Entenda a relação entre déficit de atenção e consumo de maconha

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Maconha não possui ação terapêutica para quem sofre de déficit de atenção

 

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“Tenho 16 anos, parei recentemente de usar ou fumar a droga “cannabis”. conhecida como maconha, há uns três meses. Estava passando aqui pelo Google e resolvi pesquisar sobre déficit de atenção, e vi a sua página. Bom, não consegui achar nada que realmente tenha a ver comigo, com o que eu estava sentindo, até que vi essa página “Vya Estelar”. Por favor, ajude-me a tirar a minha dúvida: eu queria saber quanto tempo demora para essa dificuldade de aprender passar? Por favor, ajude-me com essa pergunta. E como fazer para isso passar, pois tenho um futuro, e não quero perdê-lo por causa disso, pois quero começar a estudar medicina, e quero estar renovado para isso.”

 

Resposta

Em primeiro lugar, receba os meus cumprimentos por estar abstinente da maconha há três meses. Espero que você permaneça sem usar esta substância.

Em segundo lugar, se você sofre realmente de Transtorno por Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade (TDAH), você precisa de tratamento especializado para tal. Deve procurar um especialista psiquiatra, o qual irá fazer uma diagnóstico, estabelecer um plano terapêutico e, com a sua parceria, seguir um tratamento promissor. O “tempo para que você consiga dar atenção aos seus estudos” é variável, dependendo do seu diagnóstico, das características individuais, da proposta terapêutica instalada, da sua adesão ao manejo clínico, da abstinência de maconha, dentre outros. O que você não pode fazer é esperar que as coisas ocorram sem tomar atitudes.

Não existem fórmulas mágicas; existem tratamentos que podem ser eficazes para a doença da qual você padece. Aproveitando a sua pergunta, discorrerei brevemente sobre a associação entre o consumo de maconha e o TDAH.

 

Maconha não possui ação terapêutica para quem sofre de déficit de atenção

Infelizmente, existe uma percepção entre adultos jovens de que a maconha é terapêutica para aqueles que sofrem de déficit de atenção. Existem vários relatos anedóticos de pessoas que portam este Transtorno por Déficit de Atenção com Hiperatividade apoiando o benefício do uso recreativo da maconha. Ocorre que existe parco apoio científico para tais registros anedóticos.

A maconha permanece como uma das mais frequentes substâncias utilizadas ao redor do mundo, seguida pelo tabaco e álcool etílico. Altas taxas de transtornos pelo uso de substâncias têm sido documentadas entre portadores de TDAH. Quando se comparam pessoas que têm TDAH com outras que não apresentam este quadro médico, aqueles portadores demonstram maior risco de início precoce do consumo de maconha, maior risco de consumir pesadamente a substância e maior risco de complicações clínicas e psicológicas advindas do uso da droga.


Adultos portadores de TDAH consomem três vezes mais maconha do que aqueles sem este quadro clínico

De fato, de acordo com o National Epidemiological Survey on Alcohol & Related Conditions nos Estados Unidos da América, adultos portadores de TDAH consomem três vezes mais maconha do que aqueles sem este quadro clínico. Outrossim, ao longo da vida, os portadores de TDAH têm oito vezes mais chance de usar maconha do que os não portadores.

Olhando sob uma outra perspectiva, verifica-se que, entre aqueles indivíduos que buscam tratamento médico para deixar de usar maconha, as taxas de presença do quadro clínico do TDAH são estimadas entre 34 e 50%, dependendo da amostra e do setting em que as pesquisas foram desenvolvidas.

Alguns autores sugerem que maiores níveis de impulsividade e conduta desafiadora na infância são fortes fatores de risco para o consumo de maconha e de outras substâncias durante a adolescência tardia e quando adulto jovem.

 

Por que há a associação entre TDAH e consumo de maconha

Existem algumas explicações para esta forte associação entre padecer de TDAH e o consumo da maconha:

a) Tentativa de “automedicação”. Indivíduos com maior impulsividade, com notável busca por sensações e com elevado nível de ansiedade podem procurar na droga uma maneira de aliviar sintomas de inquietude e ansiedade;

b) Portadores de TDAH apresentam funcionalidade prejudicada nos seus sistemas dopaminérgicos e noradrenérgicos. A maconha, quando consumida, tende a aumentar a  liberação da dopamina em determinadas regiões do cérebro;

c) O consumo de maconha pode prejudicar aspectos da cognição (tais como, memória e atenção) e indivíduos com TDAH podem apresentar problemas de concentração e na execução de tarefas, dificultando a autopercepção de que o uso da droga piora os sintomas da doença e vice-versa.

Observando o item “c” acima, um diagnóstico preciso de TDAH entre usuários de cannabis exigirá a abstinência da droga por algum tempo. Do contrário, os prejuízos de memória, atenção e competência executiva poderão se sobrepor e confundirão o procedimento diagnóstico.

Aproximadamente metade daqueles portadores de TDAH na infância demonstrarão sintomas de desatenção com ou sem hiperatividade na vida adulta. Já entre portadores de TDAH na infância que fazem uso de maconha na adolescência. Os sintomas da doença tendem a ser exacerbados, especialmente no que concerne à desatenção e falha no funcionamento executivo, colocando o jovem em elevado risco para ter sintomas persistentes de TDAH na vida adulta.

Estudos controlados têm já mostrado que o uso de maconha entre os 15 e 25 anos preveem a persistência do TDAH na vida adulta. O tratamento psicofarmacológico para o TDAH é bem estabelecido nos gêneros textuais médicos. Alguns estudos, porém nem todos, têm sugerido que o tratamento precoce com psicoestimulantes protege o portador de TDAH de desenvolver quadros relacionados ao uso de substâncias. No entanto, esse efeito protetor se mantém apenas se o portador adere corretamente ao tratamento médico e psicossocial.

 


Tratamento de TDAH para o adolescente requer acompanhamento familiar e psicoterapêutico   

 

Quando o adolescente inicia o tratamento para o TDAH, concomitantemente ou não com o abuso de substâncias psicoativas, é imperativa a participação proativa dos familiares. A abordagem psicoterapêutica associada é fundamental e deve sempre ser estimulada.

Muitas vezes, na prática clínica, a adesão ao tratamento e às recomendações médicas não é adequada. Nunca se esqueça de que um tratamento para uma doença crônica deve ser seguido à risca.

Mais uma vez, repiso neste site, que uma droga não é boa ou má por si só. Os derivados das plantas do gênero Cannabis têm sido pesquisados para o tratamento de vários problemas médicos. Isso significa que existem substâncias derivadas destas plantas que já têm sido e ainda outras poderão ser comprovadamente eficazes e seguras no tratamento de diferentes mazelas médicas, incluindo as dependências químicas. De qualquer forma, temos suficientes evidências de que a maconha fumada traz inequívocos danos ao usuário.

Dito isso, não podemos demonizar uma substância. O tetrahidrocanabinol (THC) é o principal componente da cannabis e tem recebido enorme atenção da comunidade científica ao redor do mundo.

Outros derivados da planta Cannabis, conhecido como Canabidiol, tem emergido como uma droga com potencial efeito neuroprotetor, antipsicótico e ansiolítico. Uma única dose do Canabidiol pode reduzir a ansiedade entre portadores de ansiedade social. Quando comparada ao placebo, a combinação THC com Canabidiol mostra-se útil em quadros de humor. Outrossim, o Canabidiol inalado tem mostrado reduzir o consumo de cigarros de nicotina entre aqueles que buscam tratamento para dependência de tabaco. Indo além, o Canabidiol tem também sido apontado como útil no tratamento de dependentes de maconha.

THC, Canabidiol e placebo

Em um estudo comparando THC, Canabidiol e placebo entre voluntários saudáveis, o THC induziu aumento da frequência cardíaca, ansiedade e sintomas similares aos de uma psicose (Martin-Santos  et  al.,  2012). Notavelmente, neste estudo houve diferenças entre o Canabidiol e o placebo, sugerindo, NESTA AMOSTRA, que o Canabidiol não teve fortes efeitos ansiolíticos como previamente afirmado.

Estamos em um campo ainda minado. Interesses científicos podem estar entrelaçados com interesses comerciais. Desta forma, e compreendendo ambos os interesses, precisamos de forte respaldo científico para o tratamento daqueles que padecem de doenças do cérebro e de outras condições médicas, com eficácia e segurança terapêutica além de qualquer dúvida razoável.

Boa sorte!

Abaixo, ofereço interessantes referências sobre o tema:

Martin-Santos, R., et al. Acute Effects of a Single, Oral dose of d9-tetrahydrocannabinol (THC) and Cannabidiol (CBD) Administration in Healthy Volunteers. Current Pharmaceutical Design. 2012; 18(32): 4966-76.

Zulauf CA, Sprich SE, Safren SA, Wilens TE. The Complicated Relationship Between Attention Deficit/Hyperactivity Disorder and Substance Use Disorders. Current psychiatry reports. 2014;16(3):436.

Atenção!
Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

Artigo Original

 

Danilo Antonio Baltieri

Médico psiquiatra. Mestre e Doutor em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade. Currículo Lattes.

 

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