Meu marido é alcoólatra e tem transtorno bipolar. O que faço?

alcool

Há medicações comprovadamente eficazes para cada um dos problemas

E-mail enviado por uma leitora

“Meu marido precisa urgentemente de ajuda. Ele é alcoólatra e diagnosticado com transtorno bipolar. Já conseguiu ficar em abstinência por seis anos. Mas neste ano já teve várias recaídas e fica insuportável a convivência com ele: fica muito irritado e agride psicologicamente, verbalmente e já chegou a agredir fisicamente também. Fica louco. É caso de polícia, mas tem toda doença por trás. Não sei como conduzir, porque tenho certeza de que se eu sair de casa ele vai se matar, é autodestrutivo, vive caindo e batendo o corpo e a cabeça. Da última vez, teve um coágulo no cérebro e teve que fazer uma cirurgia para drenar. Não sei mais o que fazer, pois ele não aceita ajuda médica, não quer se internar e perturba toda a família. Mistura o álcool com todas as medicações para o transtorno bipolar. Me ajude com algum caminho que a gente possa seguir por favor!” 

Resposta

Considerando que o diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) tenha sido corretamente realizado no caso do seu esposo, podemos assim afirmar que a coexistência deste transtorno mental com problemas relacionados ao uso de bebidas alcoólicas implica em menor adesão ao tratamento médico e psicossocial, maior incapacidade para o exercício das atividades da vida social, maior prejuízo das funções cognitivas (atenção e concentração, por exemplo), mais frequentes comportamentos agressivos/violentos contra si mesmo e terceiros, e maior risco de suicídio do que ocorreria em cada uma destas condições médicas isoladamente.

Estudos

Estudos têm mostrado que mais do que 60% dos portadores de TAB (neste caso, dos portadores de TAB do tipo I) apresentam problemas com o uso de substâncias psicoativas. Outros estudos também têm registrado que os portadores de TAB têm cerca de 10 vezes mais chance de ter problemas com o uso de bebidas alcoólicas do que a população geral. Tais dados são alarmantes, tendo em vista que o alcoolismo prejudica o desfecho clínico no tratamento dos portadores de TAB.

Embora pesquisadores tenham aventado várias propostas para explicar esta forte coexistência (TAB e alcoolismo), o relacionamento exato entre ambos os problemas não é simples, dada a heterogeneidade daqueles que padecem de ambas as condições. 

Correlação entre TAB e alcoolismo    

Abaixo, de uma forma sistematizada, aponto algumas formas de correlação:

a) O próprio TAB pode ser um fator de risco para o consumo de bebidas alcoólicas;
b) Sintomas do TAB (sintomas de mania e de depressão) podem surgir durante o curso da doença alcoolismo;
c) Portadores de TAB podem fazer uso de bebidas alcoólicas durante os episódios de mania (agitação psicomotora, humor exaltado, pressão de discurso etc) como uma tentativa de “automedicação” ou para prolongar o estado mental sentido como prazeroso;
d) Portadores de TAB podem fazer uso de bebidas alcoólicas para aliviar ou sedar os sintomas de inquietação psicomotora e insônia, também como uma atitude de “automedicação”;
e) O consumo crônico de álcool pode afetar estruturas cerebrais e neurotransmissores também envolvidos com a gênese do TAB, permitindo, assim, que um problema exerça influência sobre o outro.

Presença do consumo de bebidas alcoólicas complica a adesão do portador ao tratamento 
Presença do consumo de bebidas alcoólicas complica a adesão do portador ao tratamento

Outrossim, existem evidências que fatores genéticos exerçam poderosa ação na coexistência de ambas as condições médicas. De fato, pesquisas têm já demonstrado que existe maior associação familiar entre o alcoolismo e o TAB do que entre o alcoolismo e a depressão unipolar. Torna-se, neste momento, claro que uma história familiar positiva para presença de TAB ou de alcoolismo é importante fator de risco para o desenvolvimento de ambas as condições.

Portadores de ambas as condições (TAB e alcoolismo) também tendem a demonstrar

a) mais frequentes hospitalizações;
b) início mais precoce dos sintomas do TAB;
c) maior resistência ao tratamento farmacológico;
d) mais frequentes episódios mistos do TAB (grosso modo, a conjunção de sintomas maniformes e depressivos ao mesmo tempo);
e) mais frequente ciclagem rápida (grosso modo, transitar rapidamente de uma fase para a outra, ou seja, da depressão para mania e vice-versa).

De fato, evidenciar a idade de início de cada uma das condições pode auxiliar o clínico durante o manejo. Alguns autores têm sugerido três grupos de portadores de ambas as condições médicas, de acordo com a idade de início de cada uma delas:

a) Aqueles que apresentaram sintomas de TAB e nunca tiveram problemas cm o consumo de bebidas alcoólicas;
b) Aqueles que iniciaram sintomas de TAB e, posteriormente, desenvolveram problemas com o consumo de álcool;
c) Aqueles que apresentam sintomas de TAB após o desenvolvimento de quadros problemáticos com o uso de álcool;
d) Aqueles cuja idade de início de cada condição separadamente não demonstra diferença significativa.

Algumas pesquisas, não sem resultados contrastantes, têm apontado que os grupos “b” e “c” reportados acima apresentam maior risco de suicídio (tentativas e êxitos). Outros estudos têm já afirmado que aqueles pertencentes ao grupo “b”, quando adequadamente e intensivamente tratados para os sintomas do Transtorno Afetivo Bipolar, apresentam melhor chance de cessar o uso de bebidas alcoólicas.

Apesar de toda esta heterogeneidade, o portador de ambas as condições, independentemente da idade de início de uma ou da outra, deve receber tratamento médico e psicossocial adequado e intensivo.

Existem medicações comprovadamente eficazes para cada um dos problemas, ou seja, tanto para o TAB quanto para o alcoolismo. O que ocorre é que a presença do consumo de bebidas alcoólicas complica a adesão do portador ao tratamento, interage com a atividade de várias das medicações disponíveis e facilita a desestabilização do quadro do TAB.

Em situações agudas, quando o portador de ambas as condições (presença de TAB e de problemas relacionados com o uso de bebidas alcoólicas) demonstra comportamentos agressivos contra si mesmo e/ou contra terceiros, ele deve ser conduzido a serviços de emergência psiquiátrica, objetivando o controle da situação. Internações em clínicas psiquiátricas ou em enfermarias psiquiátricas inseridas em Hospitais Gerais, podem e, muitas vezes, devem ser consideradas.

Converse com o médico do seu esposo e explique toda a situação de violência e de instabilidade na qual vocês estão vivendo. Quando o risco de agressividade para si mesmo e/ou para outros é alto, uma internação, mesmo que involuntária, deve ser procedida.

As internações involuntárias podem ser feitas, desde que com a indicação médica, a anuência dos familiares e a comunicação ao Ministério Público Estadual. Por vezes, em situações de extremo risco, procedimentos legais podem também ser aventados, sempre lembrando que as ações dos familiares estarão direcionadas para o bem-estar do portador da condição dual e dos demais membros familiares.

Converse hoje mesmo com o seu médico. Na verdade, nas condições de portadores de duas ou mais doenças médicas, um time de especialistas deveria estar envolvido. Se este for o seu caso, um manejo mais efetivo deverá acontecer. Boa sorte!!!

Atenção!

Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico  psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

Artigo Original