Uso de drogas lícitas e ilícitas por pilotos de avião

aviao cabine

Pilotos de avião com problemas com o uso de substâncias: uma questão a ser revista?

Resposta

Problemas com o uso de substâncias psicoativas entre pilotos de aeronaves não pululavam na pauta dos principais estudos acadêmicos no campo das dependências químicas até o ano de 2015, quando um Airbus A320-211, operado pela Germanwings, caiu a 100 km de Nice nos Alpes Franceses, causando a morte de 150 pessoas. Investigações sobre o acidente revelaram que o copiloto estava fazendo uso de medicações controladas (incluindo hipnóticos) e poderia ter provocado o acidente com intenção suicida.

Embora tais acidentes fatais envolvendo pilotos e copilotos com problemas com o uso de substâncias ou mesmo portador de algum outro transtorno mental sejam incomuns, várias empresas de voos aperfeiçoaram estratégias de prevenção ao uso de substâncias psicoativas e de detecção precoce daqueles usuários de drogas.

Estratégias para detectar e prevenir o uso:

Algumas das estratégias e iniciativas então aplicadas podem ser aqui sumarizadas:

a) testes toxicológicos periódicos em amostras de pilotos e copilotos;

b) disseminação de informações e ações educativas quanto às consequências do uso de substâncias psicoativas;

c) treinamento de profissionais médicos e de saúde mental no melhor manejo dos profissionais de aviação;

d) identificação e manejo rápido dos fatores de risco para o consumo de substâncias, tais como sintomas depressivos e ansiosos, problemas familiares, impulsividade.

Dentro das estratégias acima, o simples afastamento dos profissionais da aviação afetados pelo consumo de substâncias pode provocar medo e resistência para procurar ajuda precoce. Outrossim, a ausência de estudos adequados e bem desenhados sobre a prevalência de problemas com o uso de substâncias nesta população prejudica de forma incisiva o desenvolvimento de táticas de prevenção e mesmo de tratamento.

Tendências ao uso de substâncias na aviação

Apesar desta escassez surpreendente de estudos acadêmicos sobre a prevalência do uso de substâncias psicoativas nesta população, o National Transportation Safety Board (NTSB) publicou um documento reportando as tendências do uso de substâncias na indústria da aviação. Este estudo de segurança teve como objetivo investigar se substâncias psicoativas estavam de alguma forma envolvidas em acidentes aéreos que resultaram na morte do piloto. Este documento considerou 23 anos de coleta de dados (entre 1990 e 2012), envolvendo 6.677 pilotos (47% de voos privados, 34% de voos comerciais, 19% de outros tipos de voos), e incluiu voos com ou sem passageiros. Infelizmente, o álcool etílico não foi investigado… Tal documento mostrou os seguintes dados:

  • Cerca de 98% dos pilotos eram do sexo masculino e 50% tinha uma média de 50 anos de idade;
  • Cerca de 25% dos pilotos do estudo apresentaram pelo menos um achado toxicológico positivo para substâncias psicoativas;
  • Houve uma tendência de aumento de positividade nos exames toxicológicos ao longo destes 23 anos;
  • A droga mais comumente encontrada foi a difenidramina, um dentre outros anti-histamínicos com ação sedativa, em cerca de 7,5% da amostra;
  • Cerca de 2,8% testou positivamente para drogas ilícitas;
  • Cerca de 3,5% usou antidepressivos;
  • Cerca de 1,3% testou positivamente para benzodiazepínicos (principalmente Diazepam);
  • Cerca de 2,2% testou positivamente para medicações para dor com ação sedativa (principalmente Hidroxicodona);
  • Nos acidentes ocorridos durante os últimos 10 anos da publicação do documento, houve um aumento na porcentagem de pilotos testados positivos para o uso de maconha.

Dados do Departamento de Medicina Aeroespacial

Além das informações acima, há dados fornecidos em 2008 pelo (Office of Aerospace Medicine, Washington), a partir de uma amostra de 5.321 pilotos (97% eram do sexo masculino) que sofreram algum acidente aéreo (fatal ou não fatal) entre 1990 e 2005, revelando os seguintes achados toxicológicos:

  • Cerca de 2,5% dos pilotos testaram positivo para maconha;
  • Cerca de 0,8% testaram positivo para cocaína;
  • Metanfetamina foi detectada, pelo menos 01 vez ano, entre 1991 e 2002, em 2004 e em 2005.

 

Tendo em vista que pode tratar-se de uma demanda ainda pouco investigada, pesquisadores da área têm sugerido melhorias no processo de avaliação de conduta dos profissionais de aviação, tais como:

a) durante os exames médicos periódicos, além do foco na saúde física e ocupacional, uma maior atenção aos problemas com o uso de substâncias deveria ser priorizada, por exemplo, com a presença de profissionais especializados em saúde mental e dependências químicas;

b) a ampliação de programas de detecção e manejo precoces dos problemas inerentes à profissão, tais como problemas de sono, estresse constante, distanciamento dos familiares;

c) acesso garantido à psicoterapia e treinamentos para a redução do estresse e outros sintomas.

O mito de que a depressão e/ou ansiedade é uma “fraqueza de caráter” deveria ser imediatamente assolado. Nenhum de nós é imune ao problema com o uso de alguma substância psicoativa nem tampouco à grande maioria das doenças médicas. Portanto, procurar ajuda especializada não deveria ser um problema.

Grande obstáculo na procura por ajuda médica é o medo de ser afastado do trabalho

 

 

 

 

 

 

 

Parece que o grande obstáculo na busca por tratamento médico e psicológico é o medo do afastamento das atividades laborais e o arranho na própria imagem pessoal. Esse medo faz com que o profissional afetado procrastine a busca por ajuda especializada e o faça somente sob pressão dos colegas de trabalho ou devido a uma consequência negativa durante o curso do trabalho. Dito isso, é recomendável que haja informações claras no próprio setting do trabalho a respeito das vantagens da detecção precoce do problema e da disponibilidade de tratamentos.

É importante ressaltar que o achado de aumento no consumo de substâncias entre 1992 e 2000, de acordo com o documento do NTSB citado, pode ser um indicativo do que ocorre com profissionais da aviação em geral. Desta feita, há motivos para promover ações que desestimulem o consumo de substâncias bem como razões para facilitar a disseminação de informações e a disponibilidade de tratamentos adequados e baseados em evidência científica de efetividade.

Abaixo, forneço interessante texto para leitura:

Buhringer G. (2018).  Airline pilots with substance use disorders: To care for or to control? Addiction, 114, 203-205.

Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

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