Consumo de cola de sapateiro junto com drogas e álcool

alcool drogas

O maior risco do consumo de cola de sapateiro com álcool e drogas é o de intoxicação combinada

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“Gostaria de saber se o uso abusivo e contínuo de cola de sapateiro, juntamente com as medicações Quetiapina, Clonazepan e Fluoxetina causa problemas no cérebro. Meu filho tem 36 anos, já teve algumas intervenções voluntárias em comunidade terapêutica e hospital psiquiátrico. Além da cola, usa tabaco, maconha, cocaína, cerveja e destilado (pinga) e é quando fica mais delirante, agressivo e persecutório. Quando usa algumas vezes e para, parece que voltam as suas funções cerebrais, mas no último mês, tem feito o uso diariamente e agora não está mais conseguindo voltar a ter um raciocínio centrado, coerente e lógico. Está com delírio religioso. Trabalho o dia todo e não tenho como monitorar o uso. Em relação ao dinheiro ele dá desculpa que irá fazer entrevista de emprego e que necessita do dinheiro para o ônibus. Mente e consegue comprar a cola já que o valor é baixo e por ser fácil comprar. Outro dia cheguei e a casa estava aberta e com uma vela acesa em cima do armário da cozinha, ao lado estava um recipiente com álcool e quando cheguei, vi que estava quente a vasilha com álcool. Tenho medo do que ele possa fazer comigo e com ele. Procurei uma internação involuntária, mas só particular, mas no momento não tenho condições financeiras. Obrigada!”

Resposta

Inúmeros estudos têm reiteradamente demonstrado as nefastas consequências à saúde física e psicológica do uso concomitante de diferentes substâncias psicoativas. Estima-se que cerca de um dentre dez adultos jovens tenha já feito uso de substâncias psicoativas (drogas como o álcool, inalantes, maconha e/ou cocaína) concomitantemente com medicações psiquiátricas prescritas.

Uso de múltiplas drogas

A associação de diferentes substâncias prescritas ou não prescritas pode aumentar ou diminuir o efeito de uma ou de outra, ou até mesmo ser notavelmente lesiva. Os riscos do uso de múltiplas drogas dependem dos tipos e quantidades das substâncias consumidas, bem como das características fisiológicas e genéticas do usuário. Combinar substâncias psicoativas pode amplificar os efeitos prazerosos dos usuários, mas também pode repisar os efeitos negativos. Misturar substâncias excitatórias, por exemplo, tais como a cocaína com o ecstasy (MDMA), pode aumentar a sensação de agitação e inquietação psicomotora, mas também aumenta o risco de arritmias cardíacas (por vezes, fatais), hipertermia, coma e morte.

Risco: intoxicação combinada

O maior risco do consumo de várias substâncias é o potencial para intoxicação combinada. A intoxicação combinada, ou seja, aquela produzida pelo consumo de mais do que uma substância deve ser tratada de forma urgente em serviços de emergência clínica.

Alguns dos efeitos mais vistos em intoxicações combinadas são aqui citados:

  • Confusão mental
  • Coma
  • Arritmias cardíacas
  • Crises convulsivas
  • Sangramento gástrico
  • Falha no funcionamento do fígado
  • Acidentes vasculares cerebrais
  • Depressão respiratória
  • Redução da função renal

Outrossim, misturar substâncias psicoativas assola grandemente diferentes tipos de neurotransmissores ao mesmo tempo, causando diversas manifestações comportamentais e físicas.

Seu filho está fazendo uso concomitante de múltiplas medicações psiquiátricas em conjunto com múltiplas substâncias psicoativas (drogas lícitas e ilícitas). Trata-se de situação de extrema gravidade que necessita urgentemente de tratamento adequado.

Tendo em vista as medicações e substâncias psicoativas mencionadas na pergunta acima, aponto algumas possíveis interações entre elas:

Medicações Substâncias psicoativas

Álcool

Maconha

Cocaína

Cola (contém Tolueno dentre outros solventes)

QuetiapinaSonolência, prejuízo na coordenação motoraTontura, confusão mental, prejuízos na concentração e no controle motorPossível aumento do risco de
movimentos involuntários, rigidez
muscular
Tontura, desmaios, queda da pressão arterial, cefaleia.
FluoxetinaPrejuízo no curso do pensamento, na coordenação motora e pensamento.Tontura, quedas, prejuízos na
concentração e no julgamento.
Dificuldade de concentração, maior
descontrole comportamental.
Redução do efeito antidepressivo
desejado.
ClonazepamGraves prejuízos no controle motor, na atenção e capacidade para tomar decisões.Confusão mental, tontura, dificuldade de concentração. Perda do controle motor e prejuízo do julgamento.Aumento da tolerância ao uso do clonazepam, com possível intoxicação pelas duas substâncias.Grave prejuízo na concentração, controle motor, organização do
pensamento. Possibilidade de
depressão respiratória e maior risco de arritmias cardíacas.
Levando em consideração apenas a cola de sapateiro (inalantes/solventes), os efeitos do consumo podem ser catastróficos. Comumente, logo após o uso, os seguintes sintomas são notados:

a) fala empastada

b) falha na coordenação motora

c) euforia

d) tontura

e) marcha de ébrio

Com o consumo continuado, os seguintes sintomas podem ocorrer

a) danos ao fígado e rins

b) perda progressiva da acuidade auditiva

c) lesões da medula óssea

d) perda da coordenação motora

e) espasmos musculares

f) danos neuropsicológicos (capacidade de focar atenção, prejuízos na memória, falha em concentração, desorientação quanto ao tempo e espaço)

g) neurite óptica (inflamação dos nervos ópticos)

h) desinibição comportamental

i) descuidos com higiene e aparência

Overdose

Infelizmente, mas não raramente, os usuários de inalantes/solventes orgânicos podem apresentar quadros de overdose, os quais são caracterizados por convulsões, depressão respiratória, arritmias cardíacas fatais e morte.

Se uma pessoa é dependente dos inalantes/solventes orgânicos e cessa ou reduz abruptamente o uso da droga, ele pode apresentar sintomas da síndrome de abstinência, tais como:

a) insônia

b) sudorese noturna

c) náuseas

d) perda do apetite

e) mudanças bruscas do humor.

 

Tratamento

O tratamento para o dependente de múltiplas drogas deve sempre envolver uma equipe interdisciplinar. Exames laboratoriais e toxicológicos periódicos, bem como rigorosas avaliações médicas e psicológicas são necessários.

Em situações onde o dependente não consegue cessar o consumo de uma ou mais substâncias psicoativas, como por exemplo, a cola, uma internação em clínica psiquiátrica inserida em um Hospital Geral se faz fortemente recomendável.

Todos os especialistas em Dependências Químicas sabem que portadores de quadros graves não terão o sucesso desejado, ou seja, a abstinência completa, com uma e única internação. Tratando-se de doença crônica, o dependente grave poderá necessitar de várias internações, objetivando a interrupção imediata do uso e a nova tentativa de reinserção social e familiar.

Os familiares, como sempre tenho reiterado no Vya Estelar, devem estar envolvidos com o tratamento do dependente. Outrossim, estes mesmos familiares devem também estar inseridos em um tratamento para si mesmos, dados os desgastes psicológicos e físicos impostos pela dependência química do parente.

Boa sorte!

Atenção! 
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

 

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