CCJ e Tratamento Hormonal para Pessoas com Transtorno Pedofílico

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Publicação da Tribuna do Norte

Projetos de Lei (PL), como o 3.127/2019, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal a respeito do uso da “Castração Química” como punição ou mesmo como alternativa à pena privativa de liberdade pululam já há mais de 17 anos.

A maioria destes Projetos de Lei têm sido embasados em matérias jornalísticas, as quais não foram escritas por mim ou mesmo outro especialista e sim por jornalistas.

À medida que o tempo foi passando e a mídia foi melhor compreendendo a respeito do Transtorno Pedofílico bem como das propostas de tratamento, os Projetos de Lei têm utilizado um tom mais suave.

Discutindo um pouco sobre as bases do PL citado neste contexto, explico:

Tratamentos Farmacológicos para o Transtorno Pedofílico

A utilização dos tratamentos farmacológicos para molestadores de crianças com Transtorno Pedofílico ainda gera várias questões éticas e legais ao redor do mundo. Baseado na ideia de que essas medicações alteram atitudes e crenças, elas têm sido vistas por seus opositores como drogas “controladoras da mente e do comportamento”. Algumas vezes, o tratamento de pacientes que padecem de parafilias, por meio de medicações hormonais, pode ser visto como uma violação aos direitos da pessoa, causando uma espécie de castração química, interferindo com a liberdade individual para a procriação e para a expressão livre da sexualidade.

Os defensores da terapêutica hormonal para o tratamento de pacientes que padecem de parafilias refratárias às outras formas de abordagem farmacológica e psicossocial defendem que essas medicações apenas afetam as atitudes e os comportamentos sexuais, não influenciando os demais processos gerais do pensamento e do comportamento. Além disso, defendem que essa abordagem médica deve ser realizada em casos graves, onde há a iminência ou mesmo a presença de atividades sexuais desviadas, sempre com a anuência do paciente.

Até o presente, não existe cura para a condição médica conhecida como Transtorno Pedofílico, mas os transtornos parafílicos em geral podem ser tratados efetivamente por meio de manejos psicossociais e farmacológicos especializados e coadunados. Não há dúvidas de que fatores biológicos determinam muitos aspectos do comportamento sexual humano, mas há controvérsias sobre a extensão dessa influência. Portanto, ambas as estratégias – psicossocial e farmacológica – podem e, muitas vezes, devem ser incluídas para tratar tais pessoas.

Com respeito às opções farmacológicas para o tratamento dos agressores sexuais portadores de pedofilia, existem dois grupos de medicações que têm demonstrado eficácia e segurança terapêutica, de acordo com vários estudos:

a) os agentes redutores da ação da Testosterona, e

b) os antidepressivos inibidores da recaptura da serotonina.

Como a pedofilia envolve diversos aspectos biológicos e psicossociais, a terapia cognitivo-comportamental ESPECÍFICA PARA TAL PROBLEMA deve ser realizada durante todo o curso do tratamento.

É verdade que o lugar das medicações no controle dos comportamentos aberrantes e desviados demanda ainda investigação científica e observação clínica; apesar disso, seu uso durante a prática clínica deve ser feito sempre quando necessário, respeitando os limites e prescrições ético-jurídicos.

Infelizmente, a “pílula mágica” para controlar o comportamento dos portadores de pedofilia não existe. Sempre, algumas características dessas medicações devem ser observadas antes da prescrição:

a) Efeitos colaterais devem ser mínimos e/ou reversíveis

b) A medicação deve suprimir os comportamentos sexualmente desviados, mas deve permitir uma vida sexual normal

c) Deve existir uma forma adequada para monitorar a adesão dos pacientes ao regime terapêutico (dosagens repetidas, por exemplo)

d) O tratamento deve ser efetivo em termos de reduzir o comportamento sexualmente inadequado e melhorar a qualidade de vida do paciente

e) O tratamento deve ser ética e socialmente aceitável. Às vezes, o uso de medicações hormonais para esse tipo de doente é visto com repulsa em diferentes sociedades.

Até o momento nenhuma das medicações disponíveis para o tratamento dos portadores de pedofilia preenche todas as características mencionadas acima. Apesar disso, os tratamentos farmacológicos têm mostrado ser valorosos e muitas vezes indispensáveis no tratamento e manejo dos pacientes. Embora as medicações comumente usadas para o tratamento do Transtorno Pedofílico não tenham aprovação do FDA (Food and Drug Administration), elas NÃO devem ser consideradas drogas experimentais ou mesmo um experimento médico. Na seara médica, é bastante comum a prescrição de medicações para indicações outras daquelas que constam oficialmente nas respectivas bulas (off-label).

É difícil definir tratamento experimental; contudo, pode-se considerar experimental um tipo de tratamento que é novo e não amplamente realizado e aceito devido à carência de eficácia demonstrável. De fato, o primeiro registro médico do uso de medicação hormonal para o manejo do comportamento sexualmente inadequado em um homem ocorreu em 1944, com a prescrição da droga dietilestilbestrol. Em 1966, John Money iniciou pesquisa sobre a utilização da medroxiprogesterona para o tratamento dos agressores sexuais. Logo, é inapropriado chamar de “experimental” um tratamento que tem sua origem há cerca de 80 anos, com diferentes centros ao redor do mundo o usando e aperfeiçoando.

 

Tratamento hormonal ou “castração química”?

Infelizmente, muitos diferentes profissionais no nosso país afirmam que o uso de medicações hormonais para o manejo da pedofilia é uma conduta cruel ou mesmo não ética.

Essa opinião tem sido divulgada em jornais e outros meios de comunicação no nosso país, afetando negativamente o adequado tratamento e manejo de milhares de portadores desse grave problema médico.

Primeiro, o uso de medicações hormonais é restrito a uma fatia bastante pequena dos portadores de pedofilia. Segundo, preconiza-se atualmente a utilização de doses pequenas, a fim de não provocar inibição da ereção. Terceiro, essas medicações, quando administradas, são comumente associadas com outras formas de tratamento médico e psicossocial. Quarto, as medicações hormonais são comumente administradas por um tempo relativamente curto (geralmente, seis meses). Quinto, durante a administração dessas medicações, exames hormonais e demais avaliações laboratoriais são rotineiramente realizados, de tal forma que o paciente é rigorosamente monitorado.

O termo “castração química” deve ser evitado no meio médico especializado, devido às conotações pejorativas que ele carrega. A palavra “castração” implica imagens de dor e sofrimento, bem como denota um método irreversível. Ao contrário, o tratamento hormonal de portadores de pedofilia, quando indicado e rigorosamente realizado, tem-se mostrado eficaz e seguro para a redução das fantasias sexuais desviantes e reincidência.

 

Conclusão

As evidências científicas sugerem que medicamentos podem ajudar alguns agressores sexuais contra crianças. A privação de androgênios e outros tratamentos medicamentosos (desde que realizados por especialistas) para agressores sexuais têm efeitos colaterais, mas são comparáveis ​​às outras drogas psicotrópicas amplamente utilizadas. O custo humano e financeiro dos crimes sexuais na sociedade exige a utilização de todas as estratégias eficazes para lidar com o problema. Comportamentos ofensivos sexualmente motivados por Transtornos Parafílicos subjacentes, Parafilias ou Transtornos relacionados às Parafilias são mais bem compreendidos em um contexto biopsicossocial. Assim, sabe-se que a remediação do problema pode ser auxiliada por terapia cognitivo-comportamental específica e por medicamentos. De forma semelhante, os medicamentos devem ter um papel crescente e evidente na gestão global dos agressores sexuais. Não há como fugir desse tema.

 

 

Referências

Baltieri DA, De Andrade AG. Treatment of paraphilic sexual offenders in Brazil: Issues and controversies. International Journal of Forensic Mental Health. 2009;8:218-23.

Baltieri DA, De Souza Aranha e Silva RA. Aspectos  éticos no tratamento médico da pedofilia e na divulgação jornalística de casos de agressão sexual contra crianças. In: Cohen C, Ayer de Oliveira R, editors. Bioética, Direito e Medicina. Barueri: Manole; 2020. p. 631-52.

Garcia FD, Delavenne HG, Assumpção AF, Thibaut F. Pharmacologic treatment of sex offenders with paraphilic disorder. Current Psychiatry Reports. 2013; 15: 356.

 

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