Meu companheiro usa crack e estou desesperada
Orientações de como lidar com esta situação
E-mail enviado por uma leitora
“Estou desesperada. Estou com meu esposo há 12 anos. Há cerca de 7 ele faz uso do crack. Agora mistura com maconha. Já perdemos muitos bens materiais. Eu não tenho mais amor por ele. Sinto pena. Não consigo simplesmente largá-lo, já que ele não tem para onde ir. Mas essa situação está acabando com a minha vida. Não consigo me libertar disso. E temos uma filha de 2 aninhos que está começando a compreender tudo ao seu redor. Hoje mesmo ele recebeu e sumiu com o dinheiro de pagar as contas para usar drogas.”
Resposta
Muitas esposas de portadores de problemas com o uso de substâncias psicoativas acabam envidando enormes esforços pessoais para controlar o comportamento do esposo dependente químico. Este controle acaba superando os cuidados que tais esposas deveriam estar tomando em relação a si mesmas e sua família como um todo. Desta forma, muitos codependentes acabam por negligenciar a própria saúde física e mental e comprometer as suas relações sociais.
Muitas vezes, esposas de dependentes químicos acabam por sentir uma inevitável necessidade de “curar” seus esposos, perdoando-os por inúmeros problemas derivados da dependência química e estimulando um ciclo devastador de comportamentos perniciosos.
Dependente químico na família gera uma difícil “rede de sentimentos”
É certo que ter um parceiro dependente químico é especialmente cruel para o funcionamento familiar. As esposas podem sentir-se desesperançadas, penalizadas, culpadas; ao mesmo tempo, sentimentos de raiva e desejos de morte podem surgir, paradoxalmente.
É muito difícil estimar a prevalência de codependentes na população geral; todavia, podemos aventar que é alta. Um estudo tem já afirmado que cerca de 40 milhões de norte-americanos são codependentes, incluindo, principalmente, mulheres.
Várias têm sido as consequências danosas para os codependentes, tais como:
a) Sintomas depressivos;
b) Falhas nos autocuidados e na própria percepção da saúde;
c) Importantes prejuízos na qualidade de vida (social, profissional, familiar e sexual).
É claro que as esposas devem sentir (e comumente sentem) compaixão. No entanto, estabelecer limites para si mesmas é crucial. Se uma esposa está dando desculpas pelo comportamento do marido dependente, fornecendo a ele, por exemplo, dinheiro, ou assumindo as responsabilidades que o casal deveria estar adotando, ela não estará contribuindo para a melhora do quadro familiar nem tampouco do quadro de dependência e de codependência. Outrossim, algumas esposas imaginam que podem “salvar” seu esposo, assumindo crenças disfuncionais, tais como: “Se eu sou boa o suficiente, eu posso salvar o meu marido”. Lembre-se: a esposa não precisa ser uma mártir ou uma heroína. Ela é apenas uma esposa possivelmente com filhos que precisam de cuidados adequados e atenção.
Pontos cruciais para evitar a codependência:
a) Seja honesta consigo mesma e com o seu esposo dependente;
b) Evite desculpas;
c) Quando uma conduta estiver errada (levar o dinheiro de casa para comprar drogas, por exemplo), este tema deverá ser discutido em um momento no qual o dependente não esteja completamente intoxicado;
d) Incluir outros membros familiares dispostos a ajudar (o que, infelizmente, é incomum) pode reduzir o peso do dia a dia;
e) Imponha limites. Isso inclui impor a necessidade da busca por um tratamento adequado;
f) As esposas codependentes precisam também de aconselhamento adequado e de tratamento oferecidos por profissionais competentes e especializados, mesmo que o portador da dependência se recuse a tratar-se.
Apesar da necessidade da busca por tratamento especializado, nem todos os codependentes estão dispostos a isso. É preciso reconhecer se alguns dos seguintes sinais nocivos citados abaixo estão presentes no seu comportamento e tentar quebrá-los através de orientação correta.
Oito comportamentos nocivos ao codependente:
- Autoestima arranhada;
- Dificuldade para ser espontâneo;
- Crença de que o comportamento de autossacrifício é saudável;
- Necessidade de aprovação dos outros;
- Inabilidade para impor limites;
- Medo do abandono;
- Vergonha de sentir-se só;
- Excessiva negação.
Tendo em vista o seu breve relato, não restam dúvidas de que um tratamento especializado para ambos – você e/ou seu esposo – é necessário e urgente. Os profissionais poderão identificar os principais empecilhos na recuperação do seu marido, as principais características disfuncionais dos comportamentos e propor estratégias para melhorar esta situação. Não há mais tempo a perder!
Artigo Original

Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.