de Medicina do ABC, atende gratuitamente em Santo André (SP).

A instituição coordenada pelo professor Scanavino, batizada de Aisep (Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo e de Prevenção aos Desfechos Negativos), também atende gratuitamente no Hospital das Clínicas da USP, em São Paulo (SP).

Os interessados nos ambulatórios precisam entrar em contato e passar por uma triagem. Em paralelo, é possível frequentar reuniões do grupo de ajuda mútua D.A.S.A. (Dependentes de Amor e Sexo Anônimos). Antes presenciais, os encontros agora ocorrem pela internet devido à pandemia de covid-19.

*O nome foi alterado para preservar a identidade do entrevistado