Sou usuário de cocaína. Sofro mais risco de ter problemas com o novo coronavírus?
Resposta
No caso de estar infectado, a resposta deve ser sim, ou seja, o risco de ter mais problemas tende a ser maior do que aqueles que não fazem uso de substâncias psicoativas.
No entanto, e infelizmente, até a presente data, nós sabemos pouco sobre as intersecções entre o uso de substâncias psicoativas e a COVID (Doença do Coronavírus ou Doença provocada pelo SARS-CoV-2). Isso, entretanto, não significa que não possamos ressaltar alguns pontos consensuais de vários sistemas de saúde ao redor do mundo sobre o tema.
Riscos do usuário de cocaína
Usuários de cocaína parecem correr riscos algo que similares de contrair o novo Coronavírus (nCoV) do que a população geral, embora com ingredientes insalubres sobrepostos. Usuários crônicos de cocaína tendem a apresentar condições de saúde preocupantes, como respostas imunológicas alteradas, problemas cardíacos e pulmonares, inadequada nutrição, uso da droga com outras pessoas (às vezes compartilhando as mesmas parafernálias ¾ canudo, dinheiro enrolado, cachimbo etc). O compartilhamento de cigarros (tabaco e maconha), dispositivos de inalação (Narguilé) também deve causar preocupação. Outrossim, a coexistência de infecções como HIV e Hepatites deve contribuir para um pior prognóstico, no caso de infecção concomitante por nCoV.
Além disso, não é incomum que usuários persistentes de cocaína também consumam tabaco. Mais do que 55% dos usuários de substâncias psicoativas fumam, e, como amplamente disseminado nos meios de comunicação, o consumo crônico de tabaco é um dos fatores de risco para a piora do prognóstico entre os infectados por nCoV.
Reiterando, o vírus é principalmente transmitido de pessoa para pessoa, através do contato próximo e através de gotículas respiratórias. Também, o vírus pode sobreviver por tempos variados em determinadas superfícies e substâncias.
Isolamento e consumo
Em situações de isolamento e estresse, como ocorre durante pandemias, usuários regulares tendem a buscar alívio das suas sensações negativas através do consumo de substâncias. Aqueles em recuperação poderão demonstrar aumentado risco de recaída, dadas as dificuldades para lidar com o confinamento e com as suas consequências nocivas. Desta forma, os profissionais da saúde envolvidos com o atendimento de pacientes portadores de problemas com o uso de substâncias devem estar alerta para esta possibilidade. Os clínicos devem monitorar estreitamente os seus pacientes, através de consultas presencias ou mesmo consultas virtuais (telemedicina).
Consumo de substâncias psicoativas em aglomerados
Se os casos individuais são inquietantes, os casos de uso de substâncias psicoativas em aglomerados são ainda mais perturbadores e desafiadores. Nem todos os usuários de cocaína a consomem solitariamente; alguns deles o fazem próximo de outras pessoas. Também, a população que faz uso de substâncias (especialmente cocaína/crack) em aglomerados nas ruas, com péssimas condições de higiene e sem moradia constitui um sério desafio para a saúde pública.
Muitos dos riscos de infecção dos usuários de cocaína/crack são indiretos, ou seja, estão relacionados principalmente à falta de moradia e higiene bem como ao reduzido acesso aos serviços públicos de saúde especializada.
A interrupção e o encerramento dos serviços de tratamento para os dependentes químicos em situação de rua aumentam o problema de forma vertiginosa. Os serviços de assistência aos dependentes químicos em geral, especialmente aos usuários em situação de rua, devem continuar funcionando. Encerrar serviços de assistência pública para esta população, deixando esta tarefa apenas para serviços locais gerenciados por ONGs, deve ser desencorajado. Isso significa que ambos devem funcionar e em conjunto.
Isolamento e estresse fomentam o consumo
Tendo em vista os riscos sobrejacentes de pior prognóstico para aqueles que fazem uso de cocaína/crack, algumas sugestões podem ser aqui aventadas:
a) manter serviços de assistência aos dependentes químicos durante a pandemia;
b) disseminar informações, reiteradamente, sobre as principais vias de contaminação; para isso, é necessário desenvolver uma forma eficaz de comunicação que atinja todos. A formação de agentes multiplicadores de informação é extremamente válida
c) o compartilhamento de parafernálias deve ser fortemente desencorajado;
d) disponibilização de locais providos de água, sabão, desinfetante para as mãos com concentração mínima de 70% de álcool etílico;
e) incentivar a interrupção do consumo de substâncias;
f) promover ações que apoiem e incentivem a procura por serviços de saúde e assistência social (mas estes devem existir, devem permanecer funcionando!);
g) promover ações diárias de higienização nos locais públicos onde o consumo de cocaína/crack viceja;
h) estabelecer protocolos para reduzir o risco de transmissão, tanto aos profissionais quanto aos pacientes, incluindo barreiras de proteção. O que não pode ocorrer é o encerramento das assistências médica e psicossocial.
Serviços de atendimento médico aos usuários de substâncias em situação de rua são muito mais do que essenciais. Eles devem ser fortemente acoroçoados.
Claramente, todas as medidas de proteção para os profissionais da saúde que trabalham com esta população devem ser fornecidas, bem como o provimento de medicações e locais de higienização adequados.
Mesmo em regiões de alta precariedade, é possível orientar líderes de grupos comunitários quanto aos riscos e às necessidades de distanciamento, promovendo maior conscientização da problemática na população. Estes líderes de grupos comunitários podem ser os agentes multiplicadores de informações.
Adulteração da cocaína
Um outro problema que tem sido apontado em diferentes regiões do mundo é a turbulência no próprio mercado de produção e de distribuição da cocaína. Os preços têm aumentado e a adulteração tem vicejado… Isso pode significar que aqueles que não conseguem cessar o uso o tentarão a qualquer custo a despeito das consequências nefastas das adulterações e da própria droga em si. Mais uma vez, serviços de atenção médica para os usuários problemáticos devem ser estimulados e jamais encerrados.
Policiais de países diversos têm se tornado importantes fontes de informação para populações vulneráveis e de encaminhamento para tratamento especializado.
Diretrizes da Interpol
A INTERPOL (The International Criminal Police Organization) tem criado diretrizes para a atuação segura e adequada dos policiais diante desta pandemia. Algumas destas recomendações são apontadas abaixo:
a) assegurar a entrega de medicamentos para a população mais vulnerável
b) auxiliar na transferência de doentes para centros de saúde
c) auxiliar os órgãos de saúde na identificação de casos suspeitos
d) disseminar informações sobre métodos de proteção
e) manter a ordem pública e o controle das fronteiras.
Todos estamos envolvidos, de uma forma ou de outra, na prevenção e no tratamento desta doença. Tente procurar auxílio médico para cessar o uso da cocaína e evitar maiores problemas.
Abaixo, ofereço interessantes referências para leitura:
http://www.emcdda.europa.eu/publications/topic-overviews/catalogue/covid-19-and-people-who-use-drugs https://www.interpol.int/News-and-Events/News/2020/INTERPOL-issues-international-guidelines-to-support-law-enforcement-response-to-COVID-19
Sobre Danilo Antonio Baltieri
Médico psiquiatra. Mestre e Doutor em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade. Currículo Lattes.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.