Fumar maconha como recurso terapêutico, nos momentos atuais da evolução farmacológica, não me parece a melhor opção; entenda
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“Sempre fumei maconha de modo recreativo, nunca prejudicou minha vida. Mas descobri recentemente que estou com câncer na próstata. Vou iniciar a quimioterapia, a maconha me alinha no sentido mental e emocional e mesmo espiritual no sentido de ter um acreditar positivo. Mas agora com essa notícia, ao fumar, oscilo para cima e pra baixo. E não sei o que essa combinação de quimioterapia com consumo de maconha pode causar. Vocês do Vya Estelar podem me ajudar? Muito obrigado!”
Resposta
No momento atual, existem medicações derivadas dos canabinoides já aprovadas para uso em humanos por diferentes órgãos oficiais regulatórios. As aprovações para uso em humanos ocorrem após várias fases, desde a descoberta e o desenvolvimento, os testes em animais, os testes em humanos, até a comercialização e a continuada investigação dos efeitos benéficos e maléficos. No entanto, “fumar” a maconha como recurso terapêutico, nos momentos atuais da evolução farmacológica, não me parece a melhor opção.
Na última década, houve um interesse renovado nos possíveis usos médicos da cannabis (Cannabis sativa e outras espécies de Cannabis), com eleitores em vários estados americanos apoiando fortemente tal movimento. As pesquisas de opinião sugerem um apoio popular igualmente forte para o uso da cannabis medicinal em muitos países europeus. As análises de especialistas sobre as evidências médicas e científicas sobre este tópico realizadas em ambos os lados do Atlântico nos últimos anos concluem que há boas notícias quanto à efetividade das medicações derivadas dos canabinoides para o tratamento de sintomas de algumas doenças médicas, mas também encorajam mais e mais pesquisas clínicas.
Medicamentos à base de maconha
Medicamentos utilizando maconha são usados há milhares de anos na Ásia e foram populares por mais do que 100 anos na medicina ocidental após a sua introdução em meados do século XIX. Eles caíram em desuso em grande parte devido às dificuldades que os médicos encontraram em obter resultados consistentes e “replicáveis”. Técnicas modernas de melhoramento e cultivo de plantas resolveram parcialmente o problema do controle de qualidade no uso da cannabis herbácea como medicamento, mas a questão de uma janela terapêutica estreita entre os benefícios desejados e os efeitos psíquicos e físicos indesejados permanece um desafio.
Fumar maconha, no entanto, traz riscos médicos à sua saúde física e psíquica. A curto prazo, os efeitos irritantes da fumaça da maconha podem levar à bronquite; a longo prazo, um risco muito mais sério é o potencial de aumento do risco de câncer de pulmão, vias aéreas e boca.
Consumo de maconha e risco de câncer
Embora o risco de câncer ainda não possa ser quantificado com precisão, é um dos perigos potenciais mais sérios que precisa ser considerado. Tem havido sugestões e evidências de que a maconha tem efeitos adversos de longo prazo na gravidez, no sistema imunológico, na fertilidade e na cognição.
A década de 1990 testemunhou grandes avanços em nossa compreensão científica de como o THC e outros canabinoides, principalmente o Canabidiol, agem no Sistema Nervoso Central e em sistemas orgânicos. Outrossim, a descoberta de que o cérebro e alguns outros órgãos têm receptores específicos que reconhecem a droga e desencadeiam respostas celulares é análoga à descoberta, no início da década de 1970, dos receptores de opioides no cérebro que ligam a morfina e outros opioides. Tal como aconteceu com os opioides, a descoberta de receptores canabinoides específicos levou à busca de supostos produtos químicos naturais que interagem com os receptores específicos. Isso levou à descoberta da anandamida como o primeiro dos canabinoides endógenos de ocorrência natural. Embora a anandamida pertença a uma classe química diferente do THC, ela se liga aos mesmos receptores. Essas descobertas lançam uma luz inteiramente nova sobre a farmacologia da cannabis.
Do objetivo original de estudar um canabinoide com efeitos psicotrópicos, agora vemos a oportunidade de revelar um sistema de controle fisiológico totalmente novo no corpo. Por exemplo, a exploração de produtos químicos sintéticos semelhantes à anandamida tem sido uma maneira de obter medicamentos melhorados à base de canabinoides.
O ritmo da descoberta tem sido tão rápido nos últimos anos que é bastante razoável prever que mais membros da família de receptores canabinoides e outras substâncias canabinoides endógenas serão descobertos no futuro próximo. Isso, por sua vez, pode levar a novas oportunidades terapêuticas, talvez envolvendo vários canabinoides naturais que não se ligam aos receptores canabinoides conhecidos, mas, no entanto, têm alguns efeitos farmacológicos importantes.
Medicações à base de canabinoides
No momento atual, existem várias medicações à base de canabinoides disponíveis para uso médico, mesmo que demandem importação. Além do Canabidiol isolado, ou mesmo a combinação do Canabidiol com baixas doses de delta-9-Tetrahidrocanabinol (THC), existem outras medicações disponíveis em alguns países ao redor do mundo, tai como:
a) Dronabinol (Marinol®/Syndros®) é um medicamento que contém delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e é aprovado para prescrição nos EUA para tratar náuseas e vômitos causados por quimioterapia contra o câncer, bem como perda de peso e falta de apetite em pacientes com AIDS;
b) Nabilone (Cesamet®) é um canabinoide sintético que age de forma muito semelhante ao THC. Pode ser tomado por via oral para tratar náuseas e vômitos causados pela quimioterapia do câncer, quando outras drogas não funcionaram;
c) Nabiximols é uma droga canabinoide em uso no Canadá e em parte da Europa. É um spray bucal feito de um extrato de planta inteira com THC e canabidiol (CBD) em uma mistura de quase um para um. Tem sido utilizada nestes locais para tratar a dor ligada ao câncer, bem como como espasmos musculares e dor nos quadros de Esclerose Múltipla (EM).
Baseado em vários estudos, o dronabinol pode ser útil para reduzir náuseas e vômitos associados à quimioterapia. Dronabinol também, como repisado, parece ajudar a melhorar a ingestão de alimentos e, consequentemente, prevenir a perda de peso em pacientes com AIDS. No entanto, em alguns estudos envolvendo participantes com diferentes tipos de câncer, o Dronabinol não foi melhor do que o placebo ou outro medicamento (Acetato de Megestrol) para os fins esperados.
Da mesma forma como ocorre com muitos outros medicamentos, os canabinoides prescritos, dronabinol, nabilona, canabidiol, THC etc podem causar efeitos colaterais e complicações.
Algumas pessoas têm problemas com o aumento da frequência cardíaca, diminuição da pressão arterial (especialmente ao se levantar), tonturas e desmaios. Essas drogas podem causar sonolência, bem como alterações de humor ou uma sensação de estar “alto”.
As medicações podem também podem piorar quadros de depressão, induzir síndromes maniformes ou psicóticas e mesmo piorar o curso de outras doenças mentais. Por exemplo, estudos já têm relacionado o uso da Nabilona com o surgimento de alucinações em alguns pacientes. Estes medicamentos podem também potencializar alguns efeitos de medicamentos hipnóticos, álcool, contribuindo para desenlaces indesejáveis.
Pacientes têm também relatado problemas como boca seca, e falhas na memória para fatos recentes. Pacientes mais velhos podem ter mais problemas com efeitos colaterais e geralmente devem iniciar com doses mais baixas.
Além disso tudo, medicações derivadas dos canabinoides bem como a própria maconha fumada podem interagir com as medicações prescritas para o seu tratamento, podendo imprecar intervenção da equipe médica que cuida de você.
As notícias sobre as novas medicações à base de canabinoides, bem como as perspectivas reais sobre novas medicações são otimistas. No entanto, todas as medicações, sejam elas naturais, semissintéticas e sintéticas também possuem efeitos adversos.
Câncer de próstata e consumo de maconha
Você tem câncer de próstata; fuma maconha há décadas; tende a acreditar que continuar fumando possa ser prejudicial para o seu tratamento. É hora de tomar uma decisão certeira e baseada em evidências sobre o que será útil e o que será prejudicial durante o seu tratamento.
Converse com a equipe médica que o está acompanhando e siga as orientações adequadamente. A equipe deverá nortear quais serão as melhores medicações a ser utilizadas.
Boa sorte!!!
Atenção! Esta resposta (texto) não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.
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Médico psiquiatra. Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atualmente é Professor Assistente da Faculdade de Medicina do ABC, Coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria da FMABC, Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (GREA-IPQ-HCFMUSP) e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Sexualidade da Faculdade de Medicina do ABC (ABSex). Tem experiência em Psiquiatria Geral, com ênfase nas áreas de Dependências Químicas e Transtornos da Sexualidade, atuando principalmente nos seguintes temas: Tratamento Farmacológico das Dependências Químicas, Alcoolismo, Clínica Forense e Transtornos da Sexualidade.