Mesmo fumantes não depressivos queixam-se de tristeza e de falta de ânimo ao largar o cigarro
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“Olá tudo joia? Tenho 23 anos e fumava há 5 anos aproximadamente 7 cigarros de palha por dia. Estou há 30 dias sem cigarro. Porém, na segunda semana sem tabaco, comecei a me sentir deprimido e tive dois episódios de pânico que consegui controlar. Fui ao clínico geral e ele me passou Unitramâ 10mg durante um mês. O médico falou também que pode ser um pouco de depressão. Com isso fiquei muito assustado, angustiado e preocupado. Minha dúvida é se tem relação com o fumo e se vai passar. Quando era criança, tinha um pouco de pânico em algumas situações, mas nunca tive depressão. Desde já, muito obrigado!”
Resposta
O uso de tabaco é a causa líder de mortes evitáveis ao redor do mundo, provocando, correntemente, mais de 5 milhões de óbitos por ano. Como é de amplo conhecimento público, fumar tabaco é um dos principais fatores de risco para doenças pulmonares, cardiovasculares e diferentes tipos de cânceres.
Embora muitos fumantes desejem cessar o consumo do tabaco, a síndrome de abstinência decorrente da redução do uso ou mesmo da parada abrupta amiúde é um fator espinhoso. Outrossim, há vários registros nos gêneros textuais médicos de que o consumo do tabaco, apesar das consequências notavelmente nocivas, aliviaria sensações de ansiedade, estresse, humor depressivo e irritável.
Embora fumantes por vezes associem o hábito de fumar tabaco com sensações agradáveis e de bem-estar psicológico, as evidências científicas demonstram que muitos fumantes iniciam e mantém o consumo devido a problemas de ansiedade, depressão e dificuldades para lidar com o estresse e a angústia. Estudos demonstram que entre 50 e 60% dos portadores de quadros depressivos fazem uso de tabaco. A associação entre transtornos de ansiedade e depressivos com o consumo de tabaco é tão forte que a própria Associação Psiquiátrica Americana recomenda que os tratamentos destinados para auxiliar os dependentes de nicotina a cessar o consumo do tabaco também sejam tratados para possíveis transtornos mentais concomitantes.
Depressão após cessar consumo crônico de cigarro
De qualquer forma, é verdade que mesmo fumantes previamente não depressivos queixam-se de tristeza e de falta de ânimo, quando cessam o consumo crônico do tabaco. Isso pode ser parcialmente explicado pelo aumento de uma enzima cerebral, conhecida como MAO-A (proteína mono amino-oxidase A), após a cessação do consumo desta substância. Estudos têm mostrado um aumento de até 25% nos níveis cerebrais desta enzima 8 horas depois da parada do consumo do tabaco. A MAO-A ajuda a “reduzir” a quantidade de neurotransmissores cerebrais, tais como a serotonina, causando sintomas desagradáveis.
Entre fumantes de tabaco previamente não depressivos, parece que os sintomas de ansiedade e de depressão relacionados com a própria síndrome de abstinência tendem a diminuir significativamente dentro de 01 ou 02 meses. Entretanto, entre os portadores prévios de quadros depressivos e ansiosos que fumavam, este tempo é muito maior e pode ser altamente preocupante no caso da falta de um tratamento médico e psicossocial adequado.
Quadros de transtorno depressivo
Embora muitos profissionais demonstrem receio em recomendar a cessação do consumo de tabaco para os seus pacientes com quadros de transtorno depressivo, devido à crença de que tais quadros tornar-se-ão mais graves, muitas evidências científicas demonstram o contrário. Com a parada do consumo do tabaco, ocorre melhora da qualidade de vida do paciente, redução dos sintomas depressivos e ansiosos (a médio ou longo prazo após a cessação do consumo do tabaco).
Claramente, tanto aqueles fumantes que portam ou que não portam transtornos mentais (como depressão e ansiedade) podem e, muitas vezes, devem estar inseridos em um tratamento médico e psicossocial que tenha olhares tanto para a síndrome de abstinência do tabaco quanto para outros sintomas psiquiátricos/psicológicos coexistentes.
Medicações antidepressivas
Medicações antidepressivas que tratem ambos os problemas, ou seja, tanto a dependência de nicotina quanto os transtornos depressivos e ansiosos, podem ser úteis nesta tentativa altamente recomendável de cessar o consumo de cigarros. Também, existem tratamentos mais específicos para a dependência de tabaco que podem incluir outras medicações para tratar a depressão e a ansiedade.
As fórmulas de tratamento para ambas as condições existem e podem ser aplicadas por especialistas treinados. O acompanhamento deve ser rigoroso e as vantagens da cessação do consumo devem ser evidentes para o paciente.
Você está no caminho certo. Embora difícil, a cessação do consumo dessa substância trará imensos benefícios tanto para a sua saúde física quanto psicológica. Paciência, vigilância continuada, tratamento correto seguramente facilitarão um resultado positivo.
Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.