Meu namorado cheira cocaína, assiste pornografia e se masturba à exaustão
Consumo de cocaína e de pornografia: uma combinação explosiva
E-mail enviada por uma leitora
“Boa tarde. Meu namorado é viciado em cocaína. Sempre que ele usa ele assiste pornografia e se masturba até à exaustão. Eu não sabia que as pessoas poderiam ser viciadas em masturbação e pornografia, mas comecei a ficar assustada ao ver como ele fica quando usa a droga. Ele só se masturba quando usa. Se machuca todo. Passa mais de 12 horas cheirando e se masturbando. O uso não é diário, ocorre uma vez por semana às vezes, de 15 em 15 dias, uma vez por mês. Mas percebi que um vício potencializa o outro. Ele é uma pessoa incrível, tem uma família maravilhosa, um ótimo emprego, e nos relacionamos muito bem, mas isso tá acabando com ele, e comigo também. Esse foi meu desabafo.”
Resposta
Infelizmente, casos como o aqui reportado não são incomuns. Estudos transversais têm mostrado significativa correlação entre o uso de cocaína, o consumo de pornografia, sexo casual e masturbação excessiva. Traços de personalidade caracterizados pela necessidade de buscar sensações novas e evitar sentimentos negativos (tais como vazio, solidão, tristeza e ansiedade) têm sido praticamente denominadores comuns entre aqueles consumidores de pornografia e de cocaína.
Outrossim, a sensação de prazer obtida através do uso da cocaína, bem como do consumo de pornografia, envolve vias cerebrais similares relacionadas à recompensa e à memória, supondo-se, assim, uma potencialização das atividades excitatórias. De fato, estudos têm mostrado que uma região cerebral relacionada à sensação de recompensa, conhecida como Núcleo Accumbens, é intensamente ativada pelo uso repetido, tanto das substâncias psicoativas (como a cocaína) quanto do consumo da pornografia, aumentando a sensação de prazer a cada novo ciclo de uso de ambas.
É comum, na prática clínica diária, portadores de problemas com o uso de cocaína referirem que o consumo da droga ocorre concomitantemente com o consumo de pornografia. Apesar das consequências amplamente nocivas do uso da substância psicoativa e dos comportamentos relacionados ao consumo concomitante da pornografia, os usuários tendem a retornar aos episódios de consumo, dentro de um ciclo devastador.
Dentre os comportamentos relacionados ao consumo de pornografia simultaneamente ao uso da cocaína, podemos citar:
a) filmes pornográficos evocam uma miríade de possibilidades, inclusive sexo desprotegido entre os atores (barebacking sex), sexo coercivo, atividades sexuais com múltiplos parceiros, sexo casual etc. Ocorre que o consumo de cocaína produz alta excitação psicomotora e redução importante da autocrítica, podendo conduzir o usuário de ambas (cocaína e pornografia) a buscar ainda mais sensações e ainda mais arriscadas, muitas vezes baseadas nas visões produzidas pelos filmes assistidos e nas fantasias sexuais concorrentes;
b) a duração do consumo de ambas (cocaína e pornografia) pode variar; todavia, o tempo do uso geralmente varia de algumas horas até 03 dias seguidos. O usuário adentra uma espécie de transe, no qual a parada do consumo se torna cada vez mais difícil;
c) quando cessado o consumo, o usuário de ambas (cocaína e pornografia) acaba reconhecendo as consequências negativas do comportamento e, muitas vezes, faz promessas a si mesmo e a outros de que jamais retornará a repetir esse comportamento de uso de ambas. Contudo, um novo ciclo tende a ocorrer dias, semanas ou meses após, dada a alta excitação causada no momento do consumo de ambas. A memória associada à excitação do comportamento relacionado ao consumo concomitante tende a ser mais prevalente e sobressalente do que a memória das consequências negativas;
d) desta forma, um ciclo acaba se desenvolvendo, incluindo a ritualização do comportamento. Nesta ritualização, o usuário de ambas (cocaína e pornografia) estabelece locais e, às vezes, dias certos para iniciar um outro ciclo.
Esquema sobre a ritualização do consumo impulsivo de pornografia e cocaína

O tratamento de pessoas com problemas com o uso de cocaína e com o consumo de pornografia concomitante não é fácil. As recaídas são frequentes, e a experiência de tristeza e ansiedade tende a ser bastante desconfortável durante a abstinência. Os pacientes devem ser advertidos quanto a isso e, ao mesmo tempo, estimulados a construir pensamentos e condutas que valorizem a abstinência de ambas.
Os usuários geralmente manifestam alguns sintomas diretos e indiretos, tais como:
a) deterioração do orgulho pessoal;
b) afastamento dos membros familiares;
c) redução da autoestima e do auto-respeito;
d) negligência de outros valores anteriormente importantes;
e) sonhos incomuns;
f) mudanças nos padrões de sono e de apetite;
g) alterações comportamentais devido ao estresse do comportamento repetitivo;
h) perda de tempo útil.
O manejo clínico daqueles com problemas com o uso da cocaína e da pornografia tende a incluir medicações para o controle impulsivo e para o tratamento de condições psiquiátricas subjacentes (por exemplo, depressão e ansiedade), bem como psicoterapia realizada por profissionais altamente especializados nas áreas da sexualidade e da dependência química.
Durante o manejo psicoterapêutico, algumas propostas devem ser aventadas:
a) promover o aprendizado a partir dos erros, deslizes e recaídas;
b) reduzir a vergonha relacionada aos comportamentos passados;
c) estabelecer guias claros de comportamento;
d) evitar atividades solitárias;
e) estabelecer vínculos afetivos com mais pessoas;
f) melhorar o suporte social;
g) melhorar a vida social, com atividades pró-sociais;
h) planejar a semana, evitando possibilidades de reativar o ciclo;
i) saber que os pensamentos sobre a emoção prazerosa do comportamento retornarão de forma súbita ou provocados por algum estímulo (sexual ou não).
O seu namorado precisa tomar uma decisão quanto a realizar um tratamento adequado para o problema do qual ele padece. Você deve aconselhá-lo e, se possível, ajudá-lo.
Boa sorte!
Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.

Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do ABC durante 26 anos. Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC por 20 anos, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) durante 18 anos e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex) durante 22 anos. Tem correntemente experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.