Entrevista concedida para a CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool
Por que é importante discutir o uso de álcool e seu impacto sobre a sexualidade?
O comportamento sexual pode ser afetado pelo consumo de bebidas alcoólicas, desencadeando, não raras vezes, consequências sociais, legais e pessoais negativas. Apesar de muitas vezes considerado como uma droga “prosexual” que facilita as interações pessoais, o etanol tem sido associado a uma gama ampla de perturbações da sexualidade, que englobam desde as disfunções sexuais até os comportamentos sexuais criminosos.
Por exemplo, cerca de 10% das disfunções eréteis estão associadas ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas, e cerca de 30% dos sentenciados por crimes de estupro têm sido apontados como dependentes desta substância. Desta forma, ora afetando as funções fisiológicas da resposta sexual normal, ora alterando a reação comportamental a variados estímulos, o consumo de bebidas alcoólicas e suas repercussões na sexualidade merecem atenção constante.
É conveniente também afirmar que o início das atividades sexuais entre adolescentes tem sido associado ao consumo de bebidas alcoólicas.
Como o consumo de bebidas alcoólicas influencia os comportamentos sexuais?
Poderia simplificar esta resposta, dizendo que o etanol pode afetar os comportamentos sexuais através de duas formas:
- a) Os próprios efeitos farmacológicos da substância;
b) As expectativas de quem faz uso de bebidas alcoólicas.
Tem sido reiteradamente evidenciado que os efeitos farmacológicos do etanol, incluindo desinibição comportamental, diminuição da percepção de riscos e dificuldade na tomada de decisões estão associados a comportamentos diversos muitas vezes não toleráveis pelo próprio indivíduo nos momentos em que o mesmo se encontra sóbrio.
Já as expectativas que as pessoas têm diante do consumo das bebidas alcoólicas também devem ser levadas em consideração. É comum a crença de que depois de uma bebida, as inibições pessoais diminuam e a coragem aumente, facilitando a busca do parceiro e a conquista do mesmo. As expectativas muitas vezes são tantas que homens e mulheres relatam aumento do desejo sexual depois de tomarem um copo de placebo, acreditando beber álcool.
Quais as crenças mais comuns sobre este tema e o que o conhecimento científico tem a dizer sobre elas?
Crenças: O álcool facilita a conquista de parceiro sexual e a melhora o desempenho sexual.
Conhecimento Científico: O álcool é popularmente pensado como uma droga que diminui as inibições sexuais. No entanto, várias pesquisas têm concluído que esta substância tem efeitos negativos sobre as fases da excitação e do orgasmo, sem levarmos em conta os deletérios resultados do consumo crônico de bebidas alcóolicas sobre a resposta sexual normal.
Crença: Os bebedores crônicos não cometem crimes, porque eles já estão enfraquecidos pela bebida.
Conhecimento científico: Os crimes relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas têm sido associados aos dependentes desta substância e não apenas aos usuários ocasionais e regulares.
Crença: Onde há álcool, há sexo.
Conhecimento Científico: Embora de certa forma correta, visto que é comum o consumo de bebidas alcoólicas entre casais antes da atividade sexual, é necessário qualificar o “sexo”, antes e depois. Alguns estudos associam o consumo de bebidas alcoólicas com sexo desprotegido e, consequentemente, o risco das doenças sexualmente transmissíveis. Outros estudos avaliam a vulnerabilidade de pessoas às investidas sexuais de outras. Cerca de 30 a 60% das mulheres vítimas de estupro, por exemplo, fizeram uso de álcool antes do fato.
Crença: Sexo é diferente, quando estamos altos.
Conhecimento Científico: Embora também muitas vezes correta, esta crença deve avaliar o “diferente” sob vários aspectos. Prejuízos na excitação, orgasmo e ejaculação, dificuldade na vinculação afetiva entre os pares, comportamentos de risco durante o ato sexual, dificuldade em entender um “não” durante as preliminares podem fazer do sexo algo bastante diferente.
Crença: Beba um pouco para se acalmar…
Conhecimento Científico: O álcool é um importante desinibidor. Se havia uma pessoa inquieta sobre determinado assunto, não tenha muitas dúvidas de que esta inquietação poderá aumentar.
Que cuidados as pessoas deveriam ter ao decidir juntar as duas coisas: sexo e bebidas alcoólicas?
Em primeiro lugar, a divulgação de conhecimentos científicos sobre a interação álcool/ comportamentos sexuais faz-se necessária para adolescentes e adultos. Projetos de prevenção do consumo inadequado de álcool e outras drogas, associados à prevenção de comportamentos sexuais violentos, inadequados e de risco têm sido raros no nosso meio, apesar da importância da associação.
De qualquer forma, a divulgação de dados sobre o papel do álcool no desempenho sexual e na fisiologia da resposta sexual, sobre as consequências sociais, pessoais, legais e comportamentais do consumo inadequado de bebidas alcoólicas é urgente no Brasil.
Nos Estados Unidos da América, a preocupação com a interação álcool/ comportamentos sexuais de risco e criminosos é grande, tendo em vista as várias campanhas de prevenção realizadas. No Brasil, temos que começar a pensar neste ponto e com urgência.
Em uma pesquisa com apenados por crimes sexuais em uma penitenciária brasileira, cerca de metade deles fez uso de bebidas alcoólicas no momento do ato ilícito, o que corrobora o fato de termos que pensar mais neste tema.
Fonte: Cisa
Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.